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quinta-feira, 3 de julho de 2025

You’ll Never Walk Alone



Foi muito impressionante assistir, ao longo do dia, às reações à morte de Diogo Jota e de André Silva. Embora todos os dias morram milhares de pessoas, muitas em circunstâncias dramáticas, é evidente que a morte de um jovem que, de alguma forma, fazia parte da nossa vida nos toca.

Sobretudo quando pensamos nas circunstâncias em que aconteceu. No ano em que foi campeão pelo Liverpool, pouco tempo depois de ganhar a Liga das Nações, uma semana após casar com a namorada de toda a vida, com quem tinha três filhos pequenos. A verdade é que Diogo estava no auge da sua vida — um sucesso conquistado com o seu trabalho.

Ainda por cima, há jogadores de futebol com quem embirramos, porque são mimados ou arrogantes. Diogo Jota era o contrário, como os milhares de testemunhos públicos têm deixado claro: humilde, trabalhador, totalmente dedicado à família. E, para piorar, morre num acidente — não a fazer uma imprudência qualquer, mas a regressar a Inglaterra porque não podia andar de avião.

Tudo isto parece absurdo, tudo isto parece absolutamente injusto. Os pais que perderam os filhos, a mulher, viúva ao fim de uma semana, os filhos órfãos. E nenhum sentimentalismo, nenhuma frase bonita, nenhum “you’ll never walk alone” pode dar resposta a este drama. Penso que também por isso se gerou um sentimento tão comum de dor entre nós: porque fomos, de forma crua e dura, colocados diante da fragilidade da vida. Diante de um jovem bom, com sucesso, no auge da sua vida profissional e pessoal, que, de repente, morre num estúpido acidente de carro. Um acontecimento assim não pode deixar de nos interpelar: de que vale a vida?

E, diante disto, penso que só há duas respostas verdadeiramente humanas. Uma é o desespero: aceitar que a vida é injusta, que nada vale a pena, que tudo se finda num único momento trágico. A outra, que a mim parece mais humana, é o pedido, o desejo, a exigência de mais; a intuição de que a vida é mais do que isto. Diante da morte, ou o desespero, ou o grito da fé. O grito, nascido da dor, de que Deus se revele, se nos mostre, se faça próximo.

Cristo é o único que pode dar sentido a um acontecimento destes. Só Aquele que venceu a morte, só Aquele que traz em Si a promessa da Eternidade, pode dar sentido à nossa existência humana. Porque Ele é o Penhor da Eternidade.

Essa promessa, de uma morada preparada para nós, não retira a dor nem o drama. Mas introduz uma nova perspetiva, um horizonte de esperança. A morte não tem a última palavra.

Por isso, rezo pela alma destes dois jovens, que não conheci, mas que, de alguma forma, entraram nas nossas vidas. Rezo para que o Senhor os acolha. E rezo pela sua família, dramaticamente atingida, para que, na sua dor, encontrem a doçura de Jesus — o único que nos permite, nunca caminhar sozinhos.

 



segunda-feira, 16 de junho de 2025

A Lei da Separação, as mesquitas e a liberdade religiosa


 

Há 114 anos, Afonso Costa declarava que iria acabar com a Igreja Católica em Portugal em duas gerações (para tranquilizar os mais pessimistas, os meus filhos são a quinta geração de católicos de ambos os lados desde a publicação da Lei, pelo que Costa parece ter falhado). O instrumento para a supressão da Igreja em Portugal era a famosa Lei da Separação, que nada separava, mas antes subjugava a Igreja em Portugal ao poder do Estado.

A Lei da Separação declarou como bens nacionais todas as igrejas, regulou o culto, as fontes de rendimento do clero, o toque dos sinos, o horário da catequese. Sobretudo, proibiu as demonstrações públicas da religião e a construção de novas igrejas.

Mas, como diria o Engenheiro Guterres, esta situação não nasceu do vácuo. Se o Liberalismo declarara o Catolicismo a religião do Reino, também tratara de submeter totalmente a Igreja ao poder do Estado, tornando-a em pouco mais do que uma repartição estatal, com escassa ligação a Roma.

Quando chegou a República, a situação da Igreja era periclitante. Um clero impreparado, pouco piedoso, mais político que pastor. Por isso a reacção firme do clero português apanhou de surpresa Afonso Costa, que pouco respeito dispensava ao clero regalista. Mas foi a rejeição heroica dos bispos e dos padres às pensões e às cultuais previstas na lei, sacrificando assim os poucos bens e proveitos que a República lhes deixara, que realmente operou a separação entre a Igreja e o Estado.

