segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

A magia do Natal





Quando eu era miúdo o Natal era de facto mágico. Lembro-me de ser pequeno e de ir à Missa do Galo, com a família toda. E como durante anos foi assim, todos juntos, a ouvir o coro a cantar o Adeste Fideles, a procissão infindável de acólitos, os sinos do Glória, enquanto o Menino Jesus era levado até ao presépio. As homílias extraordinárias do Padre João e no fim, o beijo ao Menino. Mas a noite não acabava aí: seguia-se para casa dos avós, onde, depois de rezarmos e cantarmos alguns cânticos de Natal, era altura de abrir os presentes que o Menino Jesus tinha trazido. E a seguir a ceia: o chocolate quente, os pãezinhos com pasta de fiambre, a castanhada, e mais uma enorme quantidade de doces. E depois o dia 25, a correria entre as refeições que não acabavam, as conversas dos tios, as brincadeiras dos primos, os brinquedos por estrear. E o dia acabava connosco cansados, cheios e felizes.


E depois aconteceu a vida. Os primos cresceram até já não fazer sentido por o sapatinho para o Divino Menino saber onde deixar os nossos presentes, os meus avós foram quase todos para o Céu (e não foram só eles), deixamos de fazer a ceia por falta de quórum, a Igreja que hoje frequento não se pode comparar à beleza de Santos-o-Velho e da Encarnação, e as combinações com as diversas famílias tornaram-se uma tarefa logística, que exige uma eficácia alemã e uma diplomacia suiça!

Claro que o Natal continua a ter coisa muito boas e bonitas, mas já não é o Natal da minha infância. E está bem assim. A forma como vivia o Natal em criança foi essencial para amar esta festa. Mas o que realmente importa é aquilo que anunciava. Toda a beleza, todos os doces, todos os presentes, todos os cânticos, eram anúncio de um facto: “Hoje em Belém de Judá nasceu para vós um salvador!”. Que Deus se tenha feito Homem, que o Todo o Poderoso se tenha feito um bebé indefeso, que Aquele que reina eternamente sobre o Cosmos e a História, durma numa manjedoura, numa corte de pastores, é o facto mais belo, mais terno, mais comovente de toda a história!

A luz que irradia de Belém ilumina todas as trevas, penetra toda a história, redime e dá sentido a toda a dor e sofrimento. “O povo que andava nas trevas viu uma grande luz!”. Nada é mais belo que isto!


A recordação do Natal de quando era miúdo enche-me de alguma nostalgia, e de tristeza pelos que já morreram. Mas sobretudo enche-me de gratidão pela consciência que suscita em mim do enorme mistério do Natal.

Por isso, se hoje o Natal é menos mágico é ainda mais comovente, porque despido de tantos ornamentos, marcado pela tristeza daquilo que era e já não é, brilham ainda com mais clareza as palavras de Isaías, que todos os anos escutamos na Missa do Galo: “Um menino nasceu, um filho nos foi dado. Deus colocou a soberania sobre os seus ombros. Os seus títulos são: Conselheiro admirável, Deus forte, Pai eterno, Príncipe da paz”. E esta é a única “magia” que preciso para o meu Natal, porque este Menino lança luz sobre toda a existência, incluindo a minha.

segunda-feira, 12 de setembro de 2022

Anéis do Poder: faltam mulheres e minorias




1 - O primeiro livro de Tolkien que li foi o Silmarillion quando tinha 11 ou 12 anos. Desde então li e reli muitas vezes as grandes obras do professor, assim como tudo aquilo que ele escreveu e a que consegui lançar a mão (das Aventuras de Tom Bombadil ao Roverandom). E se estou longe de ser um especialista em Tolkien, sou sem dúvida um fã. Por tudo isso não senti qualquer desilusão com a nova série da Amazon Os Anéis do Poder: só se desilude quem tem alguma ilusão e eu nunca tive qualquer dúvida sobre o que aí vinha. Não é possível compreender a Terra Média sem compreender Tolkien, e o professor inglês é um homem incompreensível para a cultura moderna. 

2 - Na mitologia de Tolkien existe um enorme conjunto de mulheres poderosas. Desde as senhoras dos Valar que fizeram as estrelas e as árvores de Valinor, passando por rainhas e princesas que conseguiram enfrentar e derrotar Morgoth e Sauron. E para quem só leu O Senhor dos Anéis há Eowyn que derrotou o mais poderoso de todos os servos de Sauron, aquele a quem bastava o grito para enlouquecer bravos guerreiros e, sobretudo, Galadriel, a protagonista da nova série sobre a Terra Média.

E é justo que seja a protagonista, porque Galadriel é sem dúvida uma das maiores protagonista da obra de Tolkien. É aliás a única protagonista que atravessa as três eras da Terra Média. Liderou parte dos Noldor na primeira era, fundou um reino seu na segunda era e foi uma das principais adversárias de Sauron na terceira era. Segundo Tolkien, de entre os elfos, só Feanor era mais poderoso do que ela. Por isso o problema não é que Galadriel seja protagonista da série, o problema é que seja reduzida a uma adolescente traumatizada que que ser igual ao irmão.

Mulheres poderosas e com protagonismo não faltam na obra de Tolkien, mas o que a Amazon fez foi pegar numa mulher poderosa e transforma-la num homem! Aquela que era uma gloriosa rainha passou a ser um peão com uma espada, achando que assim se “empoderava” as mulheres. E este é o absurdo da ideologia woke, não querem de facto mulheres a protagonizar nada, querem que as  mulheres sejam imitações de homens e dar-lhes protagonismo artificial.

3 - Tolkien era um homem minucioso. Não se limitou a criar umas histórias fantásticas, criou um mundo. Um mundo com mapas, com línguas, com calendários, com várias raças e dentro das raças vários povos, com costumes e tradições diferentes. O que existe publicado é uma fracção do trabalho de Tolkien sobre a Terra Média (e relembre-se que ele só publicou o Hobbit e o Senhor dos Anéis, tudo o resto foi publicado pelo seu filho). A atenção ao pormenor de Tolkien chegava ao ponto de refazer partes da história porque era irrealista uma personagem percorrer aquela distância naquele espaço de tempo ou porque o clima não se adequava à estação em que a acção se desenrolava.

