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quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Trazer a democracia cristã para o século XXI - Jornal Económico, 13/12/19

O desastre do CDS nas eleições legislativas fez o partido entrar em convulsão. Mas depois de 6 de Outubro descobriu-se que afinal todos os militantes do CDS, dirigente incluído, afinal discordavam do caminho que o partido estava a seguir!

Ironias à parte, a verdade é que se têm multiplicado o número de personalidades que bradam por um CDS verdadeiramente democrata-cristão, que na sua boca significa mais de direita e mais conservador. Supostamente seria esse o segredo para conquistar os eleitores.

Tenho vários problemas com estas exigências. O primeiro dos quais é que são tão vazias como o famoso pragmatismo de Adolfo Mesquita Nunes que resultou no resultado que se conhece.
Vazias porque se baseiam na mesma ideia: aquilo que realmente importa é dizer o que o eleitorado quer ouvir. A anterior direcção afirmava que as pessoas queriam era ouvir falar dos problemas concretos. Os que agora a criticam acham que as pessoas querem é ouvir falar da lista de temas que, regra geral, alimenta as redes sociais.

Esta estratégia, de adaptar o discurso à contingência que supostamente garante o melhor resultado eleitoral, é a estratégia que destruiu o CDS. No fundo, é a estratégia de Paulo Portas, mas sem ele. Funcionou com Portas porque ele era um político de excelência. Mas o ‘portismo’ sem Portas não funciona, porque na ausência de um líder de excepção, não há uma ideia ou causa que levem as pessoas a apoiar ou a votar no CDS.

O segundo problema é que embora usem muito a expressão democracia cristã acabam a defender outra coisa: um partido conservador e verdadeiramente de direita, o quer que isso seja. A democracia cristã é uma doutrina política com princípios claros: dignidade humana, solidariedade social, subsidiariedade.

Claro que os conservadores de direita se revêem em muitos destes princípios. Mas não são confundíveis e, em alguns casos, nem sequer compatíveis. A democracia cristã não é conservadora, porque o seu ponto não é conservar uma tradição ou sistema, mas defender a dignidade objectiva de cada Homem. E está acima da divisão anacrónica de esquerda e direita, porque não está presa a definições ideológicas, mas procura soluções concretas que permitam organizar a sociedade para o seu fim último, o bem comum, independentemente das soluções preconizadas caberem nas definições de direita ou esquerda.

É preocupante que diante da actual crise a discussão no CDS seja sobre qual a máscara que convém usar para o partido recuperar nas sondagens. O que realmente importa discutir é se o CDS tem hoje algo a propor ao país.

Numa direita sobrepovoada que espaço sobra para o CDS? O espaço para o qual foi criado: a democracia cristã. Há 44 anos atrás, diante do avanço do socialismo, os fundadores do partido tiveram a coragem de propor outro sistema. Um sistema baseado na dignidade humana, com respeito pelas liberdades individuais. Uma sociedade baseada na família e na solidariedade entre os indivíduos. Um Estado construído de baixo para cima, descentralizado, com espaço para os corpos intermédios da sociedade. Um país com uma economia de mercado, mas com mecanismos de regulação que proteja os mais frágeis. O CDS não se limitou a opor-se ao socialismo, propôs uma verdadeira alternativa a este.

Acompanho por isso Filipe Lobo d’Ávila quando afirma que é preciso refundar o CDS. Mais do que conversas vazias sobre direita e conservadorismo, é preciso coragem para retomar o ímpeto inicial do CDS e trazê-lo para o século XXI. Para menos do que isto é tempo perdido.

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