O que a História nos ensina nos últimos 200 anos (e até mais, porque esta tentativa de submissão da Igreja começa com Pombal) é que a liberdade da Igreja só é possível quando esta não depende do poder. Por isso, a liberdade da Igreja está dependente do Estado reconhecer, como direito inalienável, a liberdade religiosa.

E a questão da liberdade religiosa é que não se pode dividir. Não posso reconhecer a minha liberdade de adorar a Deus, de professar publicamente a minha Fé, de a viver comunitariamente, e negar a dos outros. Porque, se assim for, se eu afirmar que o Estado tem o poder de decidir que fés são admitidas e que fés não são, então estou a afirmar que a liberdade da Igreja não é um direito em si mesmo, mas uma benesse do Estado. E a História ensina-nos que transformar o Catolicismo em religião do Estado pode ser bom para o Estado, mas acaba com a opressão da Igreja.

É por isso que defendo a liberdade dos muçulmanos em construir mesquitas e em rezar em público. E não vale a pena confundir as coisas: sim, há um problema com a imigração, sobretudo de países muçulmanos; sim, há um problema com o Islão quando este começa a ser maioritário, como se vê em vários países da Europa. Mas esse problema não se pode confundir com a liberdade religiosa.

Outra questão é se o Estado deve apoiar a construção de mesquitas. E aqui a resposta é simples: depende. Sim, o Estado deve criar condições para que todos possam exercer a sua fé em liberdade, e isso pode passar por dar algum tipo de apoio à construção de uma mesquita, como faz com as igrejas (cedência de um terreno ou de um imóvel). Não, o Estado não deve subsidiar o culto, nem favorecer as comunidades islâmicas de forma injustificada, como parece que Fernando Medina quis fazer com a nova mesquita da Mouraria.

Por fim, há uma preocupação legítima com a segurança. Mas, nesse caso, o que deve preocupar são as mesquitas clandestinas que por aí pululam, não aquelas que são construídas às claras, cujo acesso é público e que mantêm relação com a sociedade que as rodeia. Um ímã extremista não precisa de um edifício novo para espalhar o ódio — para isso, basta-lhe uma garagem esconsa. Investigue-se o que for preciso, mas isso não é argumento para suprimir a liberdade religiosa.

Nada disto se deve confundir com a liberdade dos islâmicos de viverem a sua Fé. Porque, no dia em que eu reconhecer ao Estado o poder de regular a fé alheia, estou a reconhecer que o exercício da minha Fé é uma benesse do Poder. E isso, como os valentes bispos de 1911, não podemos permitir.

 

terça-feira, 10 de junho de 2025

Dia de São Camões



Por que razão celebramos o Dia de Portugal no dia da morte de Camões? Não duvido da importância do poeta: a sua influência na língua, a sua importância para a forma como vemos a história do nosso país, sobretudo os Descobrimentos. Mas não deixa de ser curioso que, num país nascido da guerra e da resistência a Espanha, se escolha, em vez de São Mamede, Ourique, Aljubarrota, a morte de Camões.

A explicação podia ser a de uma valorização da cultura. A concepção de um país como mais do que um conjunto de pessoas, mas uma história e um desígnio conjunto, que o poeta canta n'Os Lusíadas como mais ninguém. A escolha de Camões podia significar uma exaltação da portugalidade, o homem que criou Portugal através do mito, ligando a história nacional, da Fundação aos Descobrimentos.

Infelizmente, a razão pela qual o Dia de Portugal se celebra na data da morte de Camões é bastante mais prosaica. Não celebramos Camões pelo seu génio, mas porque morreu em cima do dia de Santo António.

As festas de Camões foram começadas pelos republicanos, que na sua ânsia de laicizar as festas populares, começaram a festejar a morte de Camões, com direito a procissões e tudo, como concorrência ao Santo António. Daí a ser popularmente chamado São Camões.

Com a proclamação da República e o fim dos feriados religiosos, o 10 de Junho passou a feriado municipal, seguindo a estratégia republicana de substituir feriados religiosos por feriados civis. Mais tarde, ainda na República, seria alçado a feriado nacional, na tentativa de criar uma religião civil e patriótica que substituísse a fé popular.

