quarta-feira, 29 de abril de 2020

Covid-19: Cristo ou o nada.




Nada é mais insuportável ao homem contemporâneo do que descobrir que não é completamente autónomo, independente. Vivemos num tempo em que o homem tem a pretensão de ser senhor de si mesmo, de controlar tudo. Sou eu que me faço: decido o meu sexo, afasto a velhice, escolho quando morro, quantos filhos tenho. Rejeito toda a autoridade moral ou filosófica, sendo eu único árbitro do certo e do errado. A pretensão humana de autonomia chega ao cúmulo de querer controlar o clima!

Evidentemente esta pretensão é ridícula. O homem contemporâneo é como a criança pequena que veste a roupa de adulto e brinca aos crescidos. Por muito bem que imite a mãe ou o pai, a verdade é que não deixa de ser uma criança que corre para os pais quando esfola o joelho! O Homem por muito que faça de Criador continua a ser sua criatura.

A pandemia da Covid-19 veio por a nu a fragilidade desta pretensão. De repente o homem contemporâneo viu todo o seu mundo suspenso. E não foi algo que aconteceu nos países pobres e subdesenvolvidos, mas que paralisou as nações mais poderosas do mundo. De repentes os senhores do mundo viram-se desarmados diante de algo tão velho como o mundo: uma praga. E a verdade é que todo a ciência, todo o desenvolvimento, toda a riqueza foram incapazes de derrotar a praga. A única coisa que pareceu resultar foi ceder: fechar-nos em casa e esperar que passe! O homem omnipotente viu-se reduzido a cativo de um simples vírus.

E é este facto que aterrorizou o mundo. Não o vírus em si: tantas doenças que matam muito mais que a Covida-19! O que realmente assustou a nossa sociedade foi defrontar-se com a ideia que não depende apenas de si. Que é impotente. Que a realidade está acima da nossa capacidade.

Há uma tentativa de responder como se tivéssemos controlo da situação. O patético #vaitudoficarbem é disso sinal: claro que não vai tudo ficar bem e que ninguém ainda sabe como isto vai acabar. Há pessoas a morrer, a economia mundial está arrasada, não sabemos que acontecerá se isto chegar a países pobres. Dizer que vai tudo ficar bem não passa de uma mentira piedosa, como dizemos tantas vezes às crianças para que não se assustem quando há um perigo. Depois temos também o zelo pelo confinamento, a tentativa desesperada de nos convencermos que de facto há algo que podemos fazer para derrotar a praga. Claro que a prudência é uma coisa boa, mas também é claro que o confinamento quanto muito atrasa o ritmo de contágio, mas não vai resolver o problema.

Estas respostas procuram apenas esconder o problema central desta pandemia, que é também o problema central do Homem, e que procuramos ignorar: nós não controlámos a realidade, nós não somos senhores do destino, nós somos apenas criaturas dependentes.
E é essa dependência que tanto assusta. Porque o Homem contemporâneo, que enterrou Deus, ao descobrir-se dependente, crê estar dependente da natureza, das circunstâncias, do destino. É dependente do nada. Isso aterroriza. É voltar aos tempos do paganismo, que adorava a natureza caprichosa que não compreendia e que temia. Aos pagãos que ofereciam sacrifícios para aplacar os deuses e ter boas colheitas ou vitórias na guerra. Esta ideia é de facto sufocante.

Há contudo uma alternativa: «Olhai as aves do céu: não semeiam nem ceifam nem recolhem em celeiros; e o vosso Pai celeste alimenta-as. Não valeis vós mais do que elas? Qual de vós, por mais que se preocupe, pode acrescentar um só côvado à duração de sua vida?» A Fé é a resposta a esta dependência. Ao contrário do que hoje se costuma dizer, a fé não é um sentimento, nem algo irrazoável. A Fé é a resposta mais razoável ao drama humano. Porque só há duas alternativas Deus ou o nada. E quem olhando para o mundo, quem olhando para tanto de extraordinário no mundo, pode razoavelmente dizer que somos fruto do nada?

