segunda-feira, 18 de março de 2019

O ataque de Christchurch: o reflexo do nosso tempo.




O ataque terrorista em Christchurch não pode deixar de nos interpelar. É verdade que nos nossos dias as notícias de atentados terroristas são cada vez mais frequentes e, infelizmente, perdemos alguma da nossa capacidade de nos chocar com estes dramas. Mas este ataque é diferente daquilo que temos sido testemunhas.

Não vale a pena fingir que este é mais um ataque terrorista. Não é. Não se trata do enésimo ataque de extremistas islâmicos, que só em 2018 mataram mais de 10 mil pessoas. O que aconteceu em Christchurch foi diferente.

Diferente porque foi o equivalente ao extremismo islâmico em versão ocidental. Já sabemos que o Islão tem um problema com o terrorismo e com a violência. Dizer isto não é um ataque ao Islão, mas o reconhecimento de um facto. É como dizer que os Estados Unidos têm um problema com as armas ou o Brasil com a corrupção. Não quer dizer que todos os islâmicos são terroristas, apenas que é evidente que 10 mil mortos por terroristas islâmicos são um problema.

Contudo a sociedade ocidental não tem um problema com terrorismo. Este ataque a uma mesquita, em defesa do ocidente contra uma suposta invasão islâmica é uma novidade e um passo adiante daquilo que estávamos habituados.

Porque, embora o acto em si seja isolado, a mentalidade que provocou este atentado está cada vez mais disseminada. No meu feed do Facebook apareceram mais do que uma pessoa a apoiar e a felicitar este ataque. Assim como várias pessoas que, não apoiando o ataque, recordavam vários ataques islâmicos a cristãos. Como se uma atentado na Nigéria contra cristãos de alguma maneira servisse de contrapeso à morte destes muçulmanos na Nova Zelândia. Como se de facto houvesse dois lados e fosse preciso escolher.

Este atentado é por isso o evoluir desta mentalidade ideológica, que reduz uma questão complexa a duas trincheiras diferentes (Ocidente vs Islão). Uma redução ideológica que reduz o outro a uma abstracção, em vez de o considerar uma pessoa como eu. E se é uma abstracção, se de facto não há um outro, mas sim os islâmicos, se não há uma pessoa mas um inimigo, então em última instância não só é possível eliminar essas pessoas, como até é um dever!

E não vale a pena falarem de Trump ou de Bolsonaro. O terrorista que matou 50 pessoas em Christchurch não era fã deles, nem era da alt-right. Era um fã da China que se considerava eco-fascista. Nem vale a pena culpar as redes sociais pela disseminação de fake news. Porque estamos num tempo em que os próprios órgão de comunicação social não têm qualquer vergonha em divulgas notícias falsas: pensemos que ainda há pouco mais de um mês a CNN (seguida por OCS de todo o mundo) não hesitou em noticiar que um jovem apoiante de Trump tinha insultado um ancião índio veterano de guerra, num caso que se veio a provar ser falso.

O problema é a mentalidade que domina a sociedade ocidental. Uma mentalidade relativista, onde a verdade e a realidade são substituídas pela narrativa. Onde mais do que os factos, interessa a ideologia, que é sempre uma visão amputada da realidade.

Esta mentalidade, que não é gerada, mas gera fenómenos como o populismo e as fake news, demonstrou todo o seu potencial de violência em Christchurch. Quando alguém passou de mensagens iradas nas redes sociais aos actos. Onde a tal redução ideológica do outro a uma abstracção que é o “Islão” levou um homem aparentemente normal a matar 50 inocentes e a fazer mais umas quantas dezenas de feridos.

Por isso o ataque terrorista de Christchurch não pode deixar de nos interpelar. Não podemos fingir que é apenas mais um acto de terror. Não é. Este acto terroristas não é fruto de extremismo islâmico, não é o acto de um louco, não nasce de um clima de tensão entre facções políticas opostas. É fruto desta mentalidade que tem tomado a sociedade Ocidental. Esta mentalidade que abdicou da razão e da Verdade, em nome da emoção e da ideologia.

Não sabemos o que vai acontecer a seguir. Não sabemos se é um acto isolado, ou o princípio de uma onda de terrorismo Ocidental contra os islâmicos. A única coisa que sabemos é que o relativismo moral que domina a nossa mentalidade leva à desumanização do outro. E isso tem consequências, como teve em Christchurch.

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