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terça-feira, 12 de março de 2024

O Inverno (e a Primavera, o Verão e o Outono) do nosso descontentamento



Olhando para as reacões às eleições de Domingo parece-me que o centro-direita não percebeu o que aconteceu. Continuo a ver a AD a afirmar que ganhou as eleições, quando a verdade é que o máximo que pode afirmar é que não perdeu. Neste momento tem apenas mais 2 deputados que o PS (sendo que, embora seja pouco provável, ainda pode empatar, ou até ficar com menos) e menos deputados do que a esquerda unida. A verdade é que a AD teve um dos piores resultados de sempre do centro-direita, pouco acima de há dois anos e que precisa que ou o PS ou Chega no mínimo se abstenham para aprovar qualquer coisa no Parlamento. Seja isto o que for, não é uma vitória.

Mas, ao contrário do que tinha acontecido até agora quando o centro-direita tinha um mau resultado, a verdade é que o PS tem um resultado ainda pior. Perde mais de 40 deputados e mais de 500 mil votos. O país mostrou muito claramente que está farto do PS e que não o quer no poder, nem sequer em conjunto com a esquerda.

Mas quem derrotou o PS não foi a AD, que repete mais ou menos o resultado de há dois anos quando o PS teve maioria absoluta. Quem derrotou a o PS foi o Chega. Com mais de um milhão de votos e quase cinquenta deputados, confirma-se não apenas como o terceiro partido, como se torna também no terceiro partido com maior grupo parlamentar na democracia portuguesa. Ignorar que os portugueses quiseram tirar o PS do poder e que expressaram esse desejo sobretudo através do voto no Chega é um erro que podemos vir a pagar caro.

Estas eleições vieram por a nu algo que já era evidente há anos, mas que o refúgio da abstenção sempre permitiu disfarçar. Hoje há um total divórcio entre a política e todos os seus protagonistas (partidos, políticos, comentadores, etc) com a sociedade. As eleições, que nenhum dos dois grande partidos ganhou, e que viram crescer o partido que se afirma como anti-sistema deixaram claro que boa parte do povo não tem qualquer interesse nesta elite.

A elite política vive hoje cada vez mais em circuito fechado. Transitam directamente das juventudes partidárias para uma qualquer avença e daí para o Parlamento ou um espaço de comentário. Vivem fechado no seu círculo, alimentados pela bolha do Twitter, perdidos em tricas que não interessam a ninguém a não ser aos que vivem nessa bolha. Debitam discursos redondo sobre os temas que os comentadores (que vivem na mesma bolha) garantem ser essenciais, mas que nada dizem à população. Pregam com ar douto, sempre com a pretensão de ensinar ao povo sobre o que se deve preocupar, como deve vota, quais as grandes causas civilizacionais. Sobretudo ignoram totalmente o dia-a-dia dos portugueses,  tratando com desprezo qualquer preocupação que vá contra a sua narrativa.

Do outro lado vivem os eleitores, com trabalhos que no topo da carreira pagam o mesmo que ganha um qualquer assessor de 20 anos, que andam de transportes públicos, que tem os filhos na escola do Estado, que tem de utilizar o SNS. Os eleitores que vivem em casas cada vez mais caras, que vêm os filhos a viver pior que a sua geração, sem qualquer esperança de conseguir melhorar a sua qualidade de vida.

Do outro lado estão também as associações da sociedade civil, sem qualquer ligação partidária, que fazem trabalho político, trabalho cultural, trabalho social, sem qualquer apoio ou sequer consideração da parte do poder.

É evidente que num país cada vez mais envelhecido, mais pobre, com serviços públicos mais degradados, sem opções profissionais, e em que os políticos vivem fechados sobre si mesmos, o descontentamento só podia aumentar. E isto era evidente nos últimos anos, com o aumento constante da abstenção. Não é agora que as pessoas não confiam nos políticos, é há anos. A grande diferença é que nesta eleição houve um partido que soube manipular esses descontentamento.

Não tenho dúvida que Chega não é solução. A única coisa que sabe fazer é amplificar os problemas da população sem propor qualquer solução exequível para eles. Estou convencido que a melhor forma de esvaziar o Chega seria dar-lhes responsabilidades no Governo. No instante em que tivessem que resolver qualquer problema, ficaria claro a sua inutilidade. Mas o facto de o Chega não ser solução, não significa que os problemas de que fala não existam. Menorizar as pessoas que votam no Chega trata-la como tontas, como analfabetas, com paternalismo, é meio caminho andando para continuar a dar mais força a Ventura. O Chega não é a causa da crise do sistema, é a consequência.

Se o PSD quer realmente voltar a ser um grande partido tem que começar por tirar a cabeça da areia. Tem de levar a sério esta separação entre o seu partido e a população. Tem de ir conhecer os problemas reais dos portugueses e propor caminhos claros para os resolver. Sobretudo tem que romper a bolha em que vivem os políticos. Uma bolha de impunidade, onde carreiras se constroem apenas com base em apoiar os candidatos certos, onde centenas de pessoas vivem de avenças ou contratos públicos, onde para se ter sucesso nos negócios não é necessário qualquer jeito, apenas os contactos certos.

Tem de abandonar a agenda ideológica dos comentadores e dos lobbys, e ouvir aqueles que durante décadas foram o seu eleitorado. Ligar menos à estrutura partidária e mais à sociedade civil. Tem de deixar cair barões e caciques, com cadastros dúbios. Tem de estar juntos das populações, não apenas nas eleições, mas todo o ano.  Tem de saber ser um partido popular, sem ser populista.

Sobretudo, tem de ter um rumo claro, uma ideia para o país, um conjunto de ideias que defende. As pessoas tem de olhar para o PSD e saber para onde quer ir e como tenciona lá chegar. Como vai reformar a justiça para que esta seja célere e igual para ricos e pobres? Como vai reforma o ensino para que as famílias possam educar em liberdade os seus filhos? Como vai reformar a saúde para todos tenham acesso a ela? Como vai reformar o Estado para que este seja eficiente? Que visão tem para a habitação, os transportes, a economia? Veja-se quão ridículo perder o tempo a discutir o TGV quando há um país inteiro que nem uma camioneta tem para ir de casa para o trabalho!

Portugal atravessa uma clara fase de descontentamento geral. Hoje há uma total falta de fé na política e as pessoas não têm qualquer esperança de que a situação vá melhorar, seja o governo PS ou PSD. Se o cenro-direito quer esvaziar o populismo só tem um caminho: tirar a cabeça da areia, romper a bolha que hoje envolve os partidos, e fazer política no verdadeiro sentido do termo: servir a coisa pública.

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