Cristo não é uma mera figura histórica, não é um mestre. Cristo oferece-se como resposta ao drama humano. O cristianismo não é um estilo de vida, não é um método de coaching, não é uma forma de superação, mas o encontro com Aquele que responde plenamente ao Homem.

Evidentemente a Fé não resolve o problema do coronavirus. Não nos livra da doença, nem da morte. Como aliás, não cancela nada do drama humano. Mas torna-nos livres. Livres do medo que paralisa. Por isso cuidamos da saúde, cuidamos dos nossos, mas não tememos a vida, nem sequer a morte. Porque sabemos que não estamos entregues ao acaso, mas nas mãos Daquele que nos amou desde o momento da Criação.

Bem sei que para o nosso tempo as coisas que digo são estranhas. Parecem loucura. Mas há dois mil anos de santos que me acompanham. E parece-me que é mais razoável seguir os seus passos, do que a pretensão moderna de ser senhor do seu destino. Quanto mais não seja, por verificar quão rapidamente essa pretensão ruiu no ultimo mês.

terça-feira, 28 de abril de 2020

Para quê indignar-nos? São só velhos!




Muitas coisas haveria para escrever sobre o que se tem passado em Portugal durante esta pandemia. A banalização do Estado de Emergência, a crise económica, o acesso dos jovens à escola, o confinamento, e esse tema que tanto emocionou os portugueses, que foram o festejos do 25 de Abril. E todas estas coisas são importantes, e todos estes temas têm sido amplamente debatidos.

Infelizmente existe um ponto nesta pandemia que tem sido alvo de um silêncio ensurdecedor. Um silêncio que vai do Presidente da República até aos comentadores televisivos, passando pelo governo, os deputados, os partidos em geral. E é um silêncio que envergonha, porque se existe algo que devia escandalizar era este ponto. Mas infelizmente, até nas redes sociais, tão rápidas a disseminar petições e memes indignado, parece reinar o mais absoluto silêncio.
Falo da situação dos lares. Dos lares onde este vírus parece ter-se espalhado sem qualquer problema e onde a contagem de corpos se vai acumulando sem que ninguém se sobressalte. Nesta altura o número de velhinhos institucionalizados que já morreram vítimas desta praga já é bastante mais de um terço das vítimas (e já não falo dos que morreram porque, devido ao “confinamento”, não tiveram acesso a cuidados que precisavam).

Mas percebe-se o silêncio, são apenas velhos. Dificilmente irão votar, não escrevem textos dramáticos no “face”, não publicam stories no “insta”, e para além disso, não são produtivos. São apenas um fardo, despejado em lares. E os funcionários dessas instituições, sem qualquer formação médica, sem meios, sem nada a não ser o seu esforço, que cuidem deles. Testes? Sim, quando calhar (já estamos há mais de um mês em Estado de Emergência e ainda nem metade dos residentes dos lares foi testada!). Hospital? Citando a directora do Serviço de Medicina Intensiva do Hospital de Aveiro, não reúnem os critérios! (ou seja, assim como assim vão morrer).

Por estes, pelo que mais precisam, pelos que estão mais frágeis, não há músicas bonitas, correntes no whatsapp, petições enfurecidas ou mesmo uma selfie do Presidente da República. 

Não, não vai ficar tudo bem: temos velhinhos a morrer em Portugal, perante a total indiferença do Governo, do Presidente, dos partidos, da sociedade. Fossem cães a passar fome, e já estava um batalhão nas redes sociais a vociferar e seria abertura de telejornais. Mas são apenas seres humanos velhos, para quê preocupar-nos!

Esta indiferença põe a nú duas negras verdades. Primeiro o egoísmo da sociedade. Toda a conversa sobre “ficar em casa para salvar a avó” é treta. Os portugueses não ficaram em casa para proteger aqueles que são mais afectados por esta doença. Ficaram por terem medo. Os velhinhos são absolutamente descartáveis, como se pode ver pelo silêncio diante desta tragédia. Os velhos só interessam quando é para dizer mal do padre que lhes deu uma cruz a beijar ou como arma de arremesso contra os refugiados!

