sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Proibir o Burquini: Um Cobardia e uma Tirania




Vi ontem a noticia de que a policia de Nice obrigou uma mulher a despir parte da sua roupa na praia. Isto porque supostamente estaria de burquini (de facto não estava) o que é proibido naquela cidade.

Antes de mais, não posso deixar de me espantar que a mesma polícia que deixou um camião cheio de armas entrar numa zona de trânsito proibido onde estavam dezenas de milhares de pessoas porque o condutor afirmou que ia vender gelados, consiga agora detectar uma mulher demasiado vestida na praia. Estamos diante de um enorme evolução na luta contra o terrorismo...

Tenho ouvido duas justificações para esta medida idiota: a primeira é a defesa da liberdade da mulher. Segundo os adeptos desta teoria, as mulheres que usam burquini só o fazem porque são obrigadas pelos maridos, pelos irmão, pelos filhos. Por isso decidiu a autoridade que em vez de estas mulheres serem oprimidas pelos seus familiares homens, devem-no ser pelo Estado. A solução não é, como talvez alguma pessoa mais simplista possa pensar, investigar os casos de abuso sobre as mulheres. A solução passa por obrigar todas as mulheres, as que o querem e as que não o querem, a não usar tal peça de vestuário. Assim, através de uma norma que proíbe a mulher de se vestir como entende, a república tenciona tornar as mulheres livres. Quer queiram quer não queiram!

Claro que isto em nada ajudará as mulheres que são obrigadas pelos seus parentes masculinos a taparem-se. Como é evidente um homem que acha que pode obrigar a mulher, ou a irmã, ou a mãe a vestir certa peça de roupa, não vai mudar de ideias só porque passou a ser proibido. A única consequência para essas mulheres oprimidas é que em vez de irem à praia de burquini não vão à praia de todo!

A segunda "desculpa" para esta norma é o respeito pelo secularismo, razão pela qual uma mulher não pode andar com um símbolo religioso vestido. Antes de mais convém esclarecer que o burquini não é um símbolo religioso. É um fato de banho que tapa todo o corpo excepto a cara, razão pela qual pode ser usada pelas mulheres muçulmanas. Contudo, não é um exclusivo daquelas que acreditam no Islão: também é usado por mulheres com problemas de pele ou que simplesmente não se querem expor em demasia aos raios do sol. Não posso por isso deixar de me perguntar se a proibição de usar burquini é só para as muçulmanas ou é para todas as mulheres? Se a polícia quiser obrigar uma mulher a despir o burquini e esta responder que tem uma doença de pele é expulsa da praia? Ou pode apresentar um atestado médico? Se disser que não é muçulmana, já não há problema?

Porque aparentemente o único problema, para os que defendem esta argumentação, é que não se pode andar com vestes religiosas em público. Ou melhor, com vestes religiosas islâmicas. Porque, tanto quanto foi noticiado, ninguém proibiu o uso dos hábitos religiosos, ou das vestes talares, ou dos turbantes dos sikh, ou do talit e do quipá judaico, ou da túnica budista. Apenas do burquini.

Ou seja, o problema é mesmo com o Islão. Isto porque existem grupos terroristas islâmicos que têm espalhado o terror pelo Europa. Por isso, por alguma centenas de terroristas, que representam alguns milhares de islâmicos, a França declara que a fé de mil milhões de pessoas em todo o mundo não é compatível com os valores da república. A fé do polícia que morreu no ataque ao Charlie Hebdo, a fé do merceeiro que escondeu judeus na sua loja durante um ataque terrorista, a fé dos professores universitários do Iraque mortos por defenderem a liberdade dos cristãos, a fé daquele homem que morreu com os mártires coptas junto ao mar, a fé dos reis de Marrocos e da Jordânia que publicamente condenaram e atacaram o Estado Islâmico, a fé dos frequentadores da Mesquita de Saint-Etienne-du-Rouvray que recusaram o enterro dos assassinos do padre Hamel. A fé de milhões de pessoas que nada tem a ver com o terrorismo ou com o Estado Islâmico.

