sábado, 23 de dezembro de 2023

Testemunhas de um facto


 

Excerto da homília do Padre João Seabra de dia 18 de Dezembro de 2016, IVº Domingo do Advento.

O Natal não é uma recordação piedosa de algo do passado; não nos voltamos para trás porque, se assim fosse, cada ano que passasse o Natal estava cada vez mais longínquo, seria uma recordação vaga, e celebrávamo-lo com menos intensidade do que o celebraram os nossos avós. Portanto, estaria cada vez mais distante e nós, pelo contrário, celebramo-lo como um acontecimento presente. O que é que significa a palavra “tradição”? Significa que fazemos hoje de novo aquilo que aconteceu no princípio. O que é que significa aproximarmo-nos do presépio e venerámos o Menino Jesus? É vivermos de novo, sobrenaturalmente, na ordem do Sacramento, aquilo que aconteceu na história. E por isso eu, hoje, no século XXI não sou menos beneficiado, nem menos feliz, do que o foram os pastores e os magos que adoraram o Menino em Belém.

Como acontecimento humano, o Natal pertence a um tempo determinado; mas como acontecimento sobrenatural é meu contemporâneo. Jesus entrou na história não para ficar delimitado aos 33 anos da Sua vida entre nós, mas para ser contemporâneo de todos os homens. Jesus é contemporâneo de todos o que o precederam, de todos os que viveram no Seu tempo e de todos os que nascera depois d’Ele. É também nosso contemporâneo, nasce hoje, nasce dentro de uma semana, para podermos, como os pastores e os magos, ir ao presépio vê-Lo com os olhos da Fé.

É o que acontece na Eucaristia. O corpo de Cristo que nasceu da Virgem Maria, que foi crucificado e morto, que ressuscitou, que está glorioso no Céu, encontra-se na Eucaristia para me amparar, mas para me fazer companhia, para ser meu amigo. E eu posso caminhar com Ele na margem do Lago de Tiberíades; posso pedir-Lhe como os discípulos: Senhor ensina-me a rezar (Lc 11,1); posso contempla-Lo pregado na Cruz; posso ir com Ele a caminho do Emaús, escutando-O a ensinar-me as Escrituras. Posso fazer tudo isto porque Ele é meu contemporâneo e está presente na minha vida. A nossa fé não é nada menos do que isto! Não somos visionários de um sonho, somos testemunhas de um facto. Vivemos de um facto que aconteceu há dois mil anos e que acontece hoje. Deus que se fez homem para fazer companhia à minha vida é um Mistério presente, aqui e agora.

Pedimos ao Senhor para não descermos a fasquia da nossa expectativa do Natal. Reconheçamo-lo presente com fé verdadeira, confiemos Nele para mudar a nossa vida, para mudar aquilo de que já desistimos ou não somos capazes de mudar, para fazer de nós gente nova pelo poder da Sua Graça. Faltam sete dias para o Natal. Quanta conversão se pode fazer em sete dias! Quanto regresso a Deus, quanto perdão das ofensas, quanta graça acolhida, quanta oração sincera, quantas coisas boas podemos fazer em sete dias para chegar ao Natal com um coração novo, para recebermos o Senhor com a nossa casa preparada e as portas escancaradas.

Que o meu coração não seja a hospedaria onde não há lugar para o receber, mas a gruta, ainda que pobre e tosca, onde Ele se pode reclinar e recebe a adoração dos pastores e dos magos que somos todos nós. Que o Senhor nos dê um Natal Santo, um Natal de conversão e de esperança.

segunda-feira, 16 de outubro de 2023

Guerra na Terra Santa: algumas notas


1. A primeira coisa que é preciso dizer é que não há uma equivalência moral entre o Hamas e Israel. O Hamas é um grupo terrorista, que não hesita em matar e torturar inocentes para os seus objetivos. A única solução para o Hamas é a sua erradicação. Todos os terroristas desta organização devem ser presos, e, não sendo isto possível, mortos. O apoio ao Hamas, ainda que apenas moral, deve ser punido. As organizações que colaborem com o Hamas devem ser tratadas como foras da lei. O Hamas não é um movimento político de resistência, é um bando de malfeitores, cujas primeiras vítimas são os próprios residentes da faixa da Gaza. Apoiar o Hamas não é apoiar a Palestina, muito pelo contrário.

Israel é um Estado e como tal tem direito a viver em paz e segurança. E para isso tem o direito a defender-se. Mas precisamente por ser um Estado não pode defender-se nos mesmo termos que um grupo terrorista. É óbvio que a exigência para com Israel é muito superior do que a exigência para com Hamas. Por isso é que defendo que Israel tem o direito a existir em paz e defendo a erradicação do Hamas. Não basta avisos de quando vão bombardear, ou encostar-se à selvajaria do Hamas para justificar a morte de inocentes. Bombardear alvos civis não é aceitável só porque lá no meio estão escondidos terroristas. Claro que o Hamas é cobarde, claro que o Hamas não se importa com os civis que morrem, é um grupo terrorista. Cabe a Israel não se comportar da mesma forma.

2. A comunidade internacional tem pedido contenção a Israel e bem. Mas seria importante não esquecer que Israel combate um inimigo amoral, bárbaro, que enquanto apela à paz, bombardeia civis e mantém crianças reféns. É fácil pedir contenção quando não somos nós a levar com as bombas. Se a comunidade internacional quer mesmo a paz então que a construa: que a ONU mande tropas para Gaza controlar o Hamas, que a comunidade internacional corte relações com quem financia o Hamas, que ajude a perseguir os seus cabecilhas que vivem luxuosamente no Qatar. Até lá, os apelos a Israel são apenas formulas para descargo de consciência.

3. É verdade que a forma como Israel trata os Palestinianos é brutal e muitas vezes injustas. Mas falar em limpeza étnica é absurdo. Israel está a defender-se de um grupo de terroristas que esses sim, declaram claramente querer fazer um genocídio. Um grupo de terroristas que faz questão em esconder-se no meio dos civis e em não permitir que estes fujam. Israel tem feito esforços para diminuir as baixas entre civis. Não há qualquer genocídio.

