segunda-feira, 13 de julho de 2020

O equivoco sobre o Presidente de todos os portugueses.



De cada vez que se debate uma lei fracturante surge o mesmo equivoco sobre o Presidente da República. Segundo vários comentadores o Presidente da República não pode, ou não deve, exercer o seu poder de veto motivado pelas suas convicções pessoais. Segundos estes comentadores, a consciência do Presidente não deve interferir nas suas decisões enquanto tal.

Ora, isto é ridículo. O Presidente da República é titular de um órgão de soberania que é eleito por sufrágio universal e directo. Nas presidenciais não há partidos, nem listas, só uma pessoa que se candidata e em que em o povo vota.

Aliás, as presidenciais são as únicas eleições em que isto acontece. Em todas as outras votamos em partidos. Quanto muito, nas autárquicas, votamos em movimentos de cidadãos. Mas nunca num cidadão.

Os deputados deveriam de facto estar adstritos ao programa eleitoral do partido, ou ao seu programa política, ninguém votou neles pessoalmente. O Primeiro-Ministro ainda mais, já que não é eleito pelos cidadãos (como muitos aprenderam da pior maneira em 2015). Mas o Presidente da República foi eleito precisamente pelas suas ideias e convicções. Renega-las seria atraiçoar aqueles que nele votaram.

Eu bem sei que gostámos de dizer que o Presidente da República é o presidente de todos os portugueses. Mas isso é um chavão que não quer dizer nada. O Presidente é de todos os portugueses, como o governo, ou como os deputados: são titulares de órgãos de soberania do Estado, que representa todos os portugueses. Mas a partir do momento em que há uma eleição, e que os cidadãos escolhem entre várias opções, que escolhem A em detrimento de B, é evidente que A nunca será Presidente de todos. O Presidente da República tem obrigação de exercer o seu mandato de acordo com aquilo que apresentou aos eleitores.

Se querem um chefe de Estado supra-partidário, que tem como papel ser pai da nação, moderar sem intervir, servir de garante da estabilidade, uma figura de continuidade da nação entre o corropio de governos, então existe um sistema de governo, do meu agrado, que ainda hoje tem bastante sucesso em boa parte da Europa: a monarquia constitucional. Uma República é sempre partidária, é da sua natureza.

Evidentemente que  o Presidente da República tem deveres institucionais. E que deve manter uma relação institucional com os outros órgãos de soberania. Não deve, por exemplo, interferir na acção do Governo ou da Assembleia da República. Aliás, os poderes do Presidente da República são também fonte de grandes equívocos, mas isso é todo outro artigo. Mas não podemos confundir esse dever institucional com um qualquer dever de neutralidade.

Não há uma separação entre a pessoa e o Presidente da República. São apenas um. E esse foi eleito precisamente porque os cidadãos estão convictos que aquela pessoa, com as suas ideias e convicções, será o melhor de entre os candidatos para ser Presidente da República.

Por isso mal estaríamos se chegado a temas que tocam na consciência pessoal o Presidente estivesse obrigado a ser outra pessoa. Isso seria negar o pressuposto da eleição presidencial.

Não sei o que vai acontecer com as propostas de lei para legalizar a eutanásia. Mas é pode ser que que acabem na secretária do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa para promulgação. Qualquer outra decisão que não o veto significa não apenas uma desilusão, mas uma traição aqueles que o elegeram.

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