A
manifestação dos polícias voltou a trazer o refrão da “ascensão” da
extrema-direita. O número de André Ventura, de t-shirt e megafone em punho,
aparentemente foi o suficiente para alertar jornalistas e comentadores. A tal
ponto chegou a histeria que não houve jornal que não tenha feito uma reportagem
sobre um suposto gesto da extrema-direita usada pelo Movimento Zero (gesto que
depois se percebeu ter começado como uma graça, que gerou uma fake news, que levou alguns extremistas
mais incautos a adoptarem-no, que levou ao histerismo dos media portugueses
sobre um dos gestos de mão mais comuns, como a profusão de fotografias que
invadiram as redes sociais comprovam).
O
histerismo à volta do suposto extremismo de André Ventura é absurdo. No fundo é
pouco mais do que uma narrativa que serve apenas para alarmar o povo e tentar
trazer pontos à esquerda.
Contudo
basta ler o programa do Chega para perceber que o partido de Ventura não é de
extrema nenhuma. Tirando duas ou três medidas mais duras (mas que não incomuns noutros países democráticos), tudo espremido temos
um partido liberal na economia e conservador nos costumes. Mesmo a sua reforma
do sistema político não passa de um gaullismo requentado.
Depois
temos o próprio André Ventura. O líder do Chega é um filho do nosso sistema que
decidiu cavalgar a onda do populismo. Doutorado em Direito, funcionário
público, professor universitário, comentador da Cofina, antiga estrela do PSD,
a verdade é que André Ventura viveu e cresceu dentro do sistema. Não se lhe
conhece qualquer actividade cívica, qualquer ligação a movimentos subversivos,
nem qualquer interesse anterior pela agenda que agora defende ardorosamente (pelo contrário, só se conhece um tese de doutoramento bastante equilibrado sobre os direitos das minorias e sobre o abuso do poder judicial).
O Chega
não é um partido de extrema-direita, é um instrumento da ambição política de
André Ventura. O novo deputado é um homem inteligente, um razoável orador e
sobretudo um bom manipulador das massas. Tapada que estava a sua ascensão no
PSD com a eleição de Rio, viu na criação de um partido populista uma boa
oportunidade de chegar ao parlamento e aproveitou-a. E tem demonstrado que pode
continuar a crescer, tal é a sua capacidade de se agarrar a qualquer movimento
de contestação social que aí apareça. Seja a ideologia do género, seja os
polícias, seja o mundo rural, de tudo se servirá para se apresentar como
campeão do povo. Tudo isto enquanto vai trocando elogios e encontros com Rui
Rio. O objectivo de Ventura não é mudar o sistema, mas substituir o CDS como
eventual parceiro de coligações com o PSD.
Podemos
discutir se um partido assim é útil ou não. Não vale é a pena berra
extrema-direita só porque não gostamos do homem.
Sobretudo
quando ao mesmo tempo se trata com toda a normalidade partidos
anti-democráticos com assento parlamentar só porque se sentam do lado esquerdo
do hemiciclo. Os comentadores que consideram uma ameaça ao Estado de Direito a
posição de Ventura sobre os ciganos, são os mesmos que consideram normal o PCP
continuar a louvar a revolução de Outubro ou a lamentar a queda do Muro de
Berlim. Os jornalistas que chegam ao cúmulo de chamar ao 25 de Novembro um
golpe militar só porque este ano o Chega decidiu festejá-lo, são os mesmos que
não vêm qualquer problema no Bloco de Esquerda apoiar Maduro e Fidel Castro.
Perigo
para a democracia não é André Ventura, mas partidos que abertamente atacam a
liberdade educativa, a liberdade económica e até a liberdade religiosa. Perigo
para a democracia são os partidos que apoiam todas as ditaduras de esquerda e
apelidam de fascistas todos os governantes democraticamente eleitos de quem não
gostam.
Mas
sobretudo o maior perigo para a democracia, que infelizmente a maior parte dos
jornalistas e comentadores teima em ignorar, é a aproximação do Partido
Socialista a estes partidos.
Durante
décadas mais clara do que a divisão entre direita e esquerda, era a divisão
entre partidos democráticos e não democráticos. Entre os partidos que apoiavam
o Ocidente, europeístas, e os partidos que apoiavam as ditaduras marxistas.
Para Mário Soares nunca houve dúvidas de que lado do muro de Berlim estava. Por
isso o PS governou com o PSD, com o CDS, mas nunca com o PC. Porque havia essa
linha divisória, entre os que defensores da democracia e os defensores do
autoritarismo marxista, que os socialistas nunca atravessaram. Isto
até António Costa estar tão sedento de poder que
fez o que nenhum dos seus antecessores se atreveu: aliar-se à esquerda não democrática
para garantir o poder.
E
agora vemos o PS refém da agenda da extrema-esquerda. Já não se trata apenas de
aprovar leis fracturantes. Trata-se da imposição da agenda de género nas
escolas e à sociedade, trata-se da destruição da economia, trata-se do
animalismo primário. O Partido Socialista chegou ao ridículo de recusar
condenar os crimes do estalinismo! Este PS já não é o de Mário Soares, de António
Guterres ou de Jaime Gama. Este PS é pouco mais do um conjunto de bloquistas
com mais ambição política.
A
verdade é que a maior ameaça à democracia não é claramente André Ventura e o
seu folclore populista. A grande ameaça à democracia é o Partido Socialista ter
passado essa linha que separava os partidos democráticos dos partidos
marxistas.
Infelizmente
para a nossa comunicação social, já há muito amansada e dominada pelos parente
e amigos do Primeiro-Ministro, o que realmente importa não é ter um partido que
partilha o poder com apoiantes de Castro e Maduro. O grave mesmo é André
Ventura. Depois não se queixem.