Não há qualquer problema em que haja pessoas de várias cores de pele numa série passada na Terra Média. É uma liberdade relativamente ao trabalho de Tolkien, mas que encaixa na sua obra. Por isso um elfo negro, ou uma anã, não são um problema, o problema é ser apenas um! O problema é que todos os elfos sejam esqualidos e depois, por magia, haja um negro! Que exista uma família de elfos de pele negra não é um problema, agora fazer aparecer um negro por magia é completamente artificial. Podiam perfeitamente ter feito os habitantes de Númenor morenos como os sul-americanos ou os árabes, não podem é, numa ilha isolada durante séculos, ter uma população toda branca e depois a rainha ser negra (ao contrário do tio que é branco!).

Isto não é diversidade, não se trata de mostrar que na Terra Média há raças de todas as cores, para isso tinham feito os harfoot negros ou apresentado uma família de anões asiática. Trata-se mais uma vez de virtue signalling: vejam como somos inclusivos, até temos um elfo negro! Mas mais uma vez é pegar na diversidade e moldá-la toda ao exemplo do homem branco: se uma mulher que ser poderosa, se um negro quer ser protagonista, então tem que ser como homens brancos.

4 - Vejo muito boa gente a protestar por a série d’Os Aneís do Poder dar demasiado protagonismo a mulheres e a negros. Eu pelo contrário acho que um dos problemas (e há vários outros, bastante mais graves) é não lhes dar suficiente protagonismo. Tolkien, um inglês católico e conservador, criou um mundo cheio de mulheres poderosas e cheio de povos diversos. A progressista Amazon criou uma fraca imitação desse mundo cheio de homens brancos, ainda que os vista de mulher ou aqui e ali escolha um negro para representar. O resultado é evidentemente um pastel artificial ridículo, que ninguém aprecia, mas que aqueles que vivem enfeudados ao wokismo têm que fingir gostar. Eu por mim, fico-me pelo mundo do velho professor de Oxford, onde as mulheres são capazes de derrotar Melkor, e Sauron é derrotado por uma minoria que se esconde para não ser oprimida.

terça-feira, 30 de agosto de 2022

“Se não fosses tu meu Cristo sentir-me-ia criatura finita” São Gregório Nazianzeno



No último Domingo fui à missa a uma Igreja que nunca tinha ido. O motivo era o baptismo de uma aluna da minha mulher. Fui um pouco a contragosto: era fora de Lisboa, tínhamos chegado de uma viagem grande no dia anterior e a hora era pouco convidativa para ir com os miúdos. Para piorar o meu humor, a criança mais nova decidiu passar boa parte da missa fazer barulho e por isso estive a todo o tempo no corta vento, sem conseguir prestar grande atenção.

Chegado à altura da comunhão tinha decidido não ir comungar: tinha estado distraído, estava um pouco irritado com as crianças, e estavam pessoas à porta do corredor central. Quando estava nestes pensamentos, percebi que o padre estava a distribuir a comunhão pela Igreja: de repente estava à minha frente, com o Corpo de Cristo nas mãos. A mim restou-me pouco mais do que aceitar esta misericórdia, de um Senhor que passa por cima da minha pequenez para vir ao meu encontro. Comovi-me como há algum tempo não me comovia na missa.

Mas se me comovi, não me espantei, porque felizmente foi assim toda a minha vida. A minha vida é marcada por este Deus encarnado que constantemente vem até a mim. Não uma ideia, não uma moral, mas uma Pessoa, que se torna presente nesta companhia concreta que é a Igreja: na minha família, nos meus amigos, no testemunho dos santos, na graça dos sacramentos, na beleza da liturgia, na caridade da Doutrina!

E o encontro com Cristo dá à minha vida todo um novo horizonte. Tenho experimentado o cem vezes mais aqui na terra e isso fortalece a minha certeza na vida eterna.

Mas é impossível compreender aquilo que a Igreja propõe sem Cristo. A castidade, a fidelidade, a doação de si, a obediência, só são compreensíveis na relação com Jesus. Sem Ele, não passam de regras e preceitos ocos.

Por isso é natural que num tempo onde se esqueceu Jesus, onde a Fé é reduzido a uma moral ou a uma ideologia, a proposta da Igreja pareça desadequada e ultrapassada. Também se compreende que, quem olha para a Igreja como mais uma organização, como um mero conjunto de pessoas ligada por uns rituais, as preocupações principais sejam as do mundo: quem manda, quem gere, se todos são “iguais”. De facto, a Igreja sem Cristo, tem os mesmos defeitos que qualquer outra instituição humana.

É Cristo que abre um novo horizonte, é Cristo que torna uma realidade completamente humana como a Igreja, numa realidade sobrenatural e eterna.

O relatório português do Sínodo foi por isso para mim uma experiência muito útil, porque me ajudou a identificar com clareza o grande problema da Igreja no nosso tempo. A mistura de ideologia com sindicalismo, tudo misturado com a linguagem inclusiva e as preocupações mundanas que hoje tanto ocupam alguns activistas, deixou claro a ausência de Jesus. De facto Cristo é o grande ausente deste relatório, porque é também o grande ausente da pastoral da Igreja. E este é o maior drama: é que ignorando Cristo, fica apenas o que é humano, ou seja ignora-se o eterno.

Para mim a Igreja é a presença de Cristo. E é essa presença que constantemente redime a minha pequena humanidade. A única urgência da Igreja devia ser levar essa presença a cada pessoa. O resto vem por acréscimo.




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sexta-feira, 5 de agosto de 2022

Graça a Deus pelos Padres



A Igreja celebrou ontem o dia de São João Maria Vianney, padroeiro dos sacerdotes, especialmente dos párocos. O dia do Santo Cura d’Ars chegou no meio de um turbilhão de acusações contra a Igreja portuguesa e contra os seus sacerdotes. E isso fez-me pensar nos padres da minha vida. Daqueles que entregaram a sua vida a Jesus para que eu O possa encontrar. E obrigou-me a tomar consciência do tanto que devo a tantos bons sacerdotes.

