1. Sempre que surge alguma notícia relacionada com o Papa ou com a Igreja a nível mundial, começa a confusão entre o Vaticano e a Santa Sé. Uma confusão compreensível, mas, mesmo assim, evitável.
A Cidade do Vaticano foi criada pelos Acordos de Latrão, no século XX. Após a unificação de Itália, no século XIX, e o fim dos Estados Pontifícios, o Papa declarou-se prisioneiro no Vaticano, já que recusava a soberania o rei de Itália. O impasse foi resolvido com os Acordos de Latrão, que criaram um território independente, garantindo que o Santo Padre era independente de qualquer poder temporal. A Cidade do Vaticano é um Estado soberano sobre o qual a Santa Sé exerce autoridade plena. Mas não é com o Vaticano que os Estados mantêm relações diplomáticas, exceto em algumas pequenas questões burocráticas, como os correios ou os transportes.
2. A autoridade espiritual e governamental da Igreja é representada pela Santa Sé, que é Pessoa de Direito Internacional Público. O Papa não é chefe de Estado por ser o governante de um pequeno território no meio de Roma, mas por ser líder da Igreja. E, do ponto de vista das relações internacionais, essa relação é feita pela Santa Sé. Os núncios apostólicos não representam um micro-Estado, representam o Papa como seus embaixadores. É a Santa Sé que está representada na ONU e em várias outras organizações internacionais.
3. Enquanto o Vaticano não tem cem anos de existência, a Santa Sé tem vários séculos. Atualmente, a Santa Sé mantém relações diplomáticas com mais países do que qualquer Estado, e a sua diplomacia é famosa pela sua competência. Só no último século são vários os conflitos evitados ou terminados pela diplomacia da Santa Sé (pensemos, por exemplo, na guerra civil em Moçambique ou na importância da Igreja no processo de independência de Timor).
4. Durante séculos, na Europa, a Santa Sé era considerada o poder internacional mais importante. Era ao Papa e à Igreja que reis e governantes recorriam para resolver conflitos.
Foi por uma bula papal que Portugal se tornou oficialmente independente, e as relações diplomáticas entre o nosso país e a Santa Sé vêm desde a fundação até ao nosso tempo, com uns curtos interregnos pelo caminho. Antes de ter relações diplomáticas com Castela, antes da aliança com Inglaterra, Portugal já tinha relações diplomáticas com a Santa Sé. Razão pela qual o Núncio Apostólico em Portugal é o decano do corpo diplomático.
5. Em Portugal, quando morre um Chefe de Estado de um país com quem mantemos relações diplomáticas, a tradição é declarar três dias de luto. Ainda há pouco tempo foi assim com a Rainha Isabel II. O luto declarado pelo Governo pela morte do Papa Francisco não se trata, por isso, de um reconhecimento especial à Igreja, mas apenas da aplicação desse princípio. O Papa é o Chefe de Estado da Santa Sé, nós temos relações diplomáticas há quase novecentos anos com a Santa Sé, logo, fazemos luto quando morre o Papa. Seria igual para o rei de Espanha ou para o presidente de França.
Ao ver a indignação de tanto anticlerical com este luto, não consigo deixar de pensar como a ignorância é, de facto, muito atrevida. Não há qualquer problema em uma pessoa não ter qualquer conhecimento de Direito Internacional Público ou de Diplomacia. Mas é bastante vexatório ver pessoas a exibir com orgulho a sua ignorância, enchendo a boca com palavras redondas como “laicidade”, achando-se sábias no seu desconhecimento.
6. Dada a explicação formal, não posso, porém, deixar de acrescentar um ponto. A igualdade é tratar de forma igual o que é igual, e de forma desigual o que é desigual, na medida da sua desigualdade.
A Igreja é parte essencial da nossa história. Qualquer pessoa que percorra as nossas terras, visite igrejas, capelas, basílicas, santuários, mosteiros, conventos, consegue perceber o seu papel ímpar. E, ainda hoje, na vida cultural e educativa, a Igreja continua a ter um papel essencial. Sobretudo, a Igreja continua hoje a ser o porto seguro dos mais pobres, dos abandonados, dos desvalidos. A obra social da Igreja é o que separa milhares de pessoas em Portugal da miséria e da morte.