Infelizmente há, sem dúvida, brutalidade por parte de Israel, para quem é suficiente tentar minimizar as baixas civis, não sendo estas impedimento para atacar o Hamas. Mas há uma diferença substancial: o Hamas faz dos civis alvos, Israel não. Infelizmente o resultado prático é o mesmo: a morte de milhares de inocentes. E isso devia levar Israel a repensar na sua forma de fazer a guerra.

4. Eu tenho imensa inveja das pessoas que têm imensas certezas sobre o conflito na Terra Santa. Das pessoas que simplificam um dos mais complexos problemas de geopolítica em meia dúzia de frase feitas, ou de imagens repescadas do Facebook. Eu confesso que olhando para o Próximo Oriente não consigo vislumbrar qualquer solução fácil. A verdade é que se Israel se desarma desaparece. Também é verdade que a brutalidade de Israel para com os árabes alimenta mais ódio e faz vítimas inocentes. Mas se Israel não a usar, então pelos vistos são as suas crianças, os seus jovens, as suas mulheres, os seus velhinhos que irão ser mortos. Olhar para isto e dizer que há uma solução fácil é ou muito bárbaro (é só matar um dos lados) ou então muito estúpido.

5. Precisamente por ser complexo, é inútil ir procurar legitimidade ao passado. Continuar a recuar no tempo para explicar por que razão aquela Terra deve ser dos judeus ou dos árabes é absurdo. A verdade é que o reino judeu na Terra Santa desapareceu completamente com Tito e Vespasiano. E desde então, até ao séc. XX, nunca mais houve ali um reino independente. A Terra Santa foi trocando de mãos várias vezes, desde os Romanos, ao Bizantinos, passando por vários impérios islâmicos, sem esquecer os reinos cruzados.

O estabelecimento do Estado de Israel e a criação dos países árabes foi um processo cheio de erros, de várias partes. Escarafunchar neles não irá trazer qualquer ajuda. O facto evidente é que na Terra Santa existem dois povos distintos, que merecem viver em paz, dignidade e segurança. O importante agora é procurar uma solução para o problema actual, não continuar preso a um passado longínquo.

6. Tenho visto muito gente espantada pelos movimentos LGBT apoiarem o Hamas. É preciso ser muito distraído para não reparar que estes movimentos são, pela sua natureza, violentos. A ideologia de género parte sempre da violência contra a própria natureza humana, afirmando que a natureza é uma imposição social que os oprime. E por isso são contra a tal “opressão” da sociedade e defendem a destruição de todos os opressores.

São contra o “opressor “israelita, mesmo que isso signifique estar ao lado de um grupo de terroristas que mata crianças a sangue-frio. Porque a realidade para esses movimentos é que eles criam na sua narrativa. Seria bom que os políticos não se esquecessem disso a próxima vez que estes movimentos vierem pedir apoio.

7. As gigantescas manifestações de apoio ao Hamas na Europa demonstram mais uma vez que o nosso continente tem um problema com o Islão. E não vale a pena dizer que é com a imigração. Muitos dos que se manifestam a favor de terroristas e contra o Ocidente já nasceram na Europa. Para além disso a Europa está cheia de imigrantes que não causam qualquer problema (ou não mais do que o habitual). A Europa tem um problema concreto com o Islão, com grandes comunidades que abertamente defendem o terrorismo, a violência e odeiam o Ocidente. Continuar, em nome da tolerância, a permitir a proliferação do islamismo extremista na Europa é um erro que já estamos a pagar e que iremos pagar ainda mais caro.

8. Os grandes esquecidos no meio de toda esta violência são os cristãos. Há décadas que os cristãos são vítimas em todo o Próximo Oriente. Minorias, sem lobby que os proteja, vivem abandonados à sua sorte. Os cristãos naquela parte do mundo são cada vez menos, sendo cada vez mais a sua presença residual em todo o Próximo Oriente, especialmente na Terra Santa. E se neste grande conflito os palestinianos contam com o apoio da esquerda ocidental e dos países árabes e Israel com o lobby judeu, os Estados Unidos e parte da direita ocidental, os cristãos da Terra Santa tem por junto a Santa Sé para os proteger. Rejeitados pelos palestinianos por não serem muçulmanos, rejeitados pelos israelitas por em geral serem árabes, irão continuar a ser esmagados sem ter quem erga a voz por eles.

9. Como já tive ocasião de dizer, a única hipótese de paz na Terra Santa é a Misericórdia. Hoje o Patriarca Latino de Jerusalém ofereceu-se para trocar de lugar com as crianças que são reféns do Hamas. No meio de toda a violência, de toda a vingança, de todo o ódio, a misericórdia Cardeal Pizzaballa, mostra o caminho para a paz: diante do ódio o amor, diante da violência a misericórdia. Este é o único caminho para a paz, por isso juntemo-nos ao convite do Cardeal Pizzaballa, de fazermos jejum e oração no dia 17, a pedir a paz para a terra onde o Deus de Amor se fez homem.