No Estado Novo, Salazar, na sua estratégia de apaziguação, restaura com a Concordata de 1940 alguns dos feriados religiosos, mas mantém os feriados republicanos. Aliás, uma das características de Salazar era a capacidade de apaziguar as diversas fações, dando um pouco a cada um. Exalta a história cristã, mas mantém os festejos patrióticos, na ânsia de criar um espírito patriótico separado da devoção cristã. Assim, agrada a católicos, monárquicos e republicanos.

O 10 de Junho, como grande festa nacional, é uma invenção da República e do Estado Novo, mais tarde reciclada pela democracia. Pobre Camões, o grande poeta da nossa história, que se viu assim utilizado como instrumento contra essa própria história. Merecia melhor sorte.

 

sexta-feira, 30 de maio de 2025

Obrigado, Miguel Milhão


Falar hoje contra o aborto é mais difícil do que alguma vez foi. Debater este tema com alguém que defende o “direito” ao aborto é como se estivéssemos a falar duas linguagens completamente diferentes.

Mesmo entre os que são contra o aborto, vemos que, muitas vezes, são apenas contra o aborto livre, ou pago pelo Estado, ou então contra o alargamento dos prazos. Mas encontrar hoje alguém que diga que o aborto é sempre errado e deve sempre ser ilegal é cada vez mais raro.

E é raro porque, culturalmente, o embrião deixou de ter qualquer valor. Não se trata de discutir se há vida humana ou não — isso é um facto biológico indisputável —, mas sim do valor que se atribui à vida humana. Porque neste tempo do relativismo, o valor da vida já não depende do facto de existir, mas do valor que cada um de nós lhe atribui. E a sociedade já decidiu que a vida humana por nascer não tem valor, ou, pelo menos, não o tem até possuir algumas características com as quais as pessoas se identifiquem.

Por isso o debate sobre o aborto é tão difícil: estão em causa duas visões completamente distintas — uma que afirma que a vida é sempre digna, e outra que afirma que a vida é digna quando a sociedade o diz.

Por esta razão é que o debate sobre o aborto deixou de ser, como há 20 anos, sobre quando começa a vida, e passou a ser sobre os direitos da mulher. Porque o embrião deixou de contar.

E para defender o contrário é preciso coragem, porque há poucos temas que enfureçam tanto os activistas da modernidade como o aborto. E eu compreendo porquê: é que, se por um segundo tiverem de admitir a possibilidade de que a vida humana começa na concepção, então terão também de admitir a hipótese de estar a ser praticada a maior matança de inocentes de que há memória.

Afirmar com clareza que o aborto é sempre um mal e, sobretudo, afirmar sem medo o valor da vida humana não é popular, mas é urgente. Por isso, é com grande alegria que vejo como Miguel Milhão usa a sua fortuna e influência para esta causa.

E fá-lo sem tibieza, sem cedências, com total clareza. É evidente que o fundador da Prozis procura, há algum tempo, influenciar o debate público, e que tem meios e capacidade para o fazer. E é impressionante que tenha escolhido o aborto como a sua grande causa. Quem o acompanha desde que começou a intervir publicamente sabe que o aborto não é uma causa secundária, nem uma forma de criar polémica para obter atenção. O aborto é mesmo a causa principal de Miguel Milhão.

Este é o segundo ano em que ele cria um anúncio para a televisão, para festejar o começo da sua vida — no momento da concepção. E usa esses anúncios para afirmar, sem problema, a defesa da vida desde o primeiro instante. Claro que este atrevimento provoca a fúria de muita gente. E é bastante divertido ver a liberdade com que Miguel Milhão se ri dos fariseus modernos e dos escribas do aborto.

Deve haver vantagens em ser bilionário — ainda por cima sem depender minimamente do poder político e mediático. E Miguel Milhão usa muito bem essas vantagens para defender esta causa tão urgente. Por isso, da minha parte, só me resta dizer: obrigado, Miguel Milhão.

segunda-feira, 26 de maio de 2025

Carlos Moedas e o EuroPride

 



