A
Península Ibérica é habitada há milhares de anos. Antes de surgir Portugal
passaram por cá iberos, celtas, gregos, fenícios, cartagineses, romanos (que
sendo um império culturalmente homogéneo eram etnicamente bastante heterogéneos),
vândalos, suevos, alanos, visigodos e por fim árabes.
Quando
Dom Afonso Henriques, uma mistura de borgonhês e leonês, se lançou na
reconquista, fê-lo na companhia de galegos, dos senhores de entre Douro e Minho,
dos cavaleiros vilões de Coimbra, dos cruzados flamencos, ingleses, normandos e
templários de toda a Europa. O reino de Portugal foi construído com moçárabes,
judeus e muçulmanos e com o grande auxílio dos monges de Cister, também eles
provenientes de vários pontos da Europa.
E
se nos séculos seguintes Portugal foi sempre porto para toda a Europa, fazendo a ligação entre o Mediterrâneo e o norte do continente, com os descobrimentos o
nosso país espalhou-se pelo mundo.
O
Império foi construído não apenas pela força das armas, mas muito também graças
à envagelização, à diplomacia e ao comércio. E assim Portugal iniciou uma relação de cinco
séculos com África, com a Índia, com o extremo Oriente e com o Brasil. Ainda
hoje podemos visitar os nossos monumentos um pouco por todo o mundo.
Mas
a relação com o resto do mundo não se resume à pedra morta, mas vive ainda hoje
na cultura de vários países. Antes de mais na língua portuguesa, falada em
cinco continentes. Mas também em tantos outros pormenores, da gastronomia ao
futebol (basta relembrar as celebrações pela conquista do Euro 16 em Timor).
Assim como Portugal se espalhou pelo mundo, também o mundo veio até Portugal.
Por isso nos podemos orgulhar de Coluna ou de Eusébio. Por isso cantamos com
Caetano e Cesária Évora. Por isso lemos com comoção Mia Couto e Vinícius.
Evidentemente
esta nossa relação com o mundo nem sempre foi pacífica. Muitas vezes errámos,
usámos violência quando não devíamos, roubámos o que não era nosso. Como
qualquer outro povo, também nós temos a nossa quota-parte de misérias.
Mas a verdade é que a nossa história é fruto de um cruzamento de povos e
culturas. Portugal partilha a sua história com Angola, Brasil, Cabo-Verde,
Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Timor, Índia e China, assim como
com tantos outros países onde a presença portuguesa se fez sentir, como a Tailândia,
o Japão ou o Sri Lanka.
Por
tudo isto é absurdo qualquer tentativa de fazer do racismo um valor do
patriotismo. Se o racismo é sempre absurdo, é-o ainda mais quando se tenta basear
na defesa da cultura portuguesa. Porque o racismo é a antítese da nossa
cultura, é o contrário daquela cultura que permitiu a um pequeno país como o nosso
ter um império mundial. Não foi só com europeus branquinhos que Portugal manteve
a sua presença no mundo. Foi também com portugueses africanos, índios, goeses, chineses e de tantos
outros povos asiáticos, unidos a Portugal pela Fé.
Dizer
a um negro em Portugal “volta para a tua terra” é absurdo. Não apenas pela
grande probabilidade de ele ser nado e criado em Portugal, mas porque mesmo que
não seja, é muito provável que pertença a um desses povos que partilham
connosco 500 anos de história. Por isso Portugal também é terra de tantos
negros que habitam os bairros sociais e que nos últimos dias têm sido alvo de
insultos torpes por causa de meia dúzia de bandidos. Eu tenho mais em comum com
um cabo-verdiano do que com um alemão!
Por
outro lado, tentar fazer passar Portugal como um país racista é absurdo. Por
tudo o que já foi dito acima, é evidente que o nosso país não é racista. Aliás,
o nosso país tornou-se grande precisamente por não o ser! Quer isto dizer que não
há racismo em Portugal? Claro que há! Cá temos tudo, do bom e do mau. Incluindo
racistas. Mas tentar reduzir problemas sociais graves, como a integração dos
habitantes de bairros sociais, a uma luta racial versão marxista é falso e
perigoso. Perigoso porque, à custa de tanto repetir a cassete do racismo, acaba
mesmo por gerar problemas raciais.
Aliás,
o racismo de Mário Machado e o anti-racismo de Mamadou Ba são duas faces da
mesma moeda. Quando um negro é apanhado num crime ambos dizem a mesma coisa “é
porque é negro”. No caso de Mário Machado diz para acusar os negros de serem
criminosos, no Caso de Mamadou Ba para explicar que os negros são oprimidos.
Mas no fundo ambos reduzem as pessoas à sua etnia.
Portugal
tem problemas graves de pobreza e, sobretudo, tem problemas graves de
integração social. Somos dos países da Europa onde é mais difícil aos pobres
ascender socialmente. Na área metropolitana de Lisboa continuam a abundar
bairros pobres, onde o crime impera, com escolas degradadas e onde os
habitantes vivem em condições desumanas. Isto nada tem de racismo, é apenas
sinal do falhanço do Estado relativamente aos mais pobres. Reduzir este
problema a polícias vs habitantes dos bairros sociais ou brancos vs negros é
passar ao lado do grande problema.
Não temos um problema racial, temos um grave
problema social. Em vez de perdermos tempo com debates imaginários, ou com
personagens pouco recomendáveis, seria melhor começar de facto a tentar
encontrar soluções para os problemas reais.
Subscrevo. O racismo de Mário Machado é de importação francesa e nada tem a ver com os portugueses. Razão, aliás, por que há muito penso que ele não encontra por cá qualquer eco.
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