terça-feira, 10 de outubro de 2023

Só a Misericórdia pode trazer a Paz



A estratégia do Hamas é simples. Sabendo que não tem qualquer hipótese de derrotar Israel pelas armas, leva a cabo um ataque brutal, ultrapassando todo os limites que seja possível imaginar. Sabem bem que este ataque levará Israel a uma resposta brutal, que será potenciada pelo facto do Hamas montar os seus covis em prédios, escolas e hospitais. A resposta judaica evidentemente irá causar um enorme número de vítimas, para além de impor sacrifícios brutais aos palestinianos. E o Hamas sabe disso, e sabe que não vai ganhar, e sabe que o seu povo vai morrer. E não se importa. Não se importa porque agora pode fazer o papel de vítima, e vir falar de paz, e dizer que Israel está a matar civis. E haverá idiotas úteis no Ocidente que irão alinhar nessa conversa, e haverá idiotas para tentar equiparar o Hamas e Israel, concedendo a um grupo terroristas bárbaro uma dignidade que não tem, deixando a um canto os legítimos líderes da Palestina.
E o que sobrará no fim? Mortos, muitos, miséria, destruição, e mais ódio. Ainda mais ódio.
Quebrar o ciclo do ódio não é fácil, mas é urgente. Nas últimas décadas já demasiadas atrocidades foram cometidas na Terra Santa para podermos falar em justiça. Todos os lados em conflito (sim, há mais de dois), tem queixas justas e cometeram injustiças. A única hipótese para a paz é a misericórdia e o perdão. Sem isso, continuaremos neste círculo vicioso onde o terrorismo palestiniano alimenta a violência israelita, onde o medo leva a impor muros e separações, onde gerações inteiras continuam a crescer na sombra da guerra e da violência.
Aquilo que espera a Terra Santa nos próximos tempos é a guerra. Rezemos para que que a paz venha tão rapidamente quanto possível.

quinta-feira, 14 de setembro de 2023

Na Exaltação da Santa Cruz.


Hoje é dia da exaltação da Santa Cruz, uma das mais misteriosas festas do cristianismo. O normal é festejar as grandes vitórias, como o nascimento ou a ressurreição. Mesmo o sacrifício, mesmo sendo um momento de derrota, é razoável celebrar: o amor e a coragem de quem se oferece pelos outros. Mas hoje celebramos a próprias Cruz. Celebramos o instrumento da tortura do Nosso Salvador.

Exaltamos a cruz, porque foi o sofrimento que Jesus nela sofreu que redimiu os nossos pecados. A cruz lembra-nos que a morte, a dor, o sofrimento, não têm a última palavra. Nem o mais atroz sofrimento, nem a mais flagrante injustiça, nem o drama mais esmagador têm a palavra definitiva. O sofrimento, a dor, a injustiça, a morte, entregues a Deus são possibilidade de redenção. É no maior sofrimento, totalmente despojados de todos os confortos do mundo, que podemos imitar verdadeiramente a Cristo e entregarmo-nos totalmente nas mãos de Deus.

Nada disto é fácil, nem imediato. O Padre João Seabra, que hoje faria 74 anos, explicava na última homilia que fez no dia dos seus anos: “A vida toda não chega para perceber isto, para começar a perceber isto: começar a perceber o bem que há para nós na derrota, no fracasso, no insucesso, nos tormentos, na morte. É este o significado desta festa: aprendermos a amar as circunstâncias em que Deus nos ama, e deixarmo-nos amar por Deus como Deus nos ama.”

O Padre João foi para nós, foi para mim, um claro testemunho da liberdade que só é possível na Cruz. Na liberdade a quem mais nada resta do que o Senhor. Por isso esta festa é tão importante: para vivermos com os olhos na Cruz na qual fomos, e continuamente somos, redimidos.


segunda-feira, 31 de julho de 2023

Um guia para fake news sobre a Jornada Mundial da Juventude

 



Com o aproximar das Jornadas, o número de disparates sobre as mesmas nas redes sociais (e mesmo na comunicação social) começa a disparar. Por isso, para poupar trabalho, preparei uma lista de, para usar linguagem corrente, fake news que por aí correm. Sintam-se livres de a usarem da forma que vos aprouver.

 

1. Porque é que as Jornadas são em Lisboa que já está cheia? Deviam fazer em Fátima ou em Beja.

Este é dos disparates mais repetidos desde que foi anunciado que a JMJ seria em Lisboa. A primeira, e óbvia razão, pela qual as JMJ são em Lisboa é porque a escolha é feita pela Santa Sé, de entre as dioceses que se oferecem para acolher o evento. Por isso, a JMJ não é em Fátima nem em Beja, antes de mais, porque estas não mostraram interesse em recebê-la.

A maior parte das pessoas não compreende que a Igreja é uma instituição descentralizada. Os bispos de cada diocese só respondem ao Papa.  Por isso não foi a Igreja portuguesa que decidiu onde seria a JMJ, foi a Igreja de Lisboa que se ofereceu para a receber.

Mas há uma segunda razão, também bastante evidente: nem Fátima, nem Beja, nem provavelmente outra cidade do país, tem capacidade para acolher este evento. As Jornadas duram uma semana, com 4 eventos com centenas de milhares de pessoas (o último provavelmente com mais de um milhão), 300 catequeses por dia, e centenas de concentos, conferências, sessões de cinema, teatros, competições desportivas, etc. Razão pela qual a JMJ não acontece apenas em Lisboa, mas envolve também os concelhos do distrito, assim como concelhos dos distritos de Santarém e Setúbal.

 

2. O Estado vai gastar imensos milhões e a Igreja não vai gastar nada!

Está estimado que a JMJ custe no total 160M de euros. Mais de metade desse valor é assegurado pela Igreja.

O Estado Central vai entrar com 30M. Desse valor, 8,2M serão para remover os contentores do terminal. Uma obra que já estava prevista (tal como aliás a reconversão do Parque Tejo, de que falarei depois). Para além disso, o Estado garante as infraestruturas das comunicações, instalações sanitárias, segurança e a promoção do evento no estrangeiro. Ou seja, os gastos do Estado dividem-se entre aqueles que são os seus deveres habituais (segurança, saúde, etc) e a promoção da JMJ no Estrangeiro, ou seja, promover Portugal através do Evento.

A Câmara de Lisboa vai gastar 35M, dos quais 21,5 são para a requalificação do Parque Tejo. Esta obra que fica para a cidade é “atribuída” às JMJ, mas de facto é a obra que completa a reabilitação da frente ribeirinha de Lisboa. Aliás, também dos 10M que a Câmara de Loures vais gastar, mais de 5M são para este mesmo fim. Ou seja, dos 80M de dinheiros públicos, mais de 35M são de facto para requalificação urbana.