  1. Vai realizar-se em Lisboa, no próximo mês, o EuroPride — o maior evento do movimento LGBT europeu.
    Sobre o movimento LGBT, reafirmo o que venho dizendo há anos: está para os homossexuais como o Partido Comunista está para os trabalhadores. O movimento LGBT é um movimento político que pretende impor a toda a sociedade a sua visão da sexualidade, e que considera que quem dela discorda deve ser, no mínimo, ostracizado — e, eventualmente, até preso.
    Para este movimento, não basta defender o casamento entre pessoas do mesmo sexo; é necessário punir quem não concorda. Não basta que um homem diga que é mulher; é preciso que toda a sociedade o aceite e o afirme — e que quem se recusa seja devidamente castigado.
    Por isso, considero o EuroPride equivalente à Festa do Avante ou ao porco no espeto do Ergue-te. Têm liberdade para o fazer, mas contam com a minha oposição. Sobretudo, por se tratar de um acontecimento político promovido por um movimento totalitário, não deve contar com apoios públicos.
  2. Esta semana foi notícia que a Câmara Municipal de Lisboa aprovou uma verba de 175 mil euros para apoiar este evento. Para contextualizar esta decisão, é habitual a Câmara apoiar grandes eventos realizados na cidade. O exemplo mais evidente é a Jornada Mundial da Juventude, na qual a autarquia investiu mais de 30 milhões de euros. Mas não é caso único: a Web Summit recebeu mais de quatro milhões de euros no ano passado, a ModaLisboa recebeu 300 mil euros este ano, e ainda há pouco mais de uma semana a Câmara gastou 250 mil euros nos festejos do campeonato. Por isso, 175 mil euros para o evento mais importante do movimento LGBT não constitui propriamente um apoio extraordinário.
    Aliás, prova disso é o facto de a oposição não ter apoiado esta decisão (por querer mais apoio), assim como a maioria das associações LGBT se ter retirado da organização do evento, em protesto contra a Câmara.
    Isto significa que a decisão foi acertada? Não. Não considero que tenha sido uma boa decisão. Mas significa, claramente, que Carlos Moedas não é propriamente um entusiasta da causa — limitou-se a cumprir os mínimos olímpicos.
  3. Tenho visto por aí uma grande campanha contra Carlos Moedas, acusando-o de ser contra a presença cristã e a favor da causa LGBT. Não tenho grandes dúvidas quanto à origem destas acusações, tal como não duvido que não são movidas pelo amor à Igreja ou à família, mas sim pelas eleições autárquicas do próximo Outono.
    Infelizmente, estas acusações têm encontrado eco junto de pessoas bem-intencionadas, que ficaram legitimamente indignadas com a decisão da Câmara. Aos mal-intencionados, de nada serve apresentar os factos; mas a quem se sente justamente indignado, vale a pena refrescar a memória sobre o mandato de Carlos Moedas.
    Antes de mais, recordar que Moedas foi quem mais se expôs em defesa da JMJ. Houve momentos em que ninguém — nem mesmo os que mais entusiasticamente acolheram a notícia de que a JMJ seria em Lisboa, dentro da Igreja e na política — teve coragem de defender os custos do evento. Ninguém, excepto Moedas. Arriscou de tal forma que, se algo tivesse corrido mal, teria sido, muito provavelmente, a sua morte política. E, no entanto, ele — que nem católico é — teve a coragem de defender sempre a importância das jornadas para Lisboa.
    Além disso, nos últimos quase quatro anos, tem apoiado, com financiamento, cedência de espaços, apoio logístico e até com a sua presença, vários eventos organizados por católicos. E tem afirmado publicamente, sem qualquer constrangimento, que as organizações católicas devem sentir-se à vontade para solicitar apoio da Câmara.
    Tem também apoiado incansavelmente o trabalho das IPSS. Depois de anos de martírio socialista, em que o apoio social era dirigido apenas aos amigos do regime, ignorando ou prejudicando as restantes instituições, com Moedas as IPSS têm sido tratadas como aquilo que são: parceiras do poder público, e não concorrentes.
    Para além disso, Moedas tem feito questão de marcar presença em todos os momentos altos da vida social da Igreja de Lisboa: nas grandes procissões, na tomada de posse do Patriarca, na missa pelo sufrágio do Papa Francisco (a quem decidiu homenagear com o nome do novo Parque Tejo), entre tantas outras ocasiões. Foi com ele que o presépio regressou aos Paços do Concelho.
    É preciso ter muita falta de memória para afirmar que Carlos Moedas tem algo contra a presença cristã na cidade. Pelo contrário, a Igreja de Lisboa tem encontrado nele um aliado como não tinha desde os tempos de Santana Lopes e Carmona Rodrigues.
  4. Isto significa que a decisão de apoiar o EuroPride está correcta? Não. Mas se procuramos um presidente de Câmara com quem concordemos em tudo, então cada um de nós terá de se candidatar ao lugar. Caso contrário, teremos de nos contentar com alguém com quem concordamos em quase tudo — e com quem, de vez em quando, tenhamos uma ou outra discordância.
    Este ano haverá eleições. Ao longo dos anos, votei muitas vezes no mal menor. Este ano será dos poucos em que votarei com gosto em quem considero ser um grande presidente da Câmara de Lisboa. Não só votarei em Carlos Moedas, como tenciono dizer às pessoas à minha volta para fazerem o mesmo, e farei campanha com um entusiasmo que não sentia desde a última candidatura de Pedro Santana Lopes em Lisboa.
    E no Outono, espero que tenha uma grande vitória — sobretudo contra os zelotas que vivem de meias-verdades e mentiras completas.