A segunda é que os nossos responsáveis políticos de facto vivem cada vez mais para a comunicação. Só interessa o que está na ordem do dia, o que faz sururu nas redes sociais. O 25 de Abril, os computadores para os jovens estudarem, o lay-off, os lucros dos bancos, os presos! Velhos a morrer em lares, abandonados pelo Estado? Isso não traz likes, nem dá caixas de jornais ou votos nas urnas. Logo, para quê preocupar-nos?

Há uns anos ouvi o professor Henrique Leitão dizer que hoje em dia o único limite que o poder conhece é a indignação popular. Infelizmente as massas preferem indignar-se com o 25 de Abril e com os presos. E assim os nossos mais velhos vão morrendo, silenciosamente, esquecidos, transformados em número nas estatísticas da DGS.

quarta-feira, 22 de abril de 2020

O Patriarca de Lisboa e a celebração do 25 de Abril

1. A decisão de fazer uma sessão comemorativa do 25 de Abril na Assembleia da República é um disparate digno do autismo da nossa esquerda. Se em tempos de guerra, em que o povo é mandado para a frente de batalha, e os que não vão têm que trabalhar para manter a guerra, em tempos de pandemia o que é pedido ao povo é que fique em casa e saia só na estrita medida do necessário. Por isso se em tempo de guerra os deputados devem dar o exemplo indo ao parlamento, mesmo que correndo perigo, em tempo de pandemia o exemplo que há a dar é só ir ao parlamento na medida estritamente necessária. Uma democracia madura não precisa de festa na Assembleia da República para festejar a liberdade, deve usar essa liberdade que festeja para dar o exemplo ao povo, ficando em casa até num dia essencial do regime.

Insistir em festejar o 25 de Abril na Assembleia da República não é um sinal de força, mas da fragilidade do regime. Do regime que se vai pavonear, entre pares, enquanto o povo faz sacrifícios pelo bem comum. Das figuras do regime que se celebra a si mesmo, enquanto médicos, enfermeiros, cuidadores, funcionários dos lares não festejam com a família para cuidar de quem precisa. Dos donos de Abril, a quem pouco lhes importa os polícias que lhes guardam os portões, os motoristas que os conduzem, e as empregadas que lhes limpam o chão, para eles poderem ter a sua festa.

Por isso esteve bem o presidente do CDS em denunciar esta decisão da Assembleia da República e por ter recusado participar na celebração. Será a primeira vez que tal acontecerá.

Contudo, é preciso distinguir os titulares de um órgão de soberania, do órgão em si. Ou seja, se podemos considerar que Ferro Rodrigues é um tiranete boçal, indigno do cargo que ocupa, se podemos considerar que os deputados que decidiram manter o festejo são tontos com a cabeça cheia de palavras de ordem, há um respeito que é devido à Assembleia da República que é independente dos seus titulares. Os deputados podem merecer o meu desprezo, a Assembleia da República, enquanto órgão de soberania, enquanto órgão que representa o povo português merece respeito. Mesmo quando erra, mesmo quando os deputados tomam decisões indignas. Por isso aliás, esteve bem o CDS ao anunciar que estaria presente um deputado na sessão comemorativa do 25 de Abril.

É preciso distinguir aquilo que é política daquilo que é respeito institucional. Se politicamente é condenável a celebração do 25 de Abril, institucionalmente é uma decisão da Assembleia da República.

2) Foi hoje noticiado que o Patriarca de Lisboa iria estar presente na sessão comemorativa do 25 de Abril na Assembleia da República. Logo começou o habitual coro de indignados, sobretudo católicos, contra o Patriarca. Todos apresentaram muitas boas razões para o Senhor Patriarca não participar em tal sessão. O problema é que todas essas razões, por muito boas que sejam, são razões políticas. E a Igreja, que o Senhor Patriarca representa, não faz política.

Eu bem sei que há muito boas razões para estar contra esta sessão (como aliás enunciei em cima) e mais razões ainda para um católico estar contra este governo e contra a actual maioria parlamentar (que há dois meses aprovou a morte a pedido). Mas tudo isso é um cálculo político, que não é o cálculo da Igreja.

