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terça-feira, 25 de novembro de 2025

25 de Novembro: o erro da Direita

 


Confesso que não partilho do mesmo entusiasmo dos partidos da Direita com o 25 de Novembro. Parece-me que, na ânsia de encontrar uma data política só sua, atribuem ao dia um significado que os factos não sustentam.

Afirmar que foi a 25 de Novembro que passámos a ter realmente uma democracia é esticar a realidade. É evidente que nesse dia se pôs travão ao PREC, e que isso foi essencial. Mas não podemos esquecer que continuámos a ter o Conselho da Revolução, que os saneamentos, as ocupações e as nacionalizações não foram revertidos, e que ainda demoraria pelo menos uma década até termos uma democracia europeia.

Não quero com isto desmerecer o heróico esforço dos militares que nesse dia travaram a extrema-esquerda e conseguiram devolver alguma normalidade ao país. Nem a coragem dos políticos que, mesmo apesar das ameaças de morte, se bateram pela democracia. Mas, também por justiça para com eles, não vale a pena transformar o 25 de Novembro no que ele não foi.

A verdade, por muito chocante que isso possa ser, é que o grande vencedor do 25 de Novembro não foi a direita, nem o centro-esquerda, mas o Partido Comunista. Claro que Cunhal sonhou com a conquista do poder, e, tendo falhado a via eleitoral, não se importaria de o alcançar pela força. Mas percebeu rapidamente que não tinha as “espingardas” para tal. Portanto, deixou a extrema-esquerda sair à rua – que o preocupava mais do que a direita – e ser presa, permanecendo sossegado, garantindo que nada perdia do que já tinha alcançado.

Em Novembro de 1975, Cunhal já tinha tudo aquilo que o PC queria, excepto o poder absoluto, que não tinha forças para conquistar. Internacionalmente, tinha garantido que as províncias do Ultramar se tornariam satélites da União Soviética — uma política que conduziu a novas guerras e a milhares de mortos.

Internamente, tinha conseguido sanear inimigos políticos, garantir um património considerável para o partido, dominar os sindicatos, lançar, através da Reforma Agrária, bases profundas no Alentejo, dominar boa parte da comunicação social e infiltrar militantes comunistas nos ministérios e nos órgãos de justiça. Tudo isto permitiu que o PC garantisse uma influência social muitíssimo superior ao seu peso político — influência essa que ainda vai resistindo passados cinquenta anos, como se prova pelo facto de, apesar de ter apenas três deputados na Assembleia da República, se preparar para paralisar um país com uma greve geral em Dezembro.

Ou seja, Cunhal sonhou com um golpe de Estado – e não nos enganemos –, o facto de estar em minoria não significava que isso não fosse possível; afinal, 500 soldados em Lisboa tinham imposto a República a um país de seis milhões de pessoas. Mas garantiu que não perdia nada do que tinha ganho e ainda viu eliminada toda a concorrência à esquerda.

É evidente que as concessões feitas ao Partido Comunista, assim como aos militares, foram o que permitiu que, com o tempo, viessemos a ter uma democracia. E que a alternativa seria, se não uma guerra civil, pelo menos um período de enorme violência. Por isso, a paz, ainda que podre, alcançada a 25 de Novembro deve ser festejada — mas não deve ser transformada no que não é.

2. É possível afirmar que, mesmo assim, celebrar o 25 de Novembro com solenidade é útil para contrapor a narrativa da esquerda de que foram eles que construíram a democracia. No fundo, celebrar a data serviria como lembrete das loucuras do PREC e do preço que pagámos para conseguir ser uma verdadeira democracia. Compreendo o argumento, mas considero-o um erro, porque reforça a falsa narrativa da esquerda sobre o 25 de Abril.

Aquilo que começou por ser um golpe militar, motivado por razões internas de organização do exército, tornou-se, pela adesão do povo, numa revolução. No 25 de Abril participaram militares e populares de todos os quadrantes. A Revolução não foi de esquerda nem de direita, mas o grito de um povo que estava farto da guerra e do Estado Novo.

Na normal confusão que se seguiu, o Partido Comunista — de longe a realidade política mais bem organizada, e contando com o apoio da União Soviética — procurou tomar o poder. E entre o 25 de Abril e o 25 de Novembro foram cometidas barbaridades, desde prisões políticas a saneamentos de pessoas sem qualquer ligação ao Estado Novo, que deixaram marcas no atraso social e económico do país até aos dias de hoje.

A esquerda, autora da esmagadora maioria desses actos, para justificar as suas acções, construiu uma narrativa que une o 25 de Abril à tentativa que se seguiu de construir uma ditadura de esquerda. Isto não só justifica o que fizeram, como torna qualquer ataque ao PREC num ataque ao 25 de Abril. A verdade é que a esquerda tomou de assalto a memória daquele dia, e a direita deixou.

Deixou porque teve medo de que, ao denunciar os abusos da esquerda, fosse colada ao anterior regime. Deixou porque receou que o povo que se tinha revoltado contra o PREC, sobretudo do Tejo para cima, visse o seu apoio ao 25 de Abril como um apoio ao processo revolucionário.

E isto foi um erro. Porque quem construiu a democracia não foi a extrema-esquerda, mas o centro, a esquerda e a direita. A democracia nada deve a Álvaro Cunhal, mas deve muito a Mário Soares, a Salgado Zenha, a Francisco Sá Carneiro, a Adelino Amaro da Costa, a Freitas do Amaral e a tantos outros. Foram eles que, partindo da revolução, construíram um país democrático, contra os que se queriam munir de uma qualquer legitimidade revolucionária para impor uma nova ditadura ao país.

E por isso a direita, mais do que insistir numa data própria — o 25 de Novembro —, deveria reclamar para si a memória histórica do 25 de Abril. Deveria recordar os homens e mulheres que resistiram à extrema-esquerda e, sendo fiéis ao espírito da revolução, construíram uma democracia.

Celebrar o 25 de Novembro como se fosse, de alguma forma, uma espécie de Revolução de Outubro da democracia, é não só uma mentira como também o reforço do mito da esquerda como herói da democracia.

Por isso, gostaria que a Direita parasse de cair na narrativa da Esquerda e reclamasse para si — e para o Partido Socialista, que tem demasiada vergonha da sua história — o papel essencial que tiveram na construção da democracia, não apenas no 25 de Novembro, mas desde o 25 de Abril.