Antes de mais ao Padre João Seabra, que há dois meses foi para o céu. A ele, mais que a qualquer outra pessoa, devo a minha Fé e aquilo que sou hoje. Depois lembro-me do Padre Nuno, coadjutor do Padre João em Santos: um velho carmelita que passava horas no confessionário. Foi a primeira pessoa importante da minha vida que me lembro de morrer.

Depois pensei nos padres com que me cruzei na Baixa e no Chiado. O Padre Armando Duarte, amigo inseparável do Padre João. Sempre presente, sempre constante, com um sentido de humor mordaz. A ele lhe devo o muito que aprendi com o Manual do Acólito. Depois o Padre Mário Rui, que tornou o deserto da Baixa num centro de devoção em Lisboa. A ele toda a Igreja de Lisboa deve o regresso da procissão do Corpo de Deus. Em conjunto com o Padre João, tornaram a Baixa e o Chiado no pulmão da Igreja na Cidade de Lisboa. E a unidade entre estes três sacerdotes tornou-se modelo de unidade pastoral para todo o Patriarcado.

Ainda no Chiado, não me posso esquecer dos padres do Loreto: o Padre Angelo (confessor de meia Lisboa durante décadas), o Padre Francesco, o Padre Dino, e tantos outro cujo nome não me lembro. Foram eles os meus confessores durante a adolescência e a juventude. A minha alma muito lhes deve.

Depois lembro-me ainda dos sacerdotes que colaboraram na paróquia da Encarnação. O Padre João Aguiar, que enquanto director da Renascença assegurava diariamente a missa das 8h, e que chegava à Igreja à 7h30. O Padre Marim que todas as quartas-feiras celebrava a missa das 12h10 para as Noelistas. O Padre Rafael Morão, jesuíta e Reitor da Igreja de São Roque, que tantas vezes celebrava missa na Encarnação. O Padre Armindo, que veio estudar direito canónico e que durante anos celebrou a missa de Domingo às 10h30 para depois ficar a confessar durante a missa das 12h30 (o que me era muito útil). O Padre Hilário, também estudante de direito canónico e que assegurava muitas vezes as necessidades da paróquia. O velhinho Padre Azeredo, também jesuíta, que muitas vezes celebrava a missa das 12h10 durante a semana, tal como o ilustre frei Pinto Rema, franciscano e grande especialista em Santo António. E ainda o frei Miguel Patinha, da Ordem dos Pregadores.

Por fim, os padres que acompanharam o Padre João em Santa Joana. O Padre Duarte da Cunha, um amigo fiel que com amor filial acolheu um mestre com uma disponibilidade e lealdade incomparáveis. E o Padre Michael sempre discreto, sempre presente.

Lembro ainda o Padre Santos, durante anos prior de São Sebastião e de Nossa Senhora da Boa-Fé na Arquidiocese de Évora, que o Senhor chamou a Si no ano passado. Homem piedoso, sem medo de educar o povo e de afirmar as verdades, mas sobretudo a Verdade.

Por fim,  nas paroquialidades, lembro-me dos padres salesianos de Lisboa, cujo nome não sei, mas que nestes últimos anos me têm acolhido tantas vezes na Santa Missa e no confessionário.

Mas na minha vida muito devo aos padre de Comunhão e Libertação, o movimento que tive a graça de encontrar. O Padre Ramiro, homem de inteligência profunda e uma capacidade de ensinar como poucos, cuja fidelidade à Igreja e ao carisma de monsenhor Giussani tanto me educou. O Padre Zé Maria Cortes, vizinho de sempre da minha família, que depois de construir  a Igreja dos Pastorinhos partiu como missionário. O Padre Luís Miguel, essencial na minha vida universitária. E com estes dois últimos todos os padres da Fraternidade de São Carlos Borromeu que passaram por Alverca: o Padre Francesco, o Padre Silvano, o Padre Rafael e o Padre Giovani. O Padre Zé Maria Magalhães, que me levou a Lourdes e que insistia na minha vocação sacerdotal (penso que agora já terá desistido). O Padre Miguel Aguiar, com o seu cuidado com a liturgia, sempre acompanhado de um enorme sentido de humor. E também os que, tendo conhecido pior, me lembro de sempre: o Padre Silvério e o Padre Sérgio Pêra.  Nesta categoria incluo o Padre Pedro Quintela (que preferiu cuidar dos mais miseráveis às honras do mundo) que não sendo do CL, foi sempre muito próximo e muito nosso amigo.

E chego aos padres da minha geração, o Padre Miguel Pereira, que tem feito uma grande pastoral sobre a teologia do corpo de São João Paulo II, o Padre Tiago, um grande entusiasta da causa da vida, e o meu querido parente, Padre Duarte Andrade e Sousa, um extraordinário sacerdote, um grande educador dos jovens, que pela mesquinhez de uns e a maldade de outros, está injustamente a pagar pecados alheios. E como, apesar de ainda ser novo, já não sou jovem, começo a ter amigos padres mais novos que eu, como o Padre Claúdio, ordenado há pouco tempo e que tive a graça de acompanhar quando era um jovem liceu de Comunhão e Libertação.

E também muitos outros padres com quem me fui cruzando, por circunstâncias diversas, ao longo da vida. O frei Gonçalo, franciscano, com quem me encontrei várias vezes, a mais memóravel das quais foi em Compostela, quando entre dezenas de milhares de peregrinos que vinham ver Bento XVI, “esbarrou” com o nosso grupo completamente por acaso. O Padre Gonçalo Portocarrero de Almada, o Padre João Vergamota, o Padre Diogo Maleitas Correia, os párocos de São Martinho do Porto, de Covas, o reitor de São Bento da Porta Aberta, o Padre José Rafael, o Padre Miguel Cabral, o Padre Pimentel, o Padre Santamaria, o Padre Adelino, capelão do Colégio de São Tomás onde acompanha os meus filhos. E tantos outros, que não conheço, mas com quem nestes 36 anos de cristão me cruzei na Santa Missa ou na confissão.