Para além deste gasto, parte dos gastos das câmaras prende-se com a higiene urbana, transporte e organização do trânsito. Ou seja, é verdade que o Estado cobre quase metade do custo da JMJ, mas grande parte desse investimento é em requalificação urbana e nas funções habituais do poder público quando recebe um grande evento.

3. O Estado é laico, não devia dar nem um tostão para um evento religioso

O Estado não tem religião, mas não vive desligado da sociedade. O Estado habitualmente apoia de várias formas eventos de relevância social e cultural. Aliás, ainda há pouco tempo houve grande fúria social porque a Câmara do Porto não apoiava o suficiente a marcha do alfabeto.

A JMJ é um evento que irá atrair centenas de milhares de todo o mundo, será coberto por cinco mil jornalistas, e será seguido por 500 milhões de pessoas em todo o mundo. Para além do empenho de milhares de católicos em Portugal. Que o Poder Público apoie o evento não é normal, como é bastante razoável, se pensarmos na publicidade que a JMJ dará a Portugal.

 

4. Mas era preciso gastar tanto? Jesus falou no alto de uma montanha!

Há uma passagem da Escritura de que sempre gostei especialmente. Uma mulher aproxima-se de Jesus e derrama sobre os seus pés um perfume caríssimo. Logo Judas se revolta, dizendo que podia ter dado aos pobres. Ao que Nosso Senhor responde “pobres sempre os tereis”. Mas logo de seguida o Evangelista acrescenta “Judas não dizia isto porque se preocupava com os pobres, mas porque era ladrão”. Sempre que alguém começa com a conversa sobre os gastos da Igreja, lembro-me deste comentário de São João.

Basta fazer contas de merceeiro para perceber que cada peregrino custa cerca de 13€ (160M – 30M de infraestruturas para o país /1 000 000 de peregrinos). Ou seja, a organização da JMJ consegue organizar 4 eventos gigantescos, 1200 catequeses, centenas de eventos, dormida e comida para 300 000 pessoas, segurança, transportes, e tudo o mais por 13€. Pensem o que se faz com 13€ e vejam lá se é caro…

 

5. Mas cada peregrino paga mais de duzentos euros, a Igreja vai fazer uma fortuna!

Mais um mito que nunca ninguém vai confirmar. Para os peregrinos que se inscreveram na JMJ (para ter seguro, o kit peregrino, acesso aos transportes, alimentação, estadia, etc.) havia um preço que variava conforme o pacote escolhido (a escolha ia desde a simples inscrição só com kit, transportes e seguro para o fim-de-semana) até ao pacote completo (com tudo incluído durante a semana).

Por isso, de todos os peregrinos, só uma pequena fatia paga os tais duzentos euros. E esses recebem em troca uma estadia com tudo pago em Lisboa durante uma semana.

Como disse acima, a Igreja entra com mais de 80M de euros na organização da JMJ. Parte dessa receita vem destas inscrições. Mas como qualquer pessoa pode calcular, duzentos euros para dormida, transportes e comida durante uma semana é bastante abaixo do preço real.

Contudo, a Fundação JMJ já anunciou para que instituições irão os eventuais lucros da JMJ. Relembro que as contas da Fundação são auditadas pela PWC, umas das maiores consultoras do mundo…

 

6. A Expo e o Euro foram maiores!

A primeira coisa é que a JMJ não é um concurso para ver qual o maior evento do mundo. Somos os que somos pela Graça de Deus e que a Sua Graça em Nós não seja vã.

Dito isto, a Expo 98 (da qual todos nos orgulhamos) teve uma média de 63 mil visitantes por dia. Ou seja, muito menos pessoas que em qualquer dia das jornadas, provavelmente quinze vezes menos pessoas que estarão na Vigília e na Missa de Encerramento das Jornadas. Para além disso, a Expo estava toda concentrada num só sítio.

Quanto ao Euro de facto há um aspecto em que vence a JMJ em toda a linha: o Estado gastou quase mil milhões de euros no evento, depois disso há câmaras que continuam a suportar custos elevadíssimos com os estádios passados quase 20 anos (como Braga e Coimbra), tudo para um retorno de 440 milhões de euros (para relembrar o Estado vai gastar nos total 80M na JMJ e há um retorno esperado de mais de 400M).

Mas se o Euro supera largamente as Jornadas em custos, em espectadores não. O evento durou quase um mês, em dez cidades do país, e atraiu 1 250 000 pessoas ao todo.  A JMJ apenas numa semana irá trazer só a Lisboa entre 1 a 1.5 milhões de pessoas.

 

7. Disseram que vinham milhões de peregrinos e afinal só vêm 300 mil

Já vi esta várias vezes, sempre com ar convicto. O primeiro ponto é que nunca ninguém falou em milhões, mas sempre entre 1 a 1,5 milhões de peregrinos. Previsão que aliás se mantém.

Trezentos mil é o número de peregrinos inscritos. Mas esses são apenas uma parte dos que vêm. Este número não difere muito do número de inscritos de outras JMJ onde estiveram mais de um milhão de peregrinos. Por isso sim, contem com muita, muita gente em Lisboa.

 

8. Os confessionários foram construídos por trabalho escravo

Esta mentira já deu direito a cartazes na rua e tudo. Mas é uma treta. É verdade que houve 120 confessionários que foram feitos por presidiários. Mas claro que o trabalho foi voluntário e pago. Aliás, vale a pena ler este artigo no site da JMJ onde os presidiários falam sobre este trabalho e perceber como esses homens são muito mais livres do que as pessoas que espalham mentiras sobre o seu trabalho.

 

9. Estão a expulsar os sem-abrigo por causa da JMJ

Esta talvez seja a mentira mais abjecta destas JMJ. Tudo começou com um vídeo editado, onde se viam uma equipa de limpeza da Câmara, assim como equipas de intervenção social da Junta de Freguesia de Arroios e da Câmara, numa acção de limpeza da Almirante de Reis, enquanto vários sem abrigo retiravam as suas tendas.

