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quarta-feira, 22 de abril de 2020

O Patriarca de Lisboa e a celebração do 25 de Abril

1. A decisão de fazer uma sessão comemorativa do 25 de Abril na Assembleia da República é um disparate digno do autismo da nossa esquerda. Se em tempos de guerra, em que o povo é mandado para a frente de batalha, e os que não vão têm que trabalhar para manter a guerra, em tempos de pandemia o que é pedido ao povo é que fique em casa e saia só na estrita medida do necessário. Por isso se em tempo de guerra os deputados devem dar o exemplo indo ao parlamento, mesmo que correndo perigo, em tempo de pandemia o exemplo que há a dar é só ir ao parlamento na medida estritamente necessária. Uma democracia madura não precisa de festa na Assembleia da República para festejar a liberdade, deve usar essa liberdade que festeja para dar o exemplo ao povo, ficando em casa até num dia essencial do regime.

Insistir em festejar o 25 de Abril na Assembleia da República não é um sinal de força, mas da fragilidade do regime. Do regime que se vai pavonear, entre pares, enquanto o povo faz sacrifícios pelo bem comum. Das figuras do regime que se celebra a si mesmo, enquanto médicos, enfermeiros, cuidadores, funcionários dos lares não festejam com a família para cuidar de quem precisa. Dos donos de Abril, a quem pouco lhes importa os polícias que lhes guardam os portões, os motoristas que os conduzem, e as empregadas que lhes limpam o chão, para eles poderem ter a sua festa.

Por isso esteve bem o presidente do CDS em denunciar esta decisão da Assembleia da República e por ter recusado participar na celebração. Será a primeira vez que tal acontecerá.

Contudo, é preciso distinguir os titulares de um órgão de soberania, do órgão em si. Ou seja, se podemos considerar que Ferro Rodrigues é um tiranete boçal, indigno do cargo que ocupa, se podemos considerar que os deputados que decidiram manter o festejo são tontos com a cabeça cheia de palavras de ordem, há um respeito que é devido à Assembleia da República que é independente dos seus titulares. Os deputados podem merecer o meu desprezo, a Assembleia da República, enquanto órgão de soberania, enquanto órgão que representa o povo português merece respeito. Mesmo quando erra, mesmo quando os deputados tomam decisões indignas. Por isso aliás, esteve bem o CDS ao anunciar que estaria presente um deputado na sessão comemorativa do 25 de Abril.

É preciso distinguir aquilo que é política daquilo que é respeito institucional. Se politicamente é condenável a celebração do 25 de Abril, institucionalmente é uma decisão da Assembleia da República.

2) Foi hoje noticiado que o Patriarca de Lisboa iria estar presente na sessão comemorativa do 25 de Abril na Assembleia da República. Logo começou o habitual coro de indignados, sobretudo católicos, contra o Patriarca. Todos apresentaram muitas boas razões para o Senhor Patriarca não participar em tal sessão. O problema é que todas essas razões, por muito boas que sejam, são razões políticas. E a Igreja, que o Senhor Patriarca representa, não faz política.

Eu bem sei que há muito boas razões para estar contra esta sessão (como aliás enunciei em cima) e mais razões ainda para um católico estar contra este governo e contra a actual maioria parlamentar (que há dois meses aprovou a morte a pedido). Mas tudo isso é um cálculo político, que não é o cálculo da Igreja.

A Igreja existe para salvar as almas. Os bispos não existem para afirmar uma agenda política, mas para anunciar Cristo. Evidentemente que a Igreja está no mundo, e por isso os Bispos devem-se pronunciar sobre política: quando estão em causa questões que violam a dignidade humana, a moral, ou a liberdade dos cristãos. E têm-no feito, sem medo, tantas vezes. Na questão dos colégios com contrato de associação, na Ideologia de Género, na Eutanásia. Mas não devem fazer política. Os bispos educam, cabe aos leigos fazer política.

A relação da Igreja com o Estado não deve ser política, mas institucional. O Patriarca de Lisboa sempre foi convidado para as celebrações do 25 de Abril e quase sempre marcou presença. Não participar este ano porque discorda do modelo das celebrações é uma posição política que a Igreja não deve tomar. Isso significaria tomar pé numa discussão política (justa sem dúvida) mas que não diz respeito à Igreja. Ao Patriarca de Lisboa cabe manter uma relação institucional com a Assembleia da República.

Não é o cidadão Manuel Clemente que é convidado, mas Dom Manuel III, Patriarca de Lisboa e presidente da Conferência Episcopal Portuguesa. E se o cidadão Manuel Clemente pode achar que Ferro Rodrigues é isto e os deputados aquilo, ao Patriarca de Lisboa só cabe respeitar a Assembleia da República enquanto órgão de soberania.

Os católicos portugueses têm um defeito: são muitíssimo clericais. Querem sempre que os bispos travem as suas batalhas. Em qualquer questão política que consideram ser de “consciência” a solução é quase sempre a mesma: a Igreja devia fazer qualquer coisa. Ou seja, nós ficamos quietos a resmungar, mas queremos que os bispos façam o que nós queremos. Meus amigos, deixem-me dizer: é ao contrário! Não é ao povo que cabe educar os bispos, mas aos bispos que cabe ensinar o povo. A nós é que nos cabe depois fazer política.

Eu ao meu bispo, ao Patriarca de Lisboa, só peço que me eduque na doutrina (que faz), que me confirme na fé (que confirma), que seja testemunha de Cristo (que é), que me edifique com a sua piedade (que edifica), que presida à Igreja de Lisboa na caridade (que preside) e que me deixe fazer política (que deixa). Por tudo isto lhe devo a minha gratidão filial.

7 comentários:

  1. Com desculpas de discordar, com amizade, este texto chama-se compor um ramalhete branqueador por cima de uma situação cuja adjectivação me coíbo de expor publicamente, por razões de decoro relativamente à Santa Igreja. Abraço

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  2. E o bispo de Lisboa não podia alegar questões de segurança sanitária para não estar presente? Não há condições de segurança para haver missa mas há para ir até às AR? Por favor.

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  3. Se não concorda, não vai. Ir para lá espalhar o cheiro a enxofre é mau para a saude publica. Tão triste que está com as cerimonias, o patriarca...tadinho!...em tempos recordo que a igreja dizia que a esquerda, os comunas,matavam os velhinhos e comiam as criancinhas...nota se agora quem quer eliminar os mais idosos e quem "come" as criancinhas...

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  4. Obrigada por este artigo! Ajudou-me a colocar-me perante esta situação.
    Fundamentalmente porque também me revejo no último parágrafo que escreveu.
    E sinto que não devo ao Cardeal Patriarca apenas a minha gratidão filial mas também a minha fidelidade esclarecida. Posso não gostar, mas confio.

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    1. Tenho estado calada a ler os protestos que correm nas redes sociais sem saber exatamente o que pensar mas, com algum desconforto, pois evito julgar precipitadamente accoes/decisoes das quais nao tenho a informacao toda. Concordo consigo. Este artigo ajudou-me no bom sentido. Nao gosto da prontidao com que as pessoas julgam os outros e normalmente sem estarem inteiradas de tudo, nem darem o beneficio da duvida!

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  5. O Presidente da CEP vai porque é politicamente correcto ir.
    Pois faz muito mal.
    A função dele não tem que ver com o politicamente correcto, mas com ser Igreja.
    É lamentável.
    É lamentável que se prescinda de celebrações litúrgicas, por segurança, e se participe na AR por ser o mais correcto politicamente falando.

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    1. Não é pro ser o politicamente correcto, é preciso para não ser político mas institucional.

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