São muitos os padres necessários para atender a um cristão. Homens que oferecem a sua vida, para que o povo de Deus possa receber o Corpo de Cristo e o perdão dos pecados. Para receber a graça de ser filho de Deus, para casar e ser amparado na doença.

Por todos eles estou grato a Deus e rezo-Lhe para que os sustente e ampare na sua missão. Para que neste tempo de perseguição, onde pelo pecado de uns poucos pagam todos, permaneçam firmes no seus ministério.

Mas sobretudo, agradeço a cada um destes padres, os que me lembro e os que não me lembro, por me terem permitido ao longo da minha vida receber Cristo e viver na Sua Graça. A minha Fé é sustentada pela sua oferta constante de serviço a Cristo e à sua Igreja.

Que bom que é que hoje, num tempo de egoísmo, de escândalos fáceis, de perseguições cobardes, ainda existam homens dispostos a oferecer-se a Deus.

domingo, 24 de julho de 2022

E viu que não era bom




De cada vez que acontece uma qualquer desgraça ouvimos sempre os mesmo comentários: a sociedade está perdida, há cada vez mais violência, as pessoas estão cada vez mais egoístas, as mulheres sofrem cada vez mais abusos, as crianças estão cada vez menos seguras. Todos os dias ouvimos mais histórias de velhinhos abandonados, de mulheres abusadas, de crianças que sofrem de bullying e por aí diante.

Mas nada disto nos devia surpreender. Nas últimas décadas o Ocidente lutou por se livrar das grilhetas do cristianismo, os bens pensantes desejavam o “progresso” de um mundo sem Cristo. E tanto procuraram o futuro que simplesmente regressaram ao passado!

Nada disto é novo, na Roma clássica já as mulheres eram tratadas como objectos, os mais pobres  e frágeis deixados à sua sorte, e tirando para os cidadãos ricos,  reinava a lei do mais forte. E isto era na maior civilização da altura, incomparável aos sacrifícios de bebés de Cartago ou aos caçadores de cabeça gauleses.

Foi o cristianismo que introduziu no mundo a ideia de que todos são igualmente dignos, que temos o dever de ajudar os que mais precisam, de que a mulher não é um objecto para o prazer dos homens, que o poder deve estar ao serviço dos mais frágeis.

O Ocidente, qual adolescente, na sua fúria de autonomia, preferiu deitar tudo isto fora, para ser “livre”. E assim se viu livre do filho pródigo, do bom samaritano, do bom pastor. Por isso hoje o filho mais novo não tem casa para onde regressar, o ferido fica a morrer na estrada e a ovelha perdida é devorada pelo lobo.

O Ocidente esqueceu o cristianismo e construiu uma nova civilização. E quando finalmente descansou da sua loucura, percebeu que não era bom, mas continua a sem querer regressar a casa.

segunda-feira, 6 de junho de 2022

E AMANDO OS SEUS QUE ESTAVAM NO MUNDO, AMOU-OS ATÉ AO FIM

 


Recebi de Deus a graça, totalmente imerecida, de ser sobrinho e discípulo do Padre João Seabra. Mais do que isso, o Bom Deus, compadecido da minha fragilidade, concedeu-me a bênção de, durante anos, o poder acompanhar de perto. 


Escrever sobre alguém que se ama é sempre difícil. Mas escrever sobre um santo inspira temor. A verdade é que tudo o que possa escrever ficará sempre aquém daquilo que foi o Padre João. Aquém da sua inteligência, da sua coragem, mas sobretudo, da sua fé e caridade. 


Arrisco mesmo assim a fazê-lo. Antes de mais por gratidão. Não uma gratidão abstrata pelo dom que foi para a Igreja e para o mundo, mas a gratidão muito concreta de quem foi resgatado da sua miséria vezes sem conta, pelo amor do Padre João.


E, depois, porque aprendi com ele a não me levar a sério. O Padre João viveu sempre com a consciência clara da dependência de Cristo. Ele entregou-se totalmente a Jesus, para que Cristo fizesse com ele o que bem entendesse. Por isso nunca se escandalizou com o seu próprio limite, porque se sabia totalmente dependente de Jesus: a ele só lhe cabia dizer que sim, o resultado era de Deus.


O Padre João foi um homem cheio de talentos: uma inteligência profunda, uma capacidade única de compreender a realidade e de a explicar, uma oratória brilhante, um sentido de humor veloz e mordaz, um pragmatismo que permitia ultrapassar quase todos os obstáculos, entre tantos outros. Mas a verdade é que existem outros homens com muitos talentos. A singularidade do Padre João nasce da sua decisão de submeter todos os seus talentos a Deus. Para ele, ser padre significava entregar toda a sua vida, incluindo as qualidades que o fariam um principie no mundo, à salvação das almas.


As obras do Padre João, desde a capelania da Universidade Católica até ao Colégio de São Tomás, não foram criadas como um fim em si mesmo, mas como instrumentos para levar Cristo aos homens.


Por isso, ele era a imagem viva do Bom Pastor, que larga cem ovelhas para resgatar a que se perdeu. Quantas vezes atrasou o início de missa com centenas de pessoas, para confessar o último que chegou atrasado. 


A sua fé era tão profunda, tão carnal, tão visceral, que se transformou em urgência de anunciar o que tinha encontrado. Por isso, para o Padre João cada encontro era ocasião de anunciar Jesus vivo, aqui e agora. Fosse aos estudantes da Católica, aos paroquianos da Madragoa, ao taxista que o transportava, ao empregado do café, a cada aluno dos seus colégios, interessava-se pelo destino de cada um daqueles com quem se cruzava. Durante toda a minha vida ouvi testemunhos de pessoas para quem o amor com que foi tratado pelo Padre João foi definidor para a sua vida.


Foi esta total confiança com que se entregou a Deus que lhe permitiu continuar a viver com a mesma alegria e intensidade quando o Seu Senhor decidiu, de forma misteriosa e incompreensível para muito de nós, retirar-lhe tantos dos dons que lhe havia concedido. Quando a voz que tinha comovido tantas igrejas e feito tremer tantos salões começou a falhar, começou a falar suavemente. E quando as dificuldades aumentaram, passou a falar menos. O que não deixou de fazer foi de se entregar continuamente para a salvação de cada pessoa com quem se cruzou. Não apenas os de sempre, mas até à última pessoa que conheceu, como a enfermeira a quem deu a bênção no dia em que morreu.