Logo se espalhou o boato de que aquelas pessoas estavam a ser expulsas. Boato alimentado pela comunicação social e por vários comentadores de esquerda.

O alvo não era a JMJ em si, mas sim Carlos Moedas. Mas, como era facilmente verificável, era mentira. Tratava-se apenas de uma limpeza da rua, o que é feito habitualmente, que é acompanhada pelas equipas sociais para tentar apoiar os sem abrigo que ali vivem. Finda a limpeza as tendas voltaram, e infelizmente ainda lá estão.

Não deixa de ser impressionante ver tanta gente a defender que pessoas a dormir em tendas no meio a cidade é uma coisa. Percebe-se de facto o grau de preocupação com aqueles sem abrigo…

 

10. Porquê em Agosto? E ainda por cima fizeram lá o parque sem árvores!

A JMJ são sempre em Agosto por um razão simples, e que até me parece fácil de perceber: é quando os jovens estão de férias! Penso que não é preciso ser especialmente informado para compreender que um evento dedicado a jovens de todo o mundo durante uma semana, tem que ser fora do período de aulas….

Sobre as árvores, ou a falta delas, também não consigo perceber a dificuldade: um milhão de jovens a tentar ver o Papa, de facto tem de ser num descampado. Mas para aqueles que vivem preocupados com o sol a bater na moleirinha dos jovens, não se preocupem, todos sabem que é assim. O banho com as mangueiras dos carros dos bombeiros é um clássico da JMJ pelo menos desde Roma 2000, e ninguém vem ao engano.


Haverá mais tretas e boatos sobre a JMJ por aí. Estes foram os que fui ouvindo mais. Espero que esta lista ajude a poupar trabalho e assim possam aproveitar este enorme espctáculo de Graça que são a JMJ. Para mim, que desde sexta-feira comecei a trabalhar na JMJ, tem sido comovente ver tantos jovens tão felizes e esperançosos. E ainda nem começou. Por isso, o melhor remédio perante as fake news contra a JMJ é mesmo ligar pouco, e aproveitar a beleza destes dias!


domingo, 9 de julho de 2023

JMJ: uma oportunidade de conversão

 


A Jornada Mundial da Juventude é um acontecimento extraordinário. Participei em duas (em Colónia e em Madrid) e não conheço nada que se pareça. São ruas e ruas cheias de jovens em festa, de todas as partes do mundo. Miúdos de todo o mundo, com uma enorme diversidade de gostos, de dons, de carismas. E essa diversidade expressa-se nas catequeses, nas exposições, nos concertos, nos milhares de eventos que acontecem durante a semana que culmina com a Vigília e a Missa de Encerramento com o Papa.

Toda esta multidão de jovens na rua são um espetáculo extraordinário. E tudo isto se passa numa serenidade, numa alegria, numa paz que não é habitual numa multidão tão grande.

Mas para que se faz a JMJ? É que organizar um evento assim dá uma enorme trabalheira a milhares de pessoas. Já não falo do dinheiro gasto, mas dos milhares de pessoas que dão o seu tempo pela JMJ. Tudo isto para quê?

A resposta é dada por São João Paulo II logo na primeira JMJ - “A Jornada Mundial da Juventude significa precisamente isto: sair ao encontro de Deus, que entrou na história do Homem através do Mistério Pascal de Jesus Cristo. E Ele quer encontrar-vos primeiro a vocês, jovens. E a cada um quer dizer: segue-me!”

A JMJ não é apenas um belo encontro de jovens, um mega-acampamento de Verão, um festival para meninos bem-comportados. Nem sequer um encontro de jovens bem-intencionados que quer mudar o mundo. Isso, a acontecer, é tudo consequência. A JMJ, como tudo aquilo que a Igreja faz, existe para testemunhar Cristo presente.

Por isso, a grande beleza da JMJ é a oportunidade de conversão que oferece a cada um. Ou seja, a oportunidade de responder ao convite de Cristo: segue-Me!

Tudo o resto é manifestação da conversão a Jesus. Toda a beleza, toda a alegria, toda a felicidade que se vive na JMJ são manifestação do encontro de Cristo. E existem para que cada um que peregrina até à JMJ tenha a oportunidade de converter o seu coração Àquele que é fonte de toda a Beleza, de toda a Alegria e da Felicidade Eterna.

Eu sei que atualmente as pessoas não gostam de falar de conversão. Vivemos no tempo do relativismo, onde dizemos que tudo é igual. Mas eu não posso acreditar que Jesus é Deus feito carne e depois não desejar que os outros o conheçam. Se eu encontrei Aquele que responde a todas as exigências do meu coração, como posso querer que os outros não o conheçam? Para um cristão não desejar a conversão dos outros só pode ser uma de duas coisas: ou falta de caridade ou falta de fé! Ou não desejo o bem do outro, ou não acredito que Jesus é quem diz que É.

A JMJ, em toda a sua grandeza, é assim uma oportunidade única de obedecer ao mandato evangélico que Jesus nos deixou “ide por tudo o mundo e anunciai o Evangelho”. É evidente que daqui até à JMJ, e durante a própria Jornada, haverá coisas que nos incomodam, com as quais não concordamos. Iremos ouvir os maiores disparates, e uma tentativa de reduzir este ímpeto de São João Paulo II a uma experiência mundana, tornando a Igreja numa ONG. Mas não desperdicemos esta oportunidade. Esta oportunidade ante de mais para nós, que vivemos em Portugal. Oportunidade de conversão do nosso coração a Jesus, que se manifesta neste povo imenso que vai encher Lisboa. Mas também a oportunidade de anunciar Jesus a centenas de milhares de jovens.

A Igreja é uma realidade divina, que vive numa realidade humana. Uma realidade humana cheia de limites e imperfeições. Não nos deixemos por isso chocar com os limites alheios, venham de onde vierem, e coloquemos o olhar em Cristo.

