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quarta-feira, 5 de abril de 2017

Democracia Cristã hoje?




1. Inicio

Os séculos XIX e XX foram séculos de grandes transformações políticas na Europa. A Revolução Francesa abriu as portas a um modo de pensar a política e a sociedade pós-cristã. A unidade entre o trono e o altar foi ruindo com o avanço do liberalismo até não restar na Europa católica um único trono. Ao mesmo tempo, com a Revolução Industrial houve um êxodo do campo para a cidade, aparecendo o novo fenómeno social do operariado.

Este fenómeno não foi constante nem homogéneo. Antes fez parte de uma tendência, a laicização do poder e da sociedade, que se foi desenrolado de diversas formas e velocidades na Europa. Contudo, para os católicos da passagem do século XIX para o século XX era evidente que se tinha tornado necessário defender politicamente aquilo em que acreditavam contra o avanço de ideologias anti-cristãs.

É neste contexto que nasce a democracia cristã, como movimento de católicos (e mais tarde na Alemanha também de protestantes) empenhados na política. A democracia cristã não nasceu como mais uma ideologia mas sim como alternativa a estas. Num tempo em que a política se dividia entre os que defendiam o "povo", os que defendiam a "nação", os que defendiam a "raça", etc., a democracia cristã defendia o Homem, em toda a sua diversidade e dignidade, no centro da política.

Baseando-se na Doutrina Social da Igreja, a democracia cristã defende o direito à vida em qualquer circunstância; a família como célula base da sociedade; o direito ao trabalho e à dignidade no trabalho; uma economia moral, com liberdade e respeito pela propriedade de cada um, mas sem esquecer o seu fim social; um Estado que defende os direitos individuais e sociais, especialmente a liberdade religiosa e de educação, mas também um Estado social que se interesse e defende os mais frágeis; uma comunidade internacional baseado na ideia da irmandade dos povos, no direito e no respeito pelas nações; um mundo em paz mas capaz de defender as vítimas de agressões injustas; uma ciência ao serviço do homem, com respeito pela sua dignidade; uma exploração da natureza como bem comum ao serviço de todos os homens.

A democracia cristã não encaixa por isso nas caixas ideológicas inventadas por politólogos, não é de direita nem de esquerda, não é nacionalistas ou internacionalistas, não é estatista ou liberal. A democracia cristã, enquanto presença cristã na política, não se deixa espartilhar numa ideologia, antes afirma-se como um ideal da política ao serviço do Homem.

2. Os Partidos

A democracia cristã deu origem a vários partidos um pouco por toda a Europa. Sem eles não é possível perceber o século XX europeu. Os democratas cristãos foram essenciais na oposição a Hitler na Alemanha e na Áustria, na reconstrução da Itália do pós-guerra e no nascimento da União Europeia. A democracia cristã deu à Europa líderes como Konrad Adenauer, De Gasperi, Helmuth Kohl, Robert Schuman, Éamon de Valera ou Lech Walesa.

Em Portugal a democracia cristã desenrolou um papel importante na construção da democracia. Se é verdade que só o CDS se afirmou desde sempre como democrata cristão, também o PSD adoptou, nos seus princípios, boa parte da doutrina democrata cristã.

Ainda hoje os partidos democratas cristãos têm uma enorme importância na Europa. A chanceler alemã Angela Merkel ou o presidente da Comissão Jean-Claude Juncker pertencem a partidos democratas cristãos. Infelizmente estes partidos, assim como os seus congéneres europeus, pouco ou nada têm do espírito que iniciou o movimento da democracia cristã.

Num tempo onde a política é cada vez mais um jogo de aparências, com pouca ou nenhuma substância, democracia cristã é aquilo que for preciso para o partido crescer e ganhar o maior número de votos possíveis. Evidentemente que se mantêm algumas das ideias originais da democracia cristã, mas apenas como bagagem ideológica a que se recorre quando necessário.

3. Democracia cristã hoje?

A democracia cristã ainda tem algo para oferecer a política dos nosso dias? Sem dúvida que sim.

Num tempo onde os partidos tradicionais parecem desligados da realidade, perdidos entre um discurso politicamente correcto e a necessidade de ganhar votos; num tempo onde a desconfiança da política leva ao reaparecimento de velhas ideologias; num tempo onde a luta política se encontra polarizada, onde já não interesse o bem comum mas o bem do partido, a democracia cristã tem um contributo para oferecer.

Mas não o fará se for simplesmente a trincheira dos "valores cristãos", uma espécie de aldeia dos irredutíveis gauleses que resiste hoje e sempre ao invasor. Se o empenho cristão na política se limitar aos temas "cristãos" acabaremos tão presos na ideologia como os outros. A democracia cristã como mera reacção a um mundo hostil não só é inútil como está condenada ao falhanço.

O que a democracia cristã tem de útil para o nosso tempo é esta visão de uma política ao serviço do Homem, que não parte da ideologia para encontrar soluções para os problemas, mas que diante de cada desafio procura o caminho que sirva a dignidade humana. Evidentemente que uma política ao serviço do Homem é uma política que defende a vida em todas as circunstâncias, que defende a família, que defende uma economia justa, que defende a justiça social e a paz. Mas tudo isto são consequências da dignidade humana e não um fim em si mesmo.

O grande desafio para a democracia cristã no nosso tempo não é a defesa dos "valores" (uma nova versão do "proletariado", do "Estado" ou da "nação") mas servir o Homem na política. Se assim for, então vale a pena ser democrata cristão hoje.

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