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quinta-feira, 20 de junho de 2019

Miguel Duarte e os migrantes: um crime (infelizmente) necessário.



1- A guerra do Afeganistão, a guerra do Iraque, a Primavera Árabe, a guerra na Síria, a guerra da Líbia e o desaparecimento total de qualquer espécie de governo, a guerra do Iémen, a ascensão do Estado Islâmico que por sua vez levou ao recrudescimento do extremismo islâmico, mergulhou boa parte do norte de África e do Próximo Oriente no caos.

Essa caos levou à deslocação de centenas de milhares de pessoas. Algumas são refugiados de guerra, outra migrantes que fogem de uma vida miserável. O sonho da grande maioria dessas pessoas é chegar à Europa.

2 - Sempre houve migrantes a tentar atravessa o Mediterrâneo para entrar ilegalmente na Europa. Sempre houve redes de tráfico que exploraram essas pessoas. Contudo o drama actual fez aumentar muitíssimo a procura da Europa, o que, evidentemente, fez crescer muitíssimo as redes de tráfico.

Falamos de gente que explora miseravelmente pessoas que não têm nada, que os enfia em barcos miseráveis e os atira ao mar, pouco lhes importando se sobrevivem ou não. O único interesse destes redes é mesmo o dinheiro.

3 - O aumento de migrantes no Mediterrâneo tem levado a uma catástrofe humanitária. Nas costas da Europa têm morrido milhares de pessoas afogadas pelo crime de procurarem uma vida melhor.

E a resposta europeia tem sido fraca e insuficiente. A questão dos migrantes tem sido usada como arma de arremesso político.

De um lado temos os que defendem que a União Europeia deve estar aberta a todos, que se mostram indiferentes ao justo receio de alguns países pelo número de migrantes, que se mostram indiferentes ao facto de a integração destes migrantes estar a falhar, sobretudo que se mostram indiferentes ao facto de ser Itália quem de facto enfrenta a maior parte do problema. 

Por outro lado temos aqueles que demonizam os migrantes e que exploram o medo das populações do terrorismo e do extremismo islâmico. Para estes a Europa corre o risco de ver a sua cultura destruída por uma invasão vinda de África e do Próximo Oriente.

Esta divisão da questão dos migrante em duas trincheiras tem tornado impossível resolver o problema. A discussão, com acusações de parte a parte, é estéril. Ambas as partes invocam razões justas, mas são incapazes de qualquer abertura.

4 - Este problema é complexo. Por um lado existem refugiados que têm um estatuto jurídico próprio. Mas a grande maioria dos que entram na Europa pelo Mediterrâneo, mesmo vindo de países desfeitos, não são refugiados, mas sim migrantes económicos.

Se é de justiça que a Europa acolha refugiados de guerra, também é justo que não aceite migrantes económicos para lá do que é a sua capacidade. Não pode contudo simplesmente deixar morrer pessoas na sua costa só porque são imigrantes ilegais. A Europa está construída precisamente sobre a Dignidade Humana. Esse principio impede que sejamos indiferentes aqueles que morrem "ilegalmente" no "nosso" mar.

Por outro lado, não basta resgatar os que atravessam o Mediterrâneo (embora isto seja urgente) também é preciso acabar com as redes de tráfico que exploram aquela pobre gente. É preciso criar condições nos seus países para que possam regressar. É preciso combater este problema em toda a sua complexidade e não continuar apenas nas grandes declarações de princípios, sem qualquer efeito prático.

5 - A tragédia do Mediterrâneo fez aparecer uma conjunto de ONG's que tentam salvar as pessoas que fazem a travessia. Algumas delas têm barcos que patrulham o mar à procura de embarcações para acolher os migrantes e transporta-los para Itália.

O objectivo é nobre e, para além disso, necessário. Claro que a acção destas organizações, embora resolva uma urgência, acaba por agravar o problema geral. A sua existência é um incentivo não apenas aos migrantes, mas às próprias redes de tráfico.

A juntar a isto, nem todas as ONG's são iguais. Algumas tem uma agenda política, algumas provavelmente pouco mais são do que fachadas para negócios escuros com os traficantes.