Os anos da doença do Padre João foram dolorosos, mas foram uma enorme graça. Porque podemos testemunhar a profundidade da sua entrega a Jesus. E aquele homem, cuja figura e a voz durante anos dominaram todos os locais por onde passou, não fugiu quando a Cruz se tornou mais pesada. Pelo contrário, continuou a percorrer publicamente o caminho do Calvário, à vista de todos, para a salvação de todos. Se durante anos olhávamos para o Padre João e víamos Jesus a ensinar aos doutores, nestes últimos anos vimos Jesus na Cruz. E aí residia toda a sua glória: “Senhor se for da Tua vontade, afasta de mim este cálice, mas que não se faça a minha, mas a Tua vontade”.


Dia 3 de Junho o Padre João foi para a casa do Pai. A dor da sua morte é imensa. Conforta-me a certeza da fé, na qual ele me educou. Estou certo que agora junto de Deus será ainda mais pai do povo que gerou. A mim sobra-me o desejo profundo de ser fiel à maior graça que recebi: seguir a Cristo que o Padre João me testemunhou, até ao dia em que o volte a encontrar no Céu.

terça-feira, 26 de abril de 2022

A direita e o 25 de Abril


Uma parte substancial da direita tem uma relação complicada com o 25 de Abril. O que é abundantemente aproveitado pela esquerda, sobretudo pela extrema-esquerda.

Esta relação complicada nasce de um equivoco histórico, criado pela esquerda e, infelizmente, aceite pela direita.

No dia 25 de Abril de 1974 houve um golpe militar que a adesão popular transformou numa revolução. Esse golpe foi preparado e executado por militares de direita e de esquerda, republicanos e monárquicos, católicos, etc. A adesão ao golpe militar pela população veio também de todos os quadrantes da população.

Claro que a democracia não se constrói num dia, nem basta derrubar uma ditadura para que logo se erga um democracia. E as dores de parto da democracia portuguesa foram violentas, especialmente para aqueles que se identificam à direita.

Durante os tempos revolucionários foram cometidos abusos e crimes que deixaram marcas em Portugal até hoje. As nacionalizações selvagens arrasaram a economia portuguesa, a reforma agrícola destruiu casas agrícolas sem produzir qualquer fruto, os saneamentos atingiram centenas de pessoas sem qualquer culpa, muitos foram presos por delito de opinião sendo que alguns foram torturados, houve partidos ilegalizados e bastante violência. Sobretudo, naquilo que é a maior vergonha para o país dos tempos da revolução, os povos irmãos do ultramar foram entregues sem cerimónias a Moscovo, condenando os novos países à guerra e violência que provocaram milhares de mortos e arrasaram as novas nações.

Num pais civilizado, os autores destes crimes teriam sido pelo menos afastados da vida política, se não mesmo presos. Em Portugal, são tratados como heróis. E são-no, precisamente por a direita permitir o equívoco de misturar o 25 de Abril com o processo revolucionário que se lhe seguiu.

A razão pela qual a extrema-esquerda, que tentou forçar o país a uma nova ditadura, é celebrada como heroína da liberdade, é porque se arma de uma legitimidade revolucionaria exclusiva. Como se de alguma forma fossem donos da Revolução e isso apagasse todos os seus crimes. 

A direita, que foi quem mais sofreu durante o processo revolucionário, marcada por todos os abusos feitos no pós-25 de Abril, deixou-se afastar desse momento fundador da democracia portuguesa e permitiu assim à esquerda ficar como heroína do momento.  E a esquerda agradece, sobretudo o Partido Comunista e os restantes herdeiros da extrema-esquerda, porque assim lhes é permitido branquear todos os seus crimes.

A verdade é que a democracia nada deve ao Partido Comunista nem à extrema-esquerda. Nada deve àqueles que, mesmo tendo participado no 25 de Abril, depois tentaram instrumentalizar a Revolução para impor uma nova ditadura ao país. Mas deve muito àqueles que fizeram a Revolução e depois defenderam a Democracia e a ajudaram a consolidar.

Por isso, é hora de a direita ultrapassar as suas dificuldades com o 25 de Abril. Não precisamos de cravos brancos, nem de atrelar o 25 de Novembro para falar do 25 de Abril. É hora de assumirmos sem medo o legado daqueles que no dia 25 de Abril de 1974 arriscaram a vida e a liberdade para que Portugal fosse uma democracia. E fazê-lo sobretudo contra quem, munido de uma suposta legitimidade revolucionária, procurou  impor ao país um regime socialista.

A Democracia em Portugal nasceu de facto com o 25 de Abril. E foram muitos os que arriscaram, nesse dia e nos que se lhe seguiram, para que fossemos livres. Continuar presos na armadilha montada pela extrema-esquerda para branquear os seus abusos é um insulto a todos os que sofreram para que Portugal fosse livre. E para além disso é um erro, um erro que a direita continua a pagar.

segunda-feira, 18 de abril de 2022

Aqui o prior educa-nos na Fé.




A história conta-se rapidamente. No fim dos anos 90, um dos bispos auxiliares do Patriarcado de Lisboa fez uma visita pastoral à paróquia de Santos-o-Velho. Durante a visita teve um encontro com os paroquianos onde perguntou qualquer coisa sobre o haver realidades muito distintas na paróquia e se isso causava algum problema. Respondeu um homem bom e caridoso da paróquia, mas conhecido pela falta de simpatia: “isso não é um problema, aqui o prior educa-nos na Fé”.

Lembro-me muitas vezes desta história, sobretudo quando regressam ao debate público as posições da Igreja sobre a sexualidade.

Eu, como centenas (talvez milhares) tive a graça de ter sido educado na Fé por aquele prior. Ou seja, fui educado no amor a Cristo e à Sua Igreja. E isto passa também, como é evidente, pela visão cristã do corpo, do amor e da sexualidade. Mas nunca me dei conta de que a moral sexual fosse central, ou sequer especialmente importante naquilo que pregava. O essencial foi sempre o encontro com a presença de Cristo, aqui e agora. O resto veio por acréscimo.