Como nos ensinou São João Paulo II, não tenhamos medo de escancarar as portas a Cristo.

segunda-feira, 26 de junho de 2023

A escravatura do Orgulho

 


A direita-conservadora vive fixada nesse espantalho que é o marxismo-cultural. Ou seja, vive fixa na ideia de que uma filosofia falhada e derrotada no século XX é a principal ameaça cultural do nosso tempo.

Não digo que partes da teoria marxista, sobretudo a adaptação da luta de classes à luta interseccional, não influencie os grandes debates culturais do nosso tempo. Mas o problema mais dramático da cultura contemporânea não é o marxismo, mas o liberalismo individualista.

Vivemos hoje no primado do individualismo, onde o Homem é aquilo que diz sobre si mesmo, onde a realidade não interessa, apenas interessa aquilo que eu digo. Um tempo onde toda a sociedade tem de aceitar aquilo que eu digo sobre mim e tudo aquilo que se opõe à minha ideia sobre mim mesmo é uma agressão.

Isto é especialmente vivível na causa LGBT, que vai acrescentando sempre mais letras, de forma a acomodar cada vez mais “identidades”. O Homem passou a ser definido pelas suas atracões e pela sua sexualidade, deixando de ser filhos de Deus para ser filhos da moda, da sociedade, filhos de si mesmos.

E esta maneira de olhar para a sexualidade, centrado em si mesmo, afirmando que tudo o que me sacia sexualmente é válido (excepto o que for crime, então aí é preciso mudar a lei) e que qualquer opinião que diga o contrário é repressiva, é profundamente anti-humano. Esta visão da sexualidade, centrado apenas nos meus gostos e necessidades, significa reduzir o outro a um mero objecto de prazer. O individualismo reduz o próprio a uma criança mimada e o resto da humanidade a objectos que existem para o meu desfrute.

O resultado está à vista, apesar de toda as promessas de libertação sexual que há de trazer a felicidade à humanidade, finalmente livre de barreiras da moral, temos uma sociedade cada vez mais infeliz, cada vez mais incapaz de se relacionar, cada vez mais violenta, cada vez mais depressiva.

Por isso é especialmente preocupante ver a Igreja alinhar nesta mentalidade. A Igreja sempre afirmou com clareza que o Homem não é definido pelo seu pecado. O Homem foi criado para Deus, e é definido pela Graça de Deus. E por isso a Igreja a todos acolhe como Mãe, no convite contínuo a aderir a Cristo. Por isso a Igreja sempre falou com pessoas com tendências homossexuais, não permitindo que a sexualidade de uma pessoa a definisse.

Infelizmente, são cada vez mais os documentos que falam de pessoas LGBT (com mais ou menos letras), como se a sexualidade de uma pessoa definisse quem ela é. Como se de repente, houvesse uma classe à parte, diferente de pessoas, a quem o convite de Cristo a segui-lo não se aplicasse completamente, por causa da sua sexualidade.

Esta falsa misericórdia não é acolher ninguém, não é respeitar ninguém, pelo contrário, é reduzir pessoas iguais a mim a uma única dimensão da sua vida. No fundo, mesmo que não seja essa a intenção, é dizer que às pessoas com tendências homossexuais, ou que não se identifiquem com o seu sexo, de alguma forma, não lhes é oferecido o mesmo que é oferecido a mim.

Isto porque a moral sexual da Igreja não é um menos, não é uma obrigação, é uma graça. É uma forma mais Humana, mais bela, mais plena de se viver. Tratar uma pessoa apenas de acordo com o que diz sobre si, e não de acordo com aquilo que Deus diz sobre ela, é recusar a essa pessoa a dignidade de criatura de Deus. E isso não é dramático apenas para a sociedade, é dramático sobre para essas pessoas, a quem a Igreja recusa a Graça de Deus em troca de uma ideologia mundana.

 O mês de Junho, mês do Sagrado Coração de Jesus, mês dos Santos Populares, transformou-se no mês do Orgulho. E orgulho é o que mais define esta sociedade, onde o Homem recusa a paternidade Divina, e prefere-se criar à sua própria imagem e semelhança. O movimento LGBT não defende ninguém, nem promove qualquer igualdade, apenas ajuda a impor a escravatura do individualismo egoísta. Que o poder do mundo, vergado por esse individualismo, alinhe sem reserva nesse discurso não me espanta (embora me dê pena). Mas a Igreja tem o dever de ser Luz do Mundo, e de continuar a afirmar a Liberdade dos filhos de Deus num mundo de escravos do orgulho.

sexta-feira, 9 de junho de 2023

Em defesa da Europa Cristã

 


Ontem um homem sírio atacou crianças com uma faca num parque infantil em França. Um acto tão cobarde e monstruoso como este não pode deixar de revoltar qualquer um. Atacar crianças é a maior perfídia que consigo imaginar.

Este ataque voltou a levantar a questão da migração em massa de África e do Próximo Oriente para a Europa. Em Portugal o Chega já fez questão de alertar para o perigo que todas as crianças correm em todos os parques infantis por causa da imigração em massa.

Eu também concordo que a política de imigração da União Europeia é má. Má não apenas para os países europeus, mas também injusta para os imigrantes, que acabam na maioria das vezes abandonados e explorados nos países que os recebem. E também acho que há uma falta de clareza na diferença entre migrantes e refugiados. Pior, a União Europeia aposta numa falsa política de portas abertas, que ajuda a alimentar redes de tráfico e máfias, sem ter capacidade de dar respostas às pobres almas que procuram refúgio na Europa. E o resultado está à vista no cemitério em que se transformou o Mediterrâneo e no inferno em que Lesbos se tornou.

Por isso, se a política da extrema-esquerda, das falsas portas abertas, que só conduzem à miséria e à revolta dos migrantes, é uma ilusão, a resposta da extrema-direita, de tornar a Europa numa fortaleza fechada, também não me satisfaz. Porque em nome de uma falsa segurança das crianças europeias, estão dispostos a deixar morrer crianças não europeias no fundo do mar, ou às mãos de senhores da guerra, ou exploradas por uma qualquer máfia. A preocupação da extrema-direita não é com as crianças, nem com as mulheres, nem com os homens. A preocupação da extrema-direita é apenas com as pessoas da cor certa.