A Igreja existe para salvar as almas. Os bispos não existem para afirmar uma agenda política, mas para anunciar Cristo. Evidentemente que a Igreja está no mundo, e por isso os Bispos devem-se pronunciar sobre política: quando estão em causa questões que violam a dignidade humana, a moral, ou a liberdade dos cristãos. E têm-no feito, sem medo, tantas vezes. Na questão dos colégios com contrato de associação, na Ideologia de Género, na Eutanásia. Mas não devem fazer política. Os bispos educam, cabe aos leigos fazer política.

A relação da Igreja com o Estado não deve ser política, mas institucional. O Patriarca de Lisboa sempre foi convidado para as celebrações do 25 de Abril e quase sempre marcou presença. Não participar este ano porque discorda do modelo das celebrações é uma posição política que a Igreja não deve tomar. Isso significaria tomar pé numa discussão política (justa sem dúvida) mas que não diz respeito à Igreja. Ao Patriarca de Lisboa cabe manter uma relação institucional com a Assembleia da República.

Não é o cidadão Manuel Clemente que é convidado, mas Dom Manuel III, Patriarca de Lisboa e presidente da Conferência Episcopal Portuguesa. E se o cidadão Manuel Clemente pode achar que Ferro Rodrigues é isto e os deputados aquilo, ao Patriarca de Lisboa só cabe respeitar a Assembleia da República enquanto órgão de soberania.

Os católicos portugueses têm um defeito: são muitíssimo clericais. Querem sempre que os bispos travem as suas batalhas. Em qualquer questão política que consideram ser de “consciência” a solução é quase sempre a mesma: a Igreja devia fazer qualquer coisa. Ou seja, nós ficamos quietos a resmungar, mas queremos que os bispos façam o que nós queremos. Meus amigos, deixem-me dizer: é ao contrário! Não é ao povo que cabe educar os bispos, mas aos bispos que cabe ensinar o povo. A nós é que nos cabe depois fazer política.

Eu ao meu bispo, ao Patriarca de Lisboa, só peço que me eduque na doutrina (que faz), que me confirme na fé (que confirma), que seja testemunha de Cristo (que é), que me edifique com a sua piedade (que edifica), que presida à Igreja de Lisboa na caridade (que preside) e que me deixe fazer política (que deixa). Por tudo isto lhe devo a minha gratidão filial.