Porque a moral da Igreja não é apenas conjunto de normas para regular a vida dos católicos. A moral da Igreja brota do próprio Senhor e é a forma mais adequada, mais humana, de viver esta vida e conquistar a próxima. 

Mas é impossível compreender a moral da Igreja sem ser à luz da Fé. Só o encontro com Cristo é capaz de mudar o coração do Homem. A beleza daquilo que a Igreja propõe, incluindo a sexualidade, só é compreensível nesta relação com Jesus.

Vivo por isso muito agradecido por ter um mestre que me educa na Fé. Para mim nunca foi difícil aceitar a moral sexual da Igreja. Pelo contrário, sempre achei a visão do corpo como morada do espírito, o acto sexual como oferta de si mesmo, a imagem do outro como dom e não como objecto, das coisas mais belas que conheço.

Não quer dizer que seja fácil, nem a Igreja diz que é. Como diz São Paulo aos Romanos: Nem me compreendo, pois não faço aquilo que queria fazer e faço o mal que detesto.

Neste tempo de hipersexualização, onde os corpos são exibidos e vendidos como objectos, neste tempo de egoísmo, da ditadura das sensações, propor e viver a pureza e a virgindade não é fácil, mas não deixa de ser verdade.

Por isso a Fé é essencial. Porque a relação com Cristo é a única coisa de realmente interessante que a Igreja tem para oferecer. É Ele que ilumina toda a realidade, é Ele que nos permite irromper da escravidão do pecado e viver de forma humana. Sobretudo, só com Ele nos podemos levantar após cada queda.

Concordo com os que dizem que se fala demasiado da moral sexual da Igreja. Sobretudo, aqueles que a querem mudar e que reduzem todo o drama humano, sobretudo o dos jovens, a saber com quem se pode ir para cama. É uma visão redutora da humanidade. Aquilo que faz falta à Igreja não é mudar o que é eterno mas dar testemunho da presença viva de Cristo. D’Aquele que estava morto, mas ressuscitou. Tudo o resto vem por acréscimo.

Resumindo, está tudo naquela resposta do homem maldisposto: aqui o prior educa-nos na Fé!

quinta-feira, 3 de março de 2022

Os bem mais preciosos não se procuram, esperam-se




Quando soube que ia sair um novo filme da Disney confesso que não fiquei especialmente entusiasmado. Não que os últimos filmes da Disney sejam maus, mas já há algum tempo que nenhum me enche as medidas. E a história de uma família com poderes que morava numa casa mágica não prometia. De tal maneira que a primeira vez que o comecei a ver com a minha mulher desistimos ao fim de pouco tempo.

Mas depois chegou a noite de cinema com as crianças e ele insistiram que queriam ver o Encanto (o peer pressure não perdoa) e, a contragosto, lá vi o filme com eles. E a verdade é que valeu a pena.

Há muitas boa razões para ver Encanto: as músicas são divertidas, tem boas piadas e uma história interessante. A história é de facto sobre uma família com poderes que vive numa casa mágica, mas é muito mais do que isso.

Encanto conta a história da família Madrigal, que depois do sacrifico do avô Pedro, recebeu um milagre, assinalado por uma vela que nunca se apaga.  Por causa do milagre cada membro da família recebeu um dom, excepto a protagonista do filme, Mirabel.

A família é governada pela austera avó Madrigal, que tem como missão proteger o milagre que dá vida, não só à sua família, mas a toda a comunidade que a rodeia. Mas será a necessidade de proteger o milagre que levará a família Madrigal a zangar-se. A incompreensão da avó para com Mirabel, o desespero de Mirabel pela responsabilidade de salvar o milagre, o Bruno (do qual não falamos), tudo isto leva a uma terrível zanga que acaba com a destruição da casita e ao apagar da vela.

Então acontece a cena mais bonita do filme, quando a avó conta a Mirabel a sua história de amor com o avô Pedro, e de como no momento de maior desespero, quando Pedro é morto a proteger a mulher e os filhos recém nascidos, lhe foi dado um milagre. E este é talvez o que eu mais gosto do filme: a consciência de que o milagre é algo que não nasce do esforço, nem pode ser salvo pelos dons, mas algo que foi concedido gratuitamente.

Há muito mais coisas para dizer sobre este filme. Aposto que há imensos detalhes técnicos que me escaparam, pormenores em que não reparei, e várias lições que não aprendi. De facto a minha vocação não é ser critico de cinema.

A mim comoveu-me esta consciência do milagre que é dado gratuitamente. Sobretudo porque me ajudou a compreender uma frase que me tem acompanhado desde Setembro, que é a frase do ano da escola dos meus filhos: os bens mais precisos da vida não se procuram, esperam-se. Este filme ajudou-me a compreende-la. De facto os bens mais preciosos, não nascem do nosso trabalho ou do nosso esforço, mas são nos oferecido, gratuitamente, como o milagre da família Madrigal. Por isso a posição razoável é daquele que espera.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

Tudo que temos que decidir é o que fazer com o tempo que nos é dado


Ler Tolkien foi para mim uma enorme ajuda na forma como olho a política. O criador da Terra Média era um homem profundamente marcado pela fé. A sua obra, embora não tenha qualquer outra pretensão que não seja narrar um mito, é a obra de um cristão.

Para Tolkien os mitos era reflexos da verdade, eram aquilo que era possível compreender da Verdade sem a revelação. Por isso também o seu mito, a Terra Média, sendo inventado, é reflexo da Verdade Eterna.

Um dos temas centrais em toda a mitologia da Terra Média é a ideia do mundo caído. Ou seja, do mundo marcado pelo pecado. Na sua obra é claro que toda a obra humana, por si mesma, está destinada a ruir, por muito gloriosa que seja. É assim com Gondolin e os reinos dos Beleriand, com Númenor e depois com Anor. Mesmo Gondor em O Senhor dos Anéis é o mais poderoso dos reinos dos homens mas já em total decadência.