 

quinta-feira, 22 de maio de 2025

Adolescência, violência sexual e a falta do pais

  


  1. Nos últimos tempos as notícias sobre o aumento da violência, sobretudo a violência sexual, entre menores têm aumentado. Se não bastasse o sucesso da série Adolescência, a notícia da violação de uma menor por três influencers, assim como a notícia de que o número de abusos sexuais entre menores tem aumentado, trouxe o assunto para a ribalta.


Rapidamente vemos repetir os mesmos chavões: o machismo tóxico, o movimento incel, a extrema-direita, as redes sociais, etc. Eu confesso que a mim o que mais me choca é a incapacidade de compreender que estes fenómenos, que sem dúvida produzem violência sexual, não são a causa, mas sim a consequência de uma mentalidade dominante.

Vivemos num tempo dominado pelo individualismo. Estamos rodeados de mantras como “se não cuidares de ti, quem cuidará?”, “és responsável pela tua felicidade”, “não deixes que nada se interponha entre ti e os teus sonhos”. Todas as semanas somos brindados com reportagens que explicam a carga que significa ter filhos, ou cuidar dos pais envelhecidos, ou de companheiros doentes. As crianças são educadas a acreditar que são especiais, que merecem ser tratadas como tal e que o mundo tem o dever de se adaptar a elas.

Desta cultura não escapa, pelo contrário, a sexualidade. A cultura actual ensina que a sexualidade existe, antes de mais, para satisfação própria. Por isso é bom ver mulheres a prostituírem-se em frente a câmaras, é bom pagar para ter sexo, todas as fantasias são incentivadas (incluindo o maltrato a mulheres como forma de ter prazer, que dá direito a best-seller e a sucesso de bilheteira). No nosso tempo a satisfação dos desejos sexuais é uma prioridade e o sexo um direito.

Ora, é evidente que, se educamos assim as crianças, não nos podemos espantar que elas não se detenham diante de pormenores como a vontade do outro. Num mundo onde a objectivação das mulheres (na pornografia, na prostituição, nas redes sociais) é banalizada, por que razão nos espantamos quando os adolescentes e os jovens tratam as mulheres como objectos? Se consideramos normal ver vídeos de mulheres pagas para satisfazer tarados que fantasiam com violações, por que nos espantamos que miúdos de 13, 14, 15 anos não distingam quanto é real e quando é apenas ficção?

Mas pior do que isto, quando a sociedade diz que mulheres que oferecerem a sua intimidade a homens perversos que lhes podem pagar é empoderamento, e outras tretas destas, quando constantemente se reduz as mulheres a pedaços de carne para exibir, nas revistas, nos sites, nos filmes, nas telenovelas, o que estamos a dizer às menores que estão a ver? Que é bom e normal, e até dá direito a ser famosa, vender a sua intimidade.

Educar assim as crianças e depois ficar espantado que os abusos sexuais aumentem demonstra uma total incapacidade de compreender que os actos têm consequências. Como eu dizia, a masculinidade tóxica, a cultura incel, são apenas duas das várias consequências de uma cultura onde prima o individualismo e onde os caprichos são tratados como direitos. Mas a causa é a mentalidade dominante, individualista e egoísta.

  1. O artigo podia ficar por aqui. Mas existe outro ponto, referido em abundância, que não consigo deixar de notar. Falo da relação dos jovens com a internet em geral, e com as redes sociais em particular.

Nas últimas semanas ouvimos vezes sem conta falar da necessidade de regular a internet, as redes sociais, de proibir os telemóveis nas escolas. Mas há um ponto essencial, que me parece totalmente ausente do debate: por que razão um pai que abandonasse uma criança no meio de uma rua cheia de casas de alterne, violência e teóricos da conspiração perderia a guarda do filho, mas achamos normal que um pai dê um smartphone a uma criança? A comparação pode parecer um exagero, mas a verdade é que hoje através destes aparelhos as crianças estão expostas a um mundo que não compreendem, com fácil acesso a todo o tipo de informação, contactáveis por qualquer pessoa, com pouco ou nenhuma supervisão.