Reconhecer este facto não é um ataque à laicidade do Estado; pelo contrário, é não impor o ateísmo de alguns a todo um povo.1. Sempre que surge alguma notícia relacionada com o Papa ou com a Igreja a nível mundial, começa a confusão entre o Vaticano e a Santa Sé. Uma confusão compreensível, mas, mesmo assim, evitável.
A Cidade do Vaticano foi criada pelos Acordos de Latrão, no século XX. Após a unificação de Itália, no século XIX, e o fim dos Estados Pontifícios, o Papa declarou-se prisioneiro no Vaticano, já que recusava a soberania o rei de Itália. O impasse foi resolvido com os Acordos de Latrão, que criaram um território independente, garantindo que o Santo Padre era independente de qualquer poder temporal. A Cidade do Vaticano é um Estado soberano sobre o qual a Santa Sé exerce autoridade plena. Mas não é com o Vaticano que os Estados mantêm relações diplomáticas, exceto em algumas pequenas questões burocráticas, como os correios ou os transportes.
2. A autoridade espiritual e governamental da Igreja é representada pela Santa Sé, que é Pessoa de Direito Internacional Público. O Papa não é chefe de Estado por ser o governante de um pequeno território no meio de Roma, mas por ser líder da Igreja. E, do ponto de vista das relações internacionais, essa relação é feita pela Santa Sé. Os núncios apostólicos não representam um micro-Estado, representam o Papa como seus embaixadores. É a Santa Sé que está representada na ONU e em várias outras organizações internacionais.
3. Enquanto o Vaticano não tem cem anos de existência, a Santa Sé tem vários séculos. Atualmente, a Santa Sé mantém relações diplomáticas com mais países do que qualquer Estado, e a sua diplomacia é famosa pela sua competência. Só no último século são vários os conflitos evitados ou terminados pela diplomacia da Santa Sé (pensemos, por exemplo, na guerra civil em Moçambique ou na importância da Igreja no processo de independência de Timor).
4. Durante séculos, na Europa, a Santa Sé era considerada o poder internacional mais importante. Era ao Papa e à Igreja que reis e governantes recorriam para resolver conflitos.
Foi por uma bula papal que Portugal se tornou oficialmente independente, e as relações diplomáticas entre o nosso país e a Santa Sé vêm desde a fundação até ao nosso tempo, com uns curtos interregnos pelo caminho. Antes de ter relações diplomáticas com Castela, antes da aliança com Inglaterra, Portugal já tinha relações diplomáticas com a Santa Sé. Razão pela qual o Núncio Apostólico em Portugal é o decano do corpo diplomático.
5. Em Portugal, quando morre um Chefe de Estado de um país com quem mantemos relações diplomáticas, a tradição é declarar três dias de luto. Ainda há pouco tempo foi assim com a Rainha Isabel II. O luto declarado pelo Governo pela morte do Papa Francisco não se trata, por isso, de um reconhecimento especial à Igreja, mas apenas da aplicação desse princípio. O Papa é o Chefe de Estado da Santa Sé, nós temos relações diplomáticas há quase novecentos anos com a Santa Sé, logo, fazemos luto quando morre o Papa. Seria igual para o rei de Espanha ou para o presidente de França.
Ao ver a indignação de tanto anticlerical com este luto, não consigo deixar de pensar como a ignorância é, de facto, muito atrevida. Não há qualquer problema em uma pessoa não ter qualquer conhecimento de Direito Internacional Público ou de Diplomacia. Mas é bastante vexatório ver pessoas a exibir com orgulho a sua ignorância, enchendo a boca com palavras redondas como “laicidade”, achando-se sábias no seu desconhecimento.
6. Dada a explicação formal, não posso, porém, deixar de acrescentar um ponto. A igualdade é tratar de forma igual o que é igual, e de forma desigual o que é desigual, na medida da sua desigualdade.
A Igreja é parte essencial da nossa história. Qualquer pessoa que percorra as nossas terras, visite igrejas, capelas, basílicas, santuários, mosteiros, conventos, consegue perceber o seu papel ímpar. E, ainda hoje, na vida cultural e educativa, a Igreja continua a ter um papel essencial. Sobretudo, a Igreja continua hoje a ser o porto seguro dos mais pobres, dos abandonados, dos desvalidos. A obra social da Igreja é o que separa milhares de pessoas em Portugal da miséria e da morte.
Reconhecer este facto não é um ataque à laicidade do Estado; pelo contrário, é não impor o ateísmo de alguns a todo um povo.