E pelo crime de um, querem fazer pagar milhões. Porque não exigem de facto uma resposta ao drama que hoje se vive nas rotas do Mediterrâneo, um negócio alimentado por máfias e senhores da guerra, à custa de milhões de inocente. Não pedem um combate eficaz ao tráfico humano, políticas de apoio ao desenvolvimento dos países de origem, campos de refugiados em condições, políticas eficazes de emigração. Só querem culpar um inimigo externo, demonizá-lo, e unir as massas à sua volta. Ou seja, querem força eleitoral, à custa de uma multidão de pobres e explorados.

Recuso que o preço da minha segurança seja a morte de milhares de crianças, só porque nasceram no continente errado. Sim, a Europa tem que encontra respostas a esta crise, mas não à custa de inocentes cujo único crime foi nascer no país errado.

Parte da extrema-direita vocifera contra os migrantes e refugiados em nome dos valores cristãos. Ignorando que se o primeiro mandamento é amar a Deus sobre todas as coisas, o segundo é em tudo igual a este: amar o próximo como a ti mesmo.

Uma Europa fechada sobre si mesmo, afogando-se na riqueza criada pela exploração do resto do mundo, uma Europa que ignora o grito de desespero vindo de África e do Próximo Oriente, será muitas coisas. Será herdeira de Roma e de Atenas. Será herdeira do Alemanha pura e da União das Repúblicas Soviéticas. Aquilo que não é seguramente, é cristã.

Dou graças a Deus por nascido na segurança e na abundância da Europa. E ainda mais agradecido por ter nascido numa sociedade herdeira do cristianismo. Sei bem que isso comporta riscos, mesmo assim incomparáveis a atravessar o Mediterrâneo num bote de plástico. E não estou disposto a abdicar desta herança por uma falsa sensação de segurança.

sábado, 3 de junho de 2023

Padre João Seabra - "Resta-me a minha vida dada a Deus."



Faz hoje um ano que o Senhor chamou a si o Padre João Seabra. Tive a graça de o poder acompanhar toda a minha vida. Com a sua pregação, com os seus conselhos, com os seus ralhetes, com a sua caridade, enfim, com toda a sua paternidade aprendi a amar a Cristo e à Igreja.

De todas as maravilhas de que fui testemunha por ter a graça de estar perto do Padre João, o que mais me comoveu e edificou foi a forma como viveu os seus últimos anos, os anos da doença.

Porque na sua doença confirmou de maneira clara aquilo que foi toda a sua vida. Quando as forças lhe começaram a faltar, quando a voz desapareceu, deixou de conseguir de ser o pregador exímio, o professor que ensina com autoridade, o mestre que corrige com exigência, o construtor de igrejas e de escolas, o trabalhador imparável da vinha do Senhor. Mas foi sempre o Bom Pastor, que dava a vida pelas suas ovelhas. Como São Pedro: “quando eras novo, tu mesmo te arranjavas e ias para onde querias. Mas quando fores velho, estenderás os braços, outro te há de vestir e levar para onde não queres.”

Quando a doença o despiu de todas as glórias mundanas, brilhou de forma ainda claro a única coisa que realmente lhe interessava: Cristo! Na sua doença a glória do mundo foi-se desvanecendo, mas a Glória de Deus brilhou de forma cada vez mais clara. O Senhor deu-lhe a sua cruz, e ele, como bom discípulo do Seu mestre, subiu à cruz com alegria.

Como afirmava o Padre João na sua última homília na Paróquia da Encarnação:

«Então o que é que me resta?
Resta-me a minha vida dada a Deus.
Como no primeiro instante.
A minha vida dada a Deus, para que Ele disponha.
Para que a utilidade a atribua Ele
e não a minha interpretação de mim próprio,
nem a ideia que os outros fazem de mim.
Mas Ele.
Na utilidade da vida que não tem outro propósito senão servi-lo
e oferecer-se por Ele
e dar-se por Ele.
Como Ele fez por mim.»

Que o Padre João, junto de Deus e de Sua Mãe, que tanto amou, continue a guiar o povo que o Pai lhe confiou.

quarta-feira, 17 de maio de 2023

O Rei vai nu!




No conto infantil O Rei vai nu, há uns trapaceiros esperto que convencem o rei que lhe fizeram uma roupa com o mais belo tecido do mundo, mas só pode ser visto por pessoas sábias. O rei não via tecido nenhum, mas como não queria passar por burro, apreciou a sua nova roupa inexistente e “vestiu”. Logo todos os cortesões, também eles com o medo de serem rotulados de incultos, apreciaram a nova roupa do Rei, quando este se lhes apresentou de ceroulas. Quando o rei se foi mostra ao povo, também este, querendo parecer sábio, aclamou a maravilhosa veste real. Até que uma criança gritou “o rei vai nu!” e a farsa acabou, percebendo todos que tinham sido enganados pelos trapaceiros.

Cada vez mais, quando oiço discursos sobre a ideologia de género, com construções sociológicas cada vez mais complexas, me lembro desta história. Uma sociedade que procura convencer-se a si mesmo de que a realidade não é real, que aquilo que “sentimos” é superior aquilo que é, tudo para sermos “modernos”. E no entanto, apesar de todas as teorias e sentimentos, a realidade continua a ser o que sempre foi: homem e mulher.

Tenho o maior respeito por todas as pessoas. E todas devem ser tratadas com dignidade. Mas não nos enganemos, dizer a um homem que é uma mulher não é respeitá-lo, é alinhar numa farsa igual ao dos trapaceiros da história infantil, que encontraram na corte e no povo, idiotas úteis para levar avante o seu esquema. Um homem sentir-se uma mulher não o transforma numa mulher, e obrigar todas as pessoas a dizer que é uma mulher, ensinar, às crianças que é uma mulher, também não muda a realidade. E ao contrário do que acham os arautos da modernidade, preferir a realidade aos sentimentos, não é uma violência, nem um desrespeito, muito pelo contrário.