domingo, 19 de abril de 2020

Por favor não matem os velhinhos - Observador

Nos últimos tempos temos ouvido variadas vezes que esta crise do Covid-19 está a correr bem. Consigo perceber quem tem esta opinião. Tendo em conta o currículo do actual governo em situações de urgência, todos nós esperávamos o pior. Depois dos incêndios e de Tancos, pensando no estado em que Centeno deixou o SNS, é normal que os portugueses estivessem à espera dum cenário pior do queo de Itália e Espanha.
Contudo, é cada vez mais evidente que o Governo navega à vista nesta crise, sem qualquer plano. As soluções vão aparecendo aos soluços, a maior parte das vezes indo atrás daquilo que os corpos sociais já estão a fazer. Quando o governo declarou que podia requisitar os hospitais privados para combater o vírus, já estes se tinham oferecido, quando declarou que podia requisitar indústrias para redirecionar a sua produção para o combate ao vírus, já estas os estavam a fazer e quando criou a telescola já a maior parte das escolas tinham programas para poder acompanhar os seus alunos em casa. Se isto está menos mal, pouco crédito pode ser dado ao Governo por isso.
De facto, temos visto durante esta crise como, tantas vezes, teve o poder local que se substituir ao Governo. Basta pensar nos centros de testes criados no Porto, ou nos centros de acolhimento para sem-abrigos criados por Carlos Carreiras em Cascais, ou como Hélder Silva em Mafra já distribuiu máscaras por todos os seus munícipes. Uma das grande excepções é Lisboa, onde a resposta da Câmara varia entre curta e nula (o que leva alguns lisboetas a pensar se, já que temos um portuense como presidente da Câmara, não poderíamos trocar Medina por Rui Moreira).
Mas infelizmente nem com todo o esforço popular, social e autárquico é possível dizer que está a correr bem. Não quando sabemos, afirmado por Graças Freitas, que um terço dos mortos são utentes de lares. É ofensivo afirmar que esta crise está a correr bem, quando uma parte especialmente frágil da população está a ser fustigada desta maneira por este vírus. E sim, eu sei que fazem parte de um grupo de risco, mas isso é mais uma razão para serem especialmente protegidos. Infelizmente, diante desta tragédia a directora-geral da DGS nada mais faz do que culpar as instituições que não seguem as indicações!
Ou seja, perante uma doença sobre a qual pouco se sabe (relembre-se que não foi assim há tanto tempo que a própria Graças Freitas afirmou que não se transmitia entre humanos), mas que afecta especialmente os mais velhos, o Governo nada fez para proteger os velhinhos que vivem nos lares. Não há um plano, não há material, não há nada, a não ser indicações! E a directora-geral da DGS tenta explicar que a culpa é das instituições. Ou seja, daquelas instituições que não têm dinheiro, não têm condições, onde os funcionários estão isolados para apoiar os utentes e a quem o Governo nega qualquer apoio. Mas o problema é mesmo as IPSS, que não seguem as “indicações”!
É vergonhoso que o primeiro-ministro diga, sorridente, que isto está a correr bem. Não, não está. O que se passa nos lares é uma vergonha para o país. E é a face visível do abandono a que os nossos idosos estão entregues em Portugal (e ainda terão que explicar o enorme aumento de mortes desde que esta pandemia começou, comparativamente ao ano passado, por outra causas que não o vírus).
No dia 21 de Fevereiro, quando o vírus já estava à porta, a ministra da Saúde dizia que o SNS estava preparado para aplicar a eutanásia, que era uma questão de humanidade, que com certeza que se faria as adaptações necessárias. Aparentemente o Governo é capaz de preparar e fazer adaptações para uma lei que não está em vigor para permitir a morte a pedido. Só não é capaz é de tomar medidas para proteger os mais velhos. Infelizmente, é mesmo caso para dizer: por favor não matem os velhinhos.

quinta-feira, 16 de abril de 2020

Os Incríveis


O isolamento social para os pais significa, gostemos ou não, que as crianças vêm mais televisão. Eu bem sei que nós devíamos ser capazes de as entreter todo o dia com actividades lúdicas e pedagógicas que as desenvolvam. Mas entre as belas teorias educativas e a bruta realidade há uma enorme distância. Três crianças abaixo dos quatro anos em casa, pais a trabalhar, todo um dia para ocupar, inevitavelmente haverá mais televisão. E não tenciono perder a pouca sanidade mental que me resta a atormentar-me porque os meus filhos vêm mais televisão do que o último livro pedagógico da moda recomenda.

Uma das experiências mais interessantes da relação das crianças com a televisão, é que por muitos filmes e séries que tenham à disposição, eles querem sempre ver a mesma série e o mesmo filme. Todos os dias, várias vezes se preciso, os mesmo episódios se não houver nenhum novo!

Tenho a sorte dos meus filhos terem fixado a sua atenção nos Incríveis. Para quem desconhece, este filme é sobre uma família de super-heróis que tiveram que passar ao anonimato por ordem do governo. O pai, o Senhor Incrível, vive frustrado e nostálgico dos seus tempos de super-herói. Até ao dia em que recebe uma proposta para ajudar um misterioso milionário que precisa dos seus serviços. Sem dizer nada à mulher, o Senhor Incrível começa uma carreira secreta de super-herói. Acaba preso e a ser salvo pela família. Todos juntos derrotam o grande vilão.

O filme é divertido e bem feito, mas para além disso há duas coisas no filme que valem muito a pena. A primeira é a questão dos poderes. Parte do filme gira à volta do debate entre o Senhor Incrível e a Mulher Elástica (sua mulher) sobre o uso dos poderes. O pai acha que os filhos devem desenvolver os seus poderes. Que fazem parte do que eles são. A Mulher Elástica defende que eles têm que ser normais, iguais a todos os outros. Num tempo em que as as crianças são formatadas para serem todas iguais, é bom ver um filme que defende a unicidade de cada criança e de como é bom que sejam ajudadas a desenvolver os seus talentos.

