Chegámos à praia e a miúda, do alto dos seus quatro anos,
declara que vai fazer um castelo. Indiferente à maré que vai subindo, pega na pá
e no balde e lá vai tentando, com sucesso relativo. Por fim, lá me deixa
ajudar, e lá sai um castelo. Mas agora, como é evidente, falta protegê-lo.
Escava-se o fosso, um dos manos faz o muro e o pai dedica-se à tarefa
impossível de tentar deter a maré.
De pá em punho, escavo trincheiras, levanto muros, faço
canais, poços, tudo o que me lembro para deter o avanço inexorável da maré. A
pequena cidade, com um castelo e um muro, conta já com duas trincheiras e
vários bastiões, como qualquer cidade que se prepara para receber o invasor.
A luta é desigual, mas o muro e o castelo, assim como as
torres exteriores, lá se vão aguentando, comigo a escavar de cada vez que o mar
galga as trincheiras, para grande felicidade e orgulho dos meus filhos. Mas eu
bem sei que nada mais há a fazer pela salvação da cidade, do que esperar que a
maré pare de subir.
Claro que, inevitavelmente, nos cansámos da brincadeira, e o
apelo das bolas de Berlim fala mais alto. Da minha cadeira, observo a maré a
invadir, ligeiramente atrasada pelo que sobra das defesas arduamente
construídas, aquela pequena cidade — um castelo e um muro — construída pelos
miúdos. E tudo acaba com uma qualquer criança mimada, que, ao passar pelas
ruínas da nossa orgulhosa civilização, destrói com gozo evidente aquilo que nós
construímos, enquanto o pai lhe ralha de forma impotente.
Devo confessar que, enquanto cavava vezes sem conta nesse
esforço inglório de tentar travar a maré, não pude deixar de pensar que havia
algo de alegórico naquela pequena cidade, à mercê do mar, que, apesar de todos
os meus esforços, só podia esperar a salvação com o mudar da maré.
Nós, cristãos, vivemos também hoje tempos assim, onde vamos
fazendo o que é possível para salvar a cidade no alto da montanha, enquanto
vemos uma maré inexorável a avançar. E também nós temos consciência de que os
nossos esforços, por muito grandes que sejam, para pouco mais servem do que
para atrasar a maré. Mas, embora saibamos que a salvação não depende de nós,
temos a consolação de não depender do arbítrio da natureza, mas da Misericórdia
d’Aquele que é Senhor do Tempo e da História. E, por isso, temos bastante mais
esperança do que a que eu senti enquanto via o mar a avançar em direcção ao
castelo de areia, enquanto saboreava a minha bola de Berlim, sentado numa velha
cadeira de praia.
Sem comentários:
Enviar um comentário