Sobre os disparates das teorias de género e o movimento alfabético, muito haveria a dizer. Mas para mim basta-me uma história infantil: o Rei vai nu! E isso não muda, por muitas cores projectadas, por muitas campanhas nas escolas, por muitas leis que aprovem, o rei vai continuar nu.

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terça-feira, 16 de maio de 2023

HEY! MINISTER! LEAVE THEM KIDS ALONE!



Um dos maiores desafios dos pais nestes tempos é a relação das crianças com a tecnologia. Por um lado, é evidente que não é possível (nem é bom) não introduzir as crianças a uma ferramenta que deverá ser essencial no seu futuro. Gostemos ou não, os nossos filhos estão a ser criados num mundo digital. Por outro, o vício nos écrans está a criar uma geração que não sabe interagir com pessoas, sem imaginação, incapaz de pensar, incapaz de resolver problemas, e cada vez mais egocêntrica.


Em minha casa, com os meus filhos que são todos pequenos, evitamos a dependência dos écrans. Os miúdos vêem televisão como é evidente, e os mais velhos já conseguem pesquisar no Youtube (que usam apenas para ver jogos antigos de futebol e montagens dos melhores golos). Para além disso, de vez enquanto lá jogam um jogo no telefone dos avós (e mesmo isso tentamos limitar ao máximo).

Sei que irão precisar de saber utilizar os gadgets modernos, mas felizmente terão tempo. Agora é tempo de montar legos, mascar-se de heróis, fazer puzzles, fazer plasticina e pinturas, e inventar jogos.

Este desafio que nós vivemos em casa, é um desafio que todos os pais actuais sentem. E que não é fácil de gerir e que vai ficar cada vez mais difícil. Seria bom e importante que a escola fosse uma aliada dos pais nesta tarefa. Que ajudasse os miúdos a crescer sem estar dependente dos ecrãns, que os ajudasse a desenvolver a razão e a imaginação sem ter que recorrer ao Google ou ChatGPT, que os introduzisse com critério, no tempo certo, ao mundo digital.

Infelizmente o génio que temos no Ministério da Educação, incapaz de arranjar professores para crianças, mas com tempo para perseguir uma família que exerce o seu direito à liberdade de educação, lembrou-se que era boa ideia que os exames de aferição fossem todos digitais. Ou seja, obrigar miúdos de 7/8 anos a fazer testes, com respostas por extenso incluídas, num computador.

Miúdos que, por força da pandemia, tem atrasos na sua educação, miúdos que durante dois anos o contacto que tiveram com a escola foi por um écran, miúdos que ainda estão a desenvolver as suas capacidades de escrita e de matemática, vão ser obrigados a fazer uma prova nacional num computador.

A razão para esta extraordinária decisão? Prepará-los para os exames do secundário. Ou seja, para prepará-los para exames que vão ser feitos daqui a 8 ou 9 anos, vamos já colocar crianças pequenas a depender de écrans.

Já não falo de todo o pesadelo logístico que isto significa para as escolas. Mas como pode passar pela cabeça de algum educador que é boa ideia por crianças de 7/8 anos agarrados a um computador? Como é que quando os pais lutam cada vez mais para manter os miúdos afastados dos écrans, há todo um ministério que acha boa ideia obrigá-los a trabalhar num computador!

O meu filho mais velho, que é um bom aluno e sempre cumpridor, vai fazer provas de aferição. E será a primeira vez que irá mexer num computador. Já lhe expliquei que não se preocupe, que os pais não estão nada preocupados com este exame e que ele faça o que conseguir. Felizmente está numa escola que o educa realmente, e que se recusou a perder tempo essencial para educar crianças do segundo ano a prepará-los para este disparate.

Mas tenho consciência que a sorte que eu tenho de conseguir, embora com enorme sacrifício pessoal, escolher a escola dos filhos é um privilégio que pouco têm em Portugal. A esmagadora maioria dos miúdos está entregue aos tontos da 5 de Outubro, que olham para as crianças como cobaias educativas.

quarta-feira, 29 de março de 2023

Crucifiquem-nos!



O homem que atacou o Centro Ismaili não era imigrante, era refugiado. Não entrou em Portugal por causa da política de imigração, mas com estatuto de refugiado. Foi um dos milhares de afegãos que fugiram do brutal regime imposto pelos Taliban no seguimento da vergonhosa retirada americana.

Ou seja, mesmo que Portugal tivesse uma política mais restritiva de imigração (e é um debate que vale a pena ter), em nada teria mudado o que aconteceu ontem. Para evitar que o atacante entrasse em Portugal o país precisava de recusar acolher refugiados em fuga de uma ditadura sanguinária.

Portugal tem recebido nos últimos anos dezenas de refugiados: iraquianos, sírios, afegãos e mais recentemente ucranianos. Pessoas que foram obrigados a deixar as suas casas para fugir à guerra e à morte. Uma dessas pessoas cometeu um crime horroroso.

Vejo por aí que há quem considere que a solução para este crime horroroso é expulsar todos os refugiados, ou não permitir a sua entrada no país. Pelo crime de um homem, Portugal não deve ser um porto seguro para quem foge da guerra, da violência e da morte.

Claro que não há nenhum dado que sugira que Portugal seria mais seguro sem acolher refugiados, mas isso não interessa. Porque aquele homem era refugiado, e por isso todos os que são como ele devem pagar o preço do seu crime. Dezenas de inocentes não devem receber qualquer apoio nosso para expiar a culpa daquele homem.

Aproxima-se a Páscoa, o tempo em que um só homem expiou a culpa de todo um povo. Nos nossos dias inverte-se a Páscoa, e pede-se que todo um povo expie a culpa de um só homem.