Evidentemente que os pais podem dizer que controlam o que os filhos vão vendo, mas é preciso ser muito ingénuo para acreditar que é possível controlar completamente o que um miúdo de 12 anos faz no seu telefone. O problema maior dos telemóveis não é o mal que as telas fazem (que também fazem), mas o facto de exporem os miúdos a um mundo para o qual não estão preparados.
Qual é a solução? Proibir o acesso dos miúdos a tecnologia? Impedi-los de ter acesso a uma ferramenta como a internet, essencial para o seu futuro? Desligá-los do mundo? Claro que não, por muito que, olhando para o mundo, possa parecer tentador!

Como dizia monsenhor Giussani, “educar é introduzir à realidade na totalidade dos seus factores”. É preciso acompanhar as crianças e adolescentes na introdução à internet, dar-lhes critérios, explicar-lhes os riscos, mostrar as potencialidades, e aguardar que tenham maturidade. É evidente que largar um rapaz a entrar na puberdade, com as hormonas em ebulição, mas ainda sem maturidade, numa realidade onde todas as perversidades estão ao alcance de uma pesquisa no Google, e onde são livres de as partilhar com os amigos (e com desconhecidos), é uma péssima ideia. É preciso acompanhá-los nessa aventura.

E isso depende, sobretudo, dos pais. Claro que a escola tem um papel importante na educação das crianças, mas de nada vale a escola controlar o uso dos telefones pelos miúdos, se, ao dar um passo para fora da escola, esse controlo desaparece. A resposta, por isso, a este flagelo não é responsabilizar as escolas, ou sequer as redes sociais, mas os pais, que têm de ser os protagonistas da educação dos filhos.

É duro ser o pai que nega aos filhos aquilo que os amigos todos têm. A pressão dos pares é uma coisa tramada, e contrariá-la dá muito trabalho. Mas é uma missão da qual os pais não se podem desmarcar. A liberdade dos miúdos é uma coisa tremenda, e é evidente que não podemos controlar. Mas temos o dever de os acompanhar enquanto crescem, para ter a certeza de que têm as ferramentas necessárias para enfrentar o mundo.

sexta-feira, 16 de maio de 2025

AD: NÃO O VOTO ÚTIL, MAS O VOTO NECESSÁRIO

Confesso que tenho pouca ou nenhuma paciência para as eleições — e ainda menos para a campanha eleitoral. É a terceira vez, em três anos, que vamos a votos. De cada vez, o país para, a aplicação do PRR atrasa-se e projetos públicos ficam em suspenso. Tudo isto porque o Primeiro-Ministro foi pouco prudente, e a oposição aproveita (na ausência de ideias) para espremer até ao fim o tema.

Contudo, apesar da falta de paciência, domingo é dia de votar. Não o farei com especial entusiasmo, mas fá-lo-ei sem hesitações. Depois de anos de desgoverno socialista, precisamos de um governo estável à direita — e esse resultado só é possível votando na AD.
O Chega já provou a sua inutilidade. Com 1, 13 ou 50 deputados, o Chega serve apenas para satisfazer a necessidade de poder de André Ventura. O último ano deixou claro que o partido unipessoal de Ventura será sempre um foco de instabilidade: hoje diz uma coisa, amanhã diz outra, sem qualquer vergonha. E, se por acaso algum deputado revela um assomo de independência, acaba corrido — como Henrique Freitas ficou a saber.
A IL, para além de ser um Bloco de Esquerda que gosta de dinheiro, também não me parece ser uma força útil à estabilidade. Por alguma razão, como vimos na Madeira, a IL acha que só pode fazer parte de uma coligação quando o seu parceiro faz tudo o que ela quer. O seu dogmatismo impede-a de perceber o conceito de parceiro minoritário. Por isso, votar na IL é, não só dar força a quem defende que o Estado deve estar ao serviço das engenharias sociais, como também apoiar um partido que provavelmente acabará por ser uma força de bloqueio.
Assim, quem quer um governo de direita estável só tem uma solução: votar AD. Não é o ideal, não é o que queríamos, podia ser melhor — sim, tudo isso. Mas é o que temos. Quem quer melhorar a vida política tem uma boa solução: empenhar-se na vida partidária. As eleições não são o momento de grandes teorias, mas sim a decisão prática sobre quem queremos a governar o país. E, para mim, é claro que quero um governo da AD com força suficiente para não estar continuamente a ser vítima da coligação PS/Chega.