No passado onze cumpriram-se dez anos do referendo que liberalizou o aborto em Portugal. Dez anos desde que, à custa de um referendo não vinculativo onde mais de metade da população não votou, a vida intra-uterina deixou de ter qualquer protecção legal até às dez semanas de gestação.
Nos
dez anos do referendo foram feitas várias reportagens. Fomos inundados por uma
quantidade de número e de estudos. Várias pessoas se congratularam porque o
número disto e daquilo é "melhor" do que o esperado.
Eu
peço desculpa se ferir alguma sensibilidade, mas 170 000 crianças mortas
antes de nascer é um facto que não pode deixar de horrorizar. Se são menos ou
mais do que o esperado, se o número de abortos aumenta ou diminui, parecem-me
factos menores diante desta multidão de crianças que nunca chegaram a nascer.
A
indiferença perante o bebé dentro da barriga da mãe é talvez uma das piores
consequências da liberalização do aborto. O facto é que passados dez anos o
aborto se tornou algo banal. E tornou-se banal precisamente porque se perdeu a
consciência de que dentro do ventre materno está uma vida humana.
A
campanha contínua daqueles que defendiam a liberalização do aborto para afirmar
que a vida que cresce dentro da mulher é apenas uma "coisa" deu
frutos. Mesmo perante a evidência científica de que se tratava de uma vida, os
defensores do aborto arranjaram sempre maneira de menorizar a questão: é só
umas células, não é pessoa, não sente dor, não tem sistema nervoso central.
É
evidente que a relativização da vida humana é fruto de uma campanha maior e
mais abrangente que a do aborto. O relativismo ameaça dominar todo o pensamento
da nossa sociedade. Contudo, a campanha do aborto (que começou logo em 97 e se
prolonga até aos nossos dias) desempenhou e desempenha um papel fundamental
neste mudança de mentalidade.
Por
isso damos por nós num tempo onde se afirma que a vida humana tem o valor, tem
a dignidade, que a sociedade entender. Já não é um bem objectivo, inviolável,
mas sim um direito relativo, que depende da maioria que se senta em São Bento.
Um direito cuja a violação tem como limite apenas a indignação popular nos
media e na internet.
E é
por isso que passados dez anos estamos agora a debater a eutanásia. Porque a
porta aberta pelo aborto livre permitiu que se fosse avançando nesta
relativização do valor da Vida. De tal modo que é possível afirmar que uma
pessoa doente já não tem dignidade. Que a dignidade de cada pessoa depende do
que ela própria acha. Que a vida só é válida quando se tem autonomia!
A
consciência da inviolabilidade da vida humana perdeu-se neste últimos dez anos.
170 000 crianças mortas antes de nascer tornaram-se apenas numa estatística. A
possibilidade de matar um doente tornou-se num acto de dignificação da Vida
Humana.
É por
isso urgente voltar a afirmar o carácter objectivo do valor da Vida. Porque a
curto termo podemos até ganhar debates sobre a eutanásia, adiar votações, fazer
pequenas alterações legislativas que diminuam o número de abortos. Mas estamos
condenados a perder esta guerra enquanto não conseguirmos criar em cada pessoa
a consciência de que cada Vida Humana é digna, independentemente de qualquer
circunstância ou condição.
O
problema do aborto, assim como o problema da eutanásia, antes de ser um
problema político, ou um problema social, é um problema da consciência de cada
pessoa sobre o Valor da Vida. Dizia o Servo de Deus Luigi Giussani, que partiu
para o céu faz hoje 12 anos, que as forças que mudam a história são as forças
que mudam o coração do homem. É preciso por isso que demos testemunho corajoso
e público do valor do Homem, para fazer renascer no coração de cada um esta
certeza de que cada Vida Humana é um bem.
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