Ontem no Parlamento vários partidos decidiram não apenas criticar a Igreja, mas explicar aquilo que a Igreja deveria fazer na questão dos abusos de menores. Também o Presidente da República decidiu criticar a Conferência Episcopal Portuguesa sobre este assunto e fazer sugestões sobre o comportamento da Igreja, como aliás já tinha feito André Ventura. Estamos perante dois enormes equívocos que não podemos deixar passar.
O primeiro é bastante simples: por muito impressionantes que possam ser os números de relatório, infelizmente são uma minúscula minoria dos abusos sexuais que acontecem em Portugal. Em média há 2400 processos de abusos por ano, sabendo perfeitamente que os casos que chegam à justiça estão longe de ser a totalidade dos casos. A Comissão Independente recebeu 512 denúncias que considerou válidas, para um período de 70 anos, ou seja, quase um quinto da média ANUAL de casos denunciados no nosso país.
Para a Igreja é indiferente se percentualmente o número de casos no seu seio é pequeno ou grande relativamente ao resto da sociedade. Um só era de mais. Mas se o poder político quer falar de abusos de menores, então não pode ignorar que a esmagadora maioria dos casos não acontecem na Igreja.
Sobretudo quando fala dos abusos da Igreja, na consequência de um relatório que foi encomendado pela própria, num processo de purificação, que mais nenhuma instituição em Portugal fez. É verdade que no tema dos abusos houve erros na Igreja e que a comunicação tem sido muitos desastrosa. Mas nos últimos anos a Igreja portuguesa tem feito, na senda daquilo que os Papas têm proposto, um trabalho enorme para garantir a segurança dos menores. Tem regras muito mais apertadas que o Estado ou qualquer outra instituição. Em consequência do relatório apresentado todas as dioceses estão a fazer investigações para assegurar que não há padres abusadores no seu seio. Mas pelos vistos ao Presidente da República e aos deputados só lhes interessa o abuso de menores na única instituição que realmente está a fazer alguma coisa para acabar com eles!
Se estão realmente preocupados com o abuso de menores, façam o que lhes compete e tomem medidas para combater seriamente o flagelo dos abusos de menores no país. Apontar à Igreja serve à onda mediática, mas não às vítimas de abusos em Portugal.
Mas há segundo equívoco, e este mais grave. É que a Igreja é autónoma do Estado. A separação da Igreja e do Estado, não significa apenas que a Igreja não se mete no Estado, significa também que o Estado não interfere na Igreja. Os cidadãos, sejam ou não eclesiásticos, respondem perante a lei como é evidente. Um sacerdote que abusa de um menor deve ser julgado. Mas isso não significa em momento algum que o Poder político possa interferir na Igreja.
Ter o Presidente da República e os deputados a dizer que a Igreja deve fazer isto ou aquilo, que não fez o suficiente ou que tem que fazer mais, é uma violação grosseira da separação entre o Estado e a Igreja e uma ofensa à Liberdade da Igreja. Os deputados podem fazer leis para punir quem abusa de menores (e devem fazê-lo), não podem é tentar impor à Igreja o quer que seja, que não a lei geral e abstrata. Esta ofensiva é um ataque à Constituição e as regras mais elementares do Direito de qualquer Estado civilizado. Mais grave só a ideia peregrina do Chega, aprovada por unanimidade dos restantes partidos, de chamar ao Parlamento o presidente da CEP para prestar esclarecimentos, como se de um ex-banqueiro ou de um presidente de um clube de futebol se tratasse.
Sobre os abusos a Igreja tem de fazer o seu caminho de purificação. E é com esperança que vejo algumas dioceses a fazê-lo com clareza e espero que as outras lhe sigam o exemplo. Também espero que a CEP tenha mais cuidado na comunicação, centrando-se mais nas vítimas e menos em questões laterais. Mas discernir esse caminho cabe à Igreja não ao Estado. A Igreja não está acima da lei, mas o poder político também não. Em Democracia, aplica-se a boa velha máxima de Nosso Senhor: então dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.
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