Isto não retira o mérito de tantos voluntários que vão para o Mediterrâneo com o único propósito de ajudar gente desesperada. E se é verdade que ao salvar os migrantes de morrerem afogadas, ao tornar mais segura a travessia, incentivam a mesma, também não é menos verdade que a alternativa é simplesmente continuar a deixar morrer pessoas no mar até as redes de tráfico ficarem sem clientes (o que não parece que resulte).
  
O problema dos migrantes envolve muita política, muito dinheiro e muitos interesses. Mas sobretudo, envolve muitas vítimas que não podem ser deixadas ao abandono apenas porque são "ilegais".

6 - Não conheço Miguel Duarte de lado nenhum. Nem conheço ninguém que seja realmente amigo da mãe dele. Sei que não é verdade que ele esteja a ser acusado por ter salvo pessoas no Mediterrâneo. Está a ser acusado por as ter levado para Itália. E isso é de facto um crime. Um crime necessário uma vez que a alternativa é provavelmente deixar morrer muitas daquelas pessoas afogadas.

Vi em diversas partes escrito que ele os deveria levar de volta para a Líbia, porque aparentemente muitos dos salvamentos são feitos próximos do lado de lá do Mediterrâneo. Isso é pouco melhor do que os deixar morrer afogados. Levá-los de volta para a Líbia é levá-lo para um país sem lei, sem governo, dominado por senhores da guerra. É entrega-los de novos às redes de tráfico humano. É de facto matá-los mais lentamente. A alternativa é leva-los para Itália é deixa-los à morte, no mar ou em terra.

Miguel Duarte não é vítima do Estado Italiano, é vítima de uma Europa que deixou o problema dos migrantes transformar-se num jogo político e de interesses, que ninguém está realmente empenhado em resolver. O jovem português entrou num jogo que está muito acima dele.

Se é justo que Itália se tente defender da imigração ilegal, não é menos justo que o Estado Português e a sociedade portuguesa se empenhem em defender um jovem que se arriscou para salvar pessoas da morte. As acções de Miguel são um crime, mas são justas e necessárias. Necessárias pela inépcia da Europa em resolver esta tragédia.

7 - Tenho visto muitas vezes repetido nas redes sociais que Miguel aos salvar pessoas no Mediterrâneo estaria a compactuar e a incentivar redes de tráfico humano.

E é verdade. É verdade que essas redes de gente sem escrúpulos se aproveita desta fraqueza da Europa, herança do cristianismo, que é a misericórdia. Esta fraqueza de amar o próximo, mesmo que isso nos prejudique. A fraqueza de amar aqueles que nos odeiam.

Percebo que para alguns seja mais lógico que para combater as redes de tráfico, para combater o fluxo migratório, se deixe morrer pessoas afogadas. Assim como assim foram elas que decidiram correr esse risco e nós estamos apenas a defender a nossa terra. Aliás, esta teoria não é nova, já há dois mil anos Caifás dizia que mais valia morrer um só homem pelo povo.

Não percebo é que alguém o faça com a desculpa de defender o cristianismo, ou os valores cristãos. Deixar morrer pessoas afogadas pode ser até uma boa decisão política, mas é completamente contrária às palavras de Cristo. Jesus não nos mandou amar os bons, os justos, os que nos amam, mandou amar o próximo, mandou amar os inimigos, mandou amar os que nos odeiam. Pode-se justificar deixar morrer alguns no mar por questões políticas, mas poupem-me à conversa de que estão a defender o cristianismo. O cristianismo não se defender desobedecendo a Cristo.

8 - O problema dos migrantes é um problema complexo. A Europa não pode de facto estar de portas totalmente abertas à imigração. Tem mesmo que que ter uma política clara de combate à imigração ilegal, tem que combater o tráfico humano, tem que trabalhar com os países de origem destes migrantes para evitar que ele saiam de lá. Tudo isto é verdade.


Mas enquanto o faz e não o faz, enquanto o problemas se resolve e não se resolve, não pode continuar a deixar morrer pessoas no Mediterrâneo. A mim não me choca nada que um imigrante seja repatriado, desde que seja tirado do mar, agasalhado e alimentado.

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