Em Tolkien é bastante claro que o Homem por si só é incapaz de derrotar o mal. E quanto mais se considera poderoso, quanto mais confia na sua força, quanto mais se glorifica, mais perto está da sua ruína. O grande exemplo é Númenor, cujo o rei no auge da sua força e poder, ousa atacar a terra dos Valar (o mesmo que atacar o paraíso) e reclamar para si a terra imortal. A queda é total e daquele que foi o mais poderoso reino da Terra Média fica apenas um punhado dos que se mantiveram fiéis a Eru (o deus único).

Para Tolkien é evidente o limite do homem, marcado pelo pecado original. É fácil por isso descrever o professor inglês como um pessimista, mas não é justo. Porque para Tolkien o pecado do homem não é a última palavra. A última palavra nunca é a do mal, mas a da Providência Divina que constantemente intervém para salvar o homem do mal. 

Esta relação entre a impotência do homem e a misericórdia de Deus é bastante evidente em O Senhor dos Anéis. Naquele último momento em que Frodo, conseguindo ultrapassar todos os obstáculo e vencido todas as tentações, chega ao coração de Mordor, às fornalhas do Monte da Condenação, e cede à tentação do anel. Nesse momento todo o esforço parece vão, até o mais puro dos puros foi corrompido pelo mal. É então que misteriosamente Gollum reaparece e cego pelo ódio arranca o anel a Frodo para na alegria dos festejo se desequilibrar e cair ao fogo, destruindo o anel.

Evidentemente que foi preciso todo o esforço de Frodo e Sam para ali chegar. E o sacrifício de todos aqueles que lutaram contra os exércitos de Sauron para garantir que este não era capaz de conquistar a Terra Média. Mas a salvação vem, no momento em que tudo parece perdido, daquela força superior de que Gandalf fala a Frodo quando comentam o “acaso” do anel ter sido descoberto por Bilbo.

E que tem isto tudo que ver com a política? Tudo, porque também nós vivemos num tempo onde parece que o mal triunfa. Um tempo onde todos os nossos esforços parecem ser em vão. Mas é assim que é suposto ser. O nosso mundo é o mundo da queda dos primeiros pais. Que é salvo, não pela nossa força, mas pela misericórdia de Deus. A nós só nos cabe-nos fazer aquilo que temos que fazer.

Claro que preferíamos todos viver em tempo mais felizes, mais favoráveis. Mas como ensina o velho professor de Oxford, através do mágico Gandalf: assim como todos os que viveram para ver tais tempo. Mas não nos cabe decidir. Tudo que temos que decidir é o que fazer com o tempo que nos é dado.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

É tempo de reconstruir, mas reconstruir o quê?


A grande novidade das últimas eleições legislativas foi a saída do CDS da Assembleia da República. Será esta a primeira legislatura em democracia que o CDS não terá qualquer representação no parlamento.

Com a saída do CDS do hemiciclo há um espaço político que fica órfão de representação parlamentar. Não há hoje no parlamento nenhum partido cuja a doutrina se baseie na dignidade da pessoa humana, especialmente da dos mais frágeis; na liberdade da sociedade, sobretudo da família, da Igreja e dos corpos sociais intermédios; num Estado ao serviço do Homem, que promova uma sociedade civil forte.

Evidentemente que existem vários deputados na Assembleia da República que defendem estes ideais, em vários partidos. Mas já não existe um partido que faça do personalismo cristão a sua doutrina.

Os partidos existem enquanto são úteis à sociedade. Evidentemente que a mim, que sou militante do CDS e que o tenho defendido o melhor que sei e posso, me custaria sempre ver o partido desaparecer. Mas é preciso que os militantes percebam claramente que um partido não é um fim em si mesmo.

O espaço da direita hoje em Portugal está bastante ocupado. Existe um partido de poder, onde há espaço para mais ou menos tudo o que não seja (muito) à esquerda. Existe um partido claramente liberal e um partido populista/de protesto, de cariz mais extremista. Se a tentação do CDS for, para voltar a ter força política, tentar ocupar algum destes espaços, então está condenado ao fracasso.

O único espaço que está livre é aquele em que o CDS sempre existiu, de forma mais ou menos assumida: o da democracia-cristã, baseada no personalismo. É nesse espaço que o CDS pode revelar a sua utilidade para Portugal.

Eu também acredito que é urgente reconstruir o CDS porque acredito que o espaço que o partido deixou órfão faz falta ao país. É preciso um partido na Assembleia da República que lute pela dignidade do homem, desde a concepção à morte natural. Que defenda a liberdade das famílias e a liberdade da sociedade, sobretudo na educação. Que promova a dignidade do trabalho, que se oponha ao esbulho fiscal, que esteja ao lado dos mais pobres e dos mais fracos da sociedade. É urgente um partido que acredite num Estado ao serviço do homem e da sociedade, sem ideologias.

Por este espaço político vale a pena lutar. Será um trabalho de formiga, feito na sombra, que exigirá muito esforço, mas que vale a pena.

O que não vale a pena é lutar por manter um partido de egos, de palavras redondas, preso a um passado que já não volta. Também não vale a pena lutar por um partido que procure ser a imitação barata de outros ou que troque o seu ideal por um sonhado sucesso eleitoral. Não vale a pena porque um partido assim não é útil, não vale a pena porque tal tentativa está condenada ao insucesso.

É tempo de reconstruir. E a perguntar que aqueles que querem reconstruir o CDS têm que fazer é: reconstruir o quê? E isso é mais importante do que nomes e protagonistas.

terça-feira, 25 de janeiro de 2022

CDS razões de um voto


 1. Uma mudança de época.

Vivemos um tempo de fim de uma era. A civilização ocidental, construída pelo cristianismo, rejeita as suas origens. Se é verdade que o Ocidente se tem descristianizado nos últimos séculos, aquilo que é hoje diferente é que aquelas evidências, fruto da cultura cristã que ainda sobravam, ruíram completamente nos últimos vinte anos.

Hoje a cultura dominante professa um homem criado à sua imagem e semelhança, que se define a si mesmo. Que define quando começa e termina a vida, que define a sua sexualidade, que define onde começa e termina a dignidade. Uma cultura que aceita tudo excepto a possibilidade da Verdade.