Cheguei a ler num jornal português a opinião de um iluminado, que já vi repetida em outros lados (as frases curtas e idiotas usadas para explicar problemas complexos têm cada vez mais tendência a fazer sucesso), onde comparava o uso do burquini ao uso da suástica. Para este respeitado colunista o islamismo está de tal maneira ligado ao terrorismo que usar publicamente os seus símbolos é o mesmo que apoiar o Estado Islâmico. Como usar a suástica, mesmo que seja por outras razões, é o mesmo que apoiar o nazismo. Eu percebo que para quem tem que ocupar uma coluna de um jornal sem ter a capacidade para produzir qualquer pensamento inteligente, esta comparação tenha parecido muito boa. O problema é que o Estado Islâmico tem símbolos próprios, nenhum dos quais é o burquini! A comparação certa é da suástica com a bandeira do EI. Ou então comparar a proibição do burquini a uma proibição da bandeira alemã por causa do nazismo. Nenhuma das duas é abonatória à posição do escriba em questão.

Esta proibição não só não terá qualquer efeito na luta contra o terrorismo, como se arrisca a piorar a situação. Pensemos na mulher humilhada na praia à frente dos seus filhos, com a policia a manda-la despir, enquanto pessoas na praia berravam contra ela e a sua fé. Pensemos em todos os muçulmanos normais, que nada têm contra o ocidente. Que vêm nas noticias que uma mulher da sua fé foi humilhada por nenhuma outra razão do que de se vestir de acordo com aquilo em que acredita. Obrigada a despir-se porque a sua roupa é contra o secularismo e os costumes, como disse a polícia. Quantos desses é que terão passado a odiar a França? Em quantos terá crescido o ódio à Europa? Quantos viram confirmado as teorias dos radicais de que o Ocidente é contra o Islão? Esta medida só irá aumentar o ódio e a incompreensão numa situação onde eles já são reis e senhores.

Esta decisão é cobarde e é tirânica.

É cobarde porque a França faz-se forte com os fracos, mas depois é fraca com os fortes. Por um lado persegue uma parte desprotegida da população, proibindo a de expressar livremente a sua fé. Com que objectivo? Satisfazer a vontade da populaça que ameaça votar na Frente Popular. De facto, esta proibição só serve para propósitos eleitoralistas. Esta proibição utiliza as armas do clã Le Pen (a demagogia, o alarmismo, o discurso nacionalista) não para combater ou prevenir o terrorismo, mas sim para ganhos políticos.

Ao mesmo tempo, o Estado Islâmico continua a ter um território, um exército, continua a perseguir e a executar inocentes. Os seus apoiantes continuam a pregar nas mesquitas em França. Os seus sites continuam a recrutar jovens na Europa. Mas contra eles, contra os verdadeiros terroristas, a França nada faz a não ser belos discursos. Forte contra os fracos, fraca contra os fortes.

É tirânica, porque ataca um direito fundamental. O direito a expressar a sua Fé, o direito a vestir-se de acordo com aquilo em que se acredita, são direitos inerentes à dignidade humana não são concedidos pelo Estado, mas devem ser por ele reconhecidos e defendidos.

Os direitos fundamentais não são absolutos. Podem ser limitados quando estão em causa outros direitos de igual ou superior valor. Mas não podem ser limitados ou retirados só para não ofender a sensibilidade pública. Um Estado que viola os direitos fundamentais dos cidadãos, que se acha dono desses direitos fundamentais, que os deixa ao capricho de sensibilidades políticas, é um Estado tirânico.

Por isso a proibição do burquini não é um ataque apenas ao Islão. É um ataque ao Estado de Direito democrático. Por isso deve-nos preocupar a todos. Porque se concedemos aos Estado o poder para decidir hoje o que uma mulher islâmica pode ou não usar, arriscamo-nos a que amanhã esse mesmo Estado decida o que cada um de nós pode vestir, que ideias pode exprimir, que Fé pode professar.

1 comentário:

  1. Disse neste seu post o mesmo que eu disse por várias vezes em comentários no Facebook... Mas parece que a capacidade de raciocínio lógico tem vindo a desaparecer a uma velocidade inacreditável... Mas é particularmente triste que isto se esteja a passar em França, o mesmo país que fez uma revolução quando a restante Europa ainda não ousava sequer levantar a cabeça, e tenha como mote, desde aí, Liberté, Egalité, Fraternité - só que agora, assim em modo "Animal Farm" /os animais são todos iguais, mas uns são mais iguais do que os outros/ ou, no caso, os homens são todos iguais, mas, desde que sejam franceses, católicos e intransigentes. ...............

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