A outra coisa que eu gosto neste filme é como é necessária a família para derrotar o vilão. E como é necessário o poder de cada um deles: a força do pai, a elasticidade da mãe que chega a todo o lado, os campos de força da irmã mais velha com que defende o irmão, e a supervelocidade de Flecha o filho pré-adolescente. O único que não luta é o bebé Zé Zé, cujo os poderes só se conhecem no fim do filme: um bebé que muda de um diabo enfurecido, para ser de puro chumbo, até simplesmente desaparecer. Embora a maior parte das famílias não tenham superpoderes facilmente reconhecerão não apenas esta qualidades, mas também esta complementaridade que faz uma família funcionar!

Nem só de grandes livros e grandes filme se faz o isolamento social. Também se faz de desenhos animados. E se é para ver o mesmo todos os dias, os Incríveis são uma boa escolha.

sexta-feira, 3 de abril de 2020

Este país é para velhos, por enquanto.




Quer da Holanda quer da Bélgica chegam-nos notícias de que para os doentes de Covid-19 mais velhos as autoridades de saúde recomendam apenas cuidados paliativos. O mesmo se recomenda para certos casos de doença mental ou grupos de risco do vírus. Não se trata de indicações sobre o que fazer quando só há recursos para uma pessoa e há dois doentes. Não são critérios clínicos, são directrizes políticas que dizem que não vale a pena gastar recursos a salvar idosos e doentes.

Não é coincidência que estes sejam os dois países do mundo que primeiro legalizaram a eutanásia. Desde que a discussão começou em Portugal que tenho dito que, para além das questões técnicas, políticas, de saúde, há uma questão de fundo neste debate. A legalização da eutanásia não é apenas uma mudança legislativa, é uma mudança de consciência e de cultura.

A nossa civilização foi construída sobre a ideia que toda as pessoas têm igual dignidade. Que a Vida Humana é sempre digna, independentemente da sua circunstância. Esta ideia, que vêm do personalismo cristão, está vertido na Constituição portuguesa no artigo 24º que diz “A Vida Humana é inviolável”.

A partir do momento em que há circunstâncias em que o Estado permite matar alguém, o Estado afirma que há circunstâncias em que a Vida Humana já não é digna. Se a Vida é violável em determinadas circunstâncias, isso quer dizer que não é inviolável.

Legalizar a morte a pedido é por isso substituir o principio de que a Vida é sempre digna, pela ideia de que a dignidade da Vida Humana está ao dispor do Estado, é ditada pelo Estado. De um bem totalmente indisponível a Vida Humana passa a ser um bem à disposição do poder.

Por isso é sem espanto que vejo que os dois primeiros países que legalizaram a eutanásia não tenham qualquer problema em afirmar como política que não vale a pena tentar salvar os idosos e os mais doentes. É a consequência lógica de tornar legal a morte a pedido. Se um idoso ou um doente que pede para morrer pode ser morto pelo Estado, se dizemos que a sua Vida já não merece protecção legal, é apenas lógico que numa crise, onde os recursos são escassos, o Estado assuma logo que não vale a pena tentar salvar Vidas que legalmente têm menos dignidade, menos valor do que as outras.

Não duvido das boas intenções daqueles que defendem a legalização da morte a pedido. Nem tenho qualquer dúvida que muitos dos que hoje em Portugal defendem tais leis fiquem igualmente indignados com a decisão da Holanda e da Bélgica durante esta crise. Mas é importante que se perceba que a lei molda mentalidades. E que, quando legislámos, não podemos pensar apenas no imediato, mas no longo prazo. A longo prazo é evidente que legalizar a eutanásia desprotege a Vida dos mais frágeis. Mesmo que o actual legislador não tenha essa intenção. E se não acreditam, basta olhar para a Bélgica e a Holanda, dois países fundadores do União Europeia, dois países democráticos, dois países onde a Vida dos velhos e dos idosos não merece o esforço de ser salva.
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Em Portugal ainda vamos a tempo de evitar seguir este camimho. Espero que esta crise, onde com tanto esforço procuramos proteger a vida dos nossos mais velhos e mais frágeis,  traga algum bom senso aos nossos deputados. Sempre era algo de bom que saia desta crise.