O resultado político desta cultura reflecte-se num Estado que procura moldar a realidade através do poder. Um Estado que define o que é vida e o que não é, o que é a família, quem é homem e quem é mulher. Evidentemente que o resultado é um Estado totalitário, que não admite a própria realidade.

É por isso urgente procurar espaços na política onde seja possível defender a liberdade de afirmar a Verdade. Antes de mais, que o Homem é criatura de Deus, que é anterior ao Estado, e que a sua Dignidade e Liberdade não está dependente do Estado ou da sociedade. Que o Estado existe para servir o Homem, para defender a família e a sua liberdade, os corpos sociais, ou seja, que exista para fortalecer a sociedade civil e não para a dominar.

Temos a tentação hoje de olhar para a política pelo critério do mundo, que a divide em direita e esquerda. Esta divisão, por muito facilitadora que seja, é redutora. A verdade é que, quer à direita quer à esquerda, encontramos a mesma mentalidade onde Deus foi substituído pelo Estado, pelo Mercado, pela Pátria, ou por outro qualquer chavão ideológico. A mim pouco me interessa a direita e a esquerda, o que me interessa realmente é encontrar uma realidade política que defenda a Dignidade e a Liberdade do Homem e da sociedade.

 

2. O paradoxo entre ideal e realidade.

O empenho político nasce de um desejo de justiça, de verdade, de beleza. Nasce de um pulsar do coração que nos leva a desejar um mundo melhor.

Ao mesmo tempo, a política é feita em geral de pequenas coisas e de grande limites. A política está sempre limitada, antes de mais pela nossa incapacidade e disponibilidade. Mas sobretudo, limitada pelo liberdade do outro. É impossível em milhões de pessoas que tudo seja como nós desejamos.

Temos por isso duas soluções. Rejeitar qualquer compromisso, e viver de tal maneira presos ao ideal que acabamos sós e impotentes, ou perceber como é possível, dentro dos limites que a realidade impõe, servir o ideal.

É um equilíbrio nem sempre fácil. É fácil cair na trincheira da ideologia, em que o ideal se transforma no único prisma porque olhamos a realidade até a reduzirmos a uma ideologia. Não é mais difícil, a coberto do realismo utilitário, descartar o ideal com a desculpa da eficácia.

Por isso a política vive nesta tensão entre o ideal e o real. Exige um discernimento constante em cada circunstância sobre como é possível viver o ideal em cada decisão concreta.

Este paradoxo está especialmente presente na hora de votar. Nenhum candidato é o ideal, todos têm defeitos ou aspectos com os quais discordo. E todos nós preferíamos outros candidatos quaisquer. Mas o facto é que nas eleições somos chamados a escolher entre os candidatos que há, e não entre os candidatos que sonhámos. E por isso a alternativa é entre escolher aquele que mais se adequa ou desresponsabilizar-nos (com a desculpa que nenhum serve) da política.


3. Porque voto CDS.

Nas eleições de 30 de Janeiro, é preciso escolher entre os vários partidos qual aquele que melhor defende a Dignidade do Homem e a sua liberdade. Existem várias questões concretas que serão importantes nesta legislatura e que ajudam a discernir sobre o voto.

A primeira questão é a da eutanásia. A legalização da morte a pedido significa que o Estado reclama para si o direito de definir em que circunstâncias a vida humana tem ou não valor. E se o Estado pode decidir sobre a dignidade humana, significa que pode decidir sobre qualquer outro direito. Se há circunstâncias em que o Estado pode decidir que é licito matar, significa que haverá sempre circunstâncias onde o Estado pode decidir retirar qualquer outro direito fundamental.

Por isso, não posso votar num partido que não rejeita a eutanásia. Bem sei que provavelmente, e independentemente do meu voto, a questão será aprovada no Parlamento. Mas existe um diferença fundamental entre não conseguir travar um lei injusta e dar o meu voto a quem a vai aprovar.

Mas a questão da dignidade humana não se esgota no direito à vida. O respeito pela dignidade de cada pessoas concreta em cada circunstância, significa também respeitar a dignidade dos trabalhadores, dos mais pobres, dos doentes, de todos, incluindo  daqueles que cometem crimes. Porque ou a dignidade humana é objectiva e independente da circunstância, ou então está à disposição do poder.

Um segundo ponto essencial é a liberdade de educar. E não se trata apenas da liberdade de escolher a escola, ou da autonomia das escolas (que também é importante). Mas sim de reconhecer que a missão de educar cabe antes de mais à família e que ao Estado cabe auxiliar as famílias, não substituir-se a elas. Defender o fim da doutrinação obrigatória nas escolas e liberdade dos pais para escolher a educação dos filhos é essencial.

Um terceiro ponto essencial é liberdade dos corpos sociais. Portugal é um país profundamente estatista, onde o Estado tem a tendência de absorver qualquer iniciativa fora da sua esfera. É necessária uma sociedade forte, que seja capaz de responder aos problemas sociais. Por isso apoiar os corpos sociais (a Igreja, as associações, as IPSS, etc) é essencial para uma sociedade livre.

Por fim, também é importante a liberdade económica, porque esta é essencial para garantir a dignidade humana. O homem é sempre digno, mas quando vive na pobreza a sua dignidade não é respeitada. É preciso criar condições para que cada pessoa possa trabalhar dignamente e viver dignamente do seu trabalho. E isso não é possível com a asfixia fiscal em que vivemos. É preciso uma sociedade onde seja possível criar riqueza.

De todos os partidos, aquele que mais claramente tem defendido todas estas questões é o CDS. Fá-lo no seu programa eleitoral e tem feito delas os temas centrais da sua campanha. Por isso, não apenas voto como apelo a que se vote no CDS. Não por um qualquer clubismo, mas por ser o partido onde reconheço de forma mais evidente a defesa das questões que a mim me parecem mais essenciais.

Evidentemente que com isto não quero dizer que o CDS seja perfeito ou a única opção. Mas não tenho dúvidas que é aquele que de forma mais clara defende a Dignidade Humana e a sua liberdade.