terça-feira, 28 de abril de 2020

Para quê indignar-nos? São só velhos!




Muitas coisas haveria para escrever sobre o que se tem passado em Portugal durante esta pandemia. A banalização do Estado de Emergência, a crise económica, o acesso dos jovens à escola, o confinamento, e esse tema que tanto emocionou os portugueses, que foram o festejos do 25 de Abril. E todas estas coisas são importantes, e todos estes temas têm sido amplamente debatidos.

Infelizmente existe um ponto nesta pandemia que tem sido alvo de um silêncio ensurdecedor. Um silêncio que vai do Presidente da República até aos comentadores televisivos, passando pelo governo, os deputados, os partidos em geral. E é um silêncio que envergonha, porque se existe algo que devia escandalizar era este ponto. Mas infelizmente, até nas redes sociais, tão rápidas a disseminar petições e memes indignado, parece reinar o mais absoluto silêncio.
Falo da situação dos lares. Dos lares onde este vírus parece ter-se espalhado sem qualquer problema e onde a contagem de corpos se vai acumulando sem que ninguém se sobressalte. Nesta altura o número de velhinhos institucionalizados que já morreram vítimas desta praga já é bastante mais de um terço das vítimas (e já não falo dos que morreram porque, devido ao “confinamento”, não tiveram acesso a cuidados que precisavam).

Mas percebe-se o silêncio, são apenas velhos. Dificilmente irão votar, não escrevem textos dramáticos no “face”, não publicam stories no “insta”, e para além disso, não são produtivos. São apenas um fardo, despejado em lares. E os funcionários dessas instituições, sem qualquer formação médica, sem meios, sem nada a não ser o seu esforço, que cuidem deles. Testes? Sim, quando calhar (já estamos há mais de um mês em Estado de Emergência e ainda nem metade dos residentes dos lares foi testada!). Hospital? Citando a directora do Serviço de Medicina Intensiva do Hospital de Aveiro, não reúnem os critérios! (ou seja, assim como assim vão morrer).

Por estes, pelo que mais precisam, pelos que estão mais frágeis, não há músicas bonitas, correntes no whatsapp, petições enfurecidas ou mesmo uma selfie do Presidente da República. 

Não, não vai ficar tudo bem: temos velhinhos a morrer em Portugal, perante a total indiferença do Governo, do Presidente, dos partidos, da sociedade. Fossem cães a passar fome, e já estava um batalhão nas redes sociais a vociferar e seria abertura de telejornais. Mas são apenas seres humanos velhos, para quê preocupar-nos!

Esta indiferença põe a nú duas negras verdades. Primeiro o egoísmo da sociedade. Toda a conversa sobre “ficar em casa para salvar a avó” é treta. Os portugueses não ficaram em casa para proteger aqueles que são mais afectados por esta doença. Ficaram por terem medo. Os velhinhos são absolutamente descartáveis, como se pode ver pelo silêncio diante desta tragédia. Os velhos só interessam quando é para dizer mal do padre que lhes deu uma cruz a beijar ou como arma de arremesso contra os refugiados!

A segunda é que os nossos responsáveis políticos de facto vivem cada vez mais para a comunicação. Só interessa o que está na ordem do dia, o que faz sururu nas redes sociais. O 25 de Abril, os computadores para os jovens estudarem, o lay-off, os lucros dos bancos, os presos! Velhos a morrer em lares, abandonados pelo Estado? Isso não traz likes, nem dá caixas de jornais ou votos nas urnas. Logo, para quê preocupar-nos?

Há uns anos ouvi o professor Henrique Leitão dizer que hoje em dia o único limite que o poder conhece é a indignação popular. Infelizmente as massas preferem indignar-se com o 25 de Abril e com os presos. E assim os nossos mais velhos vão morrendo, silenciosamente, esquecidos, transformados em número nas estatísticas da DGS.

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