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sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

O Presidente e a morte da lei da Eutanásia.



Li com atenção o requerimento de Marcelo Rebelo de Sousa a pedir ao Tribunal Constitucional que aprecie a conformidade do projecto de lei da eutanásia com a Constituição. Parece-me que o Presidente da República colocou a questão de forma muito inteligente.

O requerimento centra-se no facto de o projecto de lei recorrer a critérios absolutamente indefinidos para regular o acesso à morte a pedido. Isso ao contrário do que é afirmado na exposição de motivos do dito projecto que afirma: “para que a intervenção, a pedido, de profissionais de saúde seja despenalizada sem risco de inconstitucionalidade por violação do princípio da dignidade da pessoa humana, a lei tem de ser rigorosa, ainda que recorrendo inevitavelmente a conceitos indeterminados, desde que determináveis”.

O que o Presidente da República vem dizer que nada disto acontece. Os conceitos não só não são indeterminados, como a sua aplicação fica completamente ao critério dos executores da lei.

Com esta nota Marcelo Rebelo de Sousa destrói o projecto do Parlamento, afirmando, ao contrário do que vem sendo dito, que esta lei não oferece qualquer salvaguarda. Ou seja, o PR aponta ao coração da argumentação pró-eutanásia e destrói-a completamente.

Tenho ouvido algumas criticas dirigidas a este requerimento, por não obrigar o Tribunal Constitucional a pronunciar-se sobre a questão de fundo. Não acompanho essas criticas. O Presidente sabe bem que o Tribunal está bastante dividido nesta questão. Sabe também, que desde o acórdão da Lei do Aborto já há jurisprudência que afirma que em certas circunstâncias o artª 24 pode ser ultrapassado. Pelo que é muito provável que o TC acabasse por considerar que a eutanásia, enquanto contexto abstracto, não é contrária à Constituição. Até podia acontecer que o TC considerasse esta lei inconstitucional, mas afirmasse que a eutanásia em si não fere a Constituição.

O PR escolheu assim um caminho mais prudente Deu razões técnicas, mais facilmente aceitáveis pelo Tribunal, mas sem retirar a hipótese de o Tribunal, se assim entender, se pronunciar sobre a questão de fundo (basta ver que o requerimento refere que o direito à vida está em causa).

Claro que há sempre o risco de o Tribunal considerar o projecto de lei inconstitucional nos termos propostos pelo Presidente, mas a Assembleia da República expurgar essas inconstitucionalidades. Parece-me dificil, uma vez que não é possível fazer uma lei da morte a pedido sem critérios indeterminados, como aliás já veio dizer Isabel Moreira.

Permito-me duas notas finais: vejo muita gente que preferia proclamações morais do Presidente sobre a defesa da Vida. Eu prefiro que a lei seja chumbada e por isso prefiro que o PR use os melhores meios para tal. As proclamações podem servir para nos dar uma sensação de pureza, mas isso serve de muito pouco se a lei permitir ao Estado matar. Prefiro assim este Presidente, que prefere o pragmatismo que pode ferir esta lei de morte, à pureza ideológica que lhe garantisse o aplauso dos puros.

A segunda nota, é para fazer notar que Marcelo Rebelo de Sousa fez o que nenhum outro candidato presidencial disse que faria. Todos os outros afirmaram que respeitariam o parlamento e promulgariam a lei. O Presidente da República enviou a lei para o Tribunal Constitucional, aproveitando ainda para desfazer a argumentação com que a Assembleia da República aprovou a lei. Estou assim ainda mais certo do meu voto.

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