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quarta-feira, 23 de julho de 2025

Dos castelos na areia e das marés


 

Chegámos à praia e a miúda, do alto dos seus quatro anos, declara que vai fazer um castelo. Indiferente à maré que vai subindo, pega na pá e no balde e lá vai tentando, com sucesso relativo. Por fim, lá me deixa ajudar, e lá sai um castelo. Mas agora, como é evidente, falta protegê-lo. Escava-se o fosso, um dos manos faz o muro e o pai dedica-se à tarefa impossível de tentar deter a maré.

De pá em punho, escavo trincheiras, levanto muros, faço canais, poços, tudo o que me lembro para deter o avanço inexorável da maré. A pequena cidade, com um castelo e um muro, conta já com duas trincheiras e vários bastiões, como qualquer cidade que se prepara para receber o invasor.

A luta é desigual, mas o muro e o castelo, assim como as torres exteriores, lá se vão aguentando, comigo a escavar de cada vez que o mar galga as trincheiras, para grande felicidade e orgulho dos meus filhos. Mas eu bem sei que nada mais há a fazer pela salvação da cidade, do que esperar que a maré pare de subir.

Claro que, inevitavelmente, nos cansámos da brincadeira, e o apelo das bolas de Berlim fala mais alto. Da minha cadeira, observo a maré a invadir, ligeiramente atrasada pelo que sobra das defesas arduamente construídas, aquela pequena cidade — um castelo e um muro — construída pelos miúdos. E tudo acaba com uma qualquer criança mimada, que, ao passar pelas ruínas da nossa orgulhosa civilização, destrói com gozo evidente aquilo que nós construímos, enquanto o pai lhe ralha de forma impotente.

Devo confessar que, enquanto cavava vezes sem conta nesse esforço inglório de tentar travar a maré, não pude deixar de pensar que havia algo de alegórico naquela pequena cidade, à mercê do mar, que, apesar de todos os meus esforços, só podia esperar a salvação com o mudar da maré.

Nós, cristãos, vivemos também hoje tempos assim, onde vamos fazendo o que é possível para salvar a cidade no alto da montanha, enquanto vemos uma maré inexorável a avançar. E também nós temos consciência de que os nossos esforços, por muito grandes que sejam, para pouco mais servem do que para atrasar a maré. Mas, embora saibamos que a salvação não depende de nós, temos a consolação de não depender do arbítrio da natureza, mas da Misericórdia d’Aquele que é Senhor do Tempo e da História. E, por isso, temos bastante mais esperança do que a que eu senti enquanto via o mar a avançar em direcção ao castelo de areia, enquanto saboreava a minha bola de Berlim, sentado numa velha cadeira de praia.

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