Não vi, nem tenciono ver o filme “Os dois Papas”. Já sei que é um filme bem realizado, com fotografia óptima, com boas representações. Acredito que seja uma obra de arte. Porém não me suscita qualquer interesse.
A resignação de Bento XVI é um dos momentos mais extraordinários dos nossos dias. Não apenas pela sua novidade, mas pelo que representa neste tempo onde o sucesso é tudo, um Papa resignar no auge da sua popularidade. Relembro aos mais esquecidos, que gostam de reescrever a história, que quando resignou Bento XVI estava no momento áureo do seu pontificado. Tinha arrumado a casa na questão dos abusos sexuais, as suas visitas pastorais eram um sucesso cada vez maior, era uma voz cada vez mais respeitada no mundo da cultura e da política, a sua pequena reforma litúrgica tinha cada vez mais apoiantes, tinha estabelecido com sucesso diálogo com ortodoxos e com os anglicanos e era o ano das Jornadas Mundiais da Juventude no Brasil, que tudo apontava virem a ser apoteóticas. Foi neste contexto que Bento XVI resignou.
Para além disso Bento XVI e Francisco são dois homens extraordinários, com vida preenchidas, com trabalhos notáveis. Bento XVI é comummente reconhecido como um dos maiores intelectuais do seu tempo.
Um filme é sempre uma história que o realizador quer contar. E evidentemente que para o fazer, mesmo sobre factos reais, tem sempre que adaptar para que a Obra tenha interesse, senão seria um documentário. Mas há uma diferença entre contar a história do que realmente aconteceu e contar a história como se acha que aconteceu ou devia ter acontecido. É a diferença entre estar aberto à grandeza da realidade ou querer sermos nós a ditar a realidade.
Infelizmente o realizador do filme não tem interesse em contar o que aconteceu, mas em contar a sua opinião. Por isso temos dois Papas que são do tamanho do realizador. O que resulta numa caricatura de Bento XVI e de Francisco. Segundo as críticas, lá estão todos os clichés que habitualmente se atribuem aos dois Papas. Não há qualquer abertura à realidade dos dois pontificado, apenas o preconceito de quem julga conhecer.
Nada disto me choca ou escandaliza. Nem sequer tenho qualquer má vontade contra quem Fernando Meirelles. Acredito que fez o melhor que sabe sem qualquer má intenção. Mas se sabe muito de cinema, sabe pouco sobre Bento XVI e Francisco.
Por isso, diante de tão grandes figuras, com tanto para ler sobre eles e para além disso com tantos outros filmes para ver, não tenciono perder o meu tempo a ver dois Papas do tamanho de Fernando Meirelles. Até podem ser interessantes, mas este é um dos casos onde a vida supera largamente a arte.