segunda-feira, 25 de maio de 2020

O jogo das presidenciais.




Não é possível qualquer análise séria das presidenciais sem partir de uma premissa: salvo qualquer desastre, Marcelo Rebelo de Sousa vai vencer as presidenciais. E em principio vai vencer por larga margem. A maior vitória que os seus adversários podem sonhar é forçar a 2ª volta. Mas mesmo isso, se vier a acontecer (o que parece muito improvável), irá dever-se a abundância de candidatos de protesto e não por uma qualquer hipótese real de o derrotar.

António Costa sabe bem disto. Não tem ninguém no PS que possa sequer fazer mossa ao actual Presidente da República. Não há hoje na área do Partido Socialista qualquer presidenciável que fosse ter resultado muito melhor que Maria de Belém. Ao mesmo tempo o Primeiro-Ministro também sabe que o Presidente da República não tem força para o enfrentar a ele. 

Dado que Rui Rio tem como único sonho o bloco central, a oposição ao Governo hoje está reduzido a CDS, IL e Chega. Por isso Marcelo Rebelo de Sousa pouca ou nada pode fazer contra o Governo: se o demitir ele ganha as eleições, se vetar ele ultrapassa o veto no parlamento. António Costa domina o regime e ao PR sobra-lhe pouco mais que cortar fita e tirar selfies.

Por isso para Costa as presidenciais só têm um objectivo: reforçar o seu próprio poder. O apoio a Marcelo Rebelo de Sousa é apenas uma armadilha: condiciona o PR, e obriga a direita a escolher entre perder as eleições ou apoiar o seu candidato. E assim transforma o que poderia ser visto como uma derrota, numa vitória certa, metendo o Presidente e a oposição na algibeira.

Para António Costa só há um espinho nesta eleição: Ana Gomes. É evidente que quem o vai atacar com força durante a campanha é André Ventura. Mas para António Costa isso é indiferente. Um bom resultado de André Ventura só lhe traz vantagens: fragiliza ainda mais a direita, e une a esquerda à sua volta. Quanto mais forte for Ventura, mais Costa se arroga em guardião do regime.

Já Ana Gomes é diferente. É tão populista como André Ventura (mas como é de esquerda ninguém pode dizer isso), mas é do seu partido. Ana Gomes pode fazer à esquerda o que André Ventura faz à direita. Embora com menos estrondo, uma vez que a esquerda está bastante mais forte. Por isso quem tem interesse na candidatura de Ana Gomes é a direita, especialmente a direita que não quer André Ventura, e a esquerda desalinhada com o PS.

Já Ventura e Ana Gomes só têm a ganhar com as suas candidaturas. Com o resultado já decidido, estas eleições serão ideais para candidaturas de protesto. Dos dois, Ventura é o que tem mais a ganhar e a perder. Ana Gomes pouco tem a perder e a ganhar. Pode ganhar mais palco e influência, mas não tem qualquer expectativa de poder subir muitos mais politicamente. Já Ventura tem aqui uma boa possibilidade ter um bom resultado nas urnas. As sondagens têm vindo a subir, mas a verdade é que André Ventura em urnas só vale 1%. As presidenciais poderão ser um bom momento para fazer subir esse resultado. Por outro lado, se lhe correr mal, e não conseguir um bom resultado, sendo que as eleições seguintes são as autárquicas que não costumam favorecer partidos novos por falta de estruturas locais, pode ser o esvaziar do balão.

Bloco e Partido Comunista farão o que fazem sempre. O Bloco irá candidatar Marisa Matias, a única candidata que têm capaz de fazer boa figura numa eleição unipessoal. O PC irá candidatar mais um homem do aparelho para marcar presença.

A grande interrogação é o que fará a direita democrática. Apoia Marcelo? Inventa um candidato? Não faz nada? 

O circo à volta de Adolfo Mesquita Nunes não é para ser levado a sério. Mesmo com todas as qualidades políticas que lhe são conhecidas, é evidente que uma candidatura sua seria um desastre. Não tem força para ser uma alternativa credível a Marcelo, é demasiado sério para ser um candidato de protesto. A candidatura de Adolfo Mesquita Nunes serviria apenas para demonstrar a separação que há entre o povo da direita e as suas elites que se entretêm no auto-elogio no twitter e a fazer zooms entre si. A proto-candidatura de AMN tem como único objectivo cavar mais divisões no CDS e sobretudo relançar o projecto de uma direita supra-partidária liderada por liberais e conservadores iluminados. É um prolongamento do Movimento 5.7, que por muito interesse intelectual que tenha, não tem qualquer expressão social.

Infelizmente estas presidenciais vão ser duras para a direita. Gostemos ou não, não se vislumbra qualquer candidato que consiga influenciar estas eleições. A direita arrisca-se, para não votar em Marcelo Rebelo de Sousa, a apoiar uma candidatura que apenas a fragilize mais. Há um país real para além das capelinhas dos intelectuais da direita, um país real que gosta de Marcelo Rebelo de Sousa e não conhece nenhuma das luminárias por quem a nossa direita tanto suspira. Aquilo que os lideres da nova direita têm que pensar é o que preferem: engolir o sapo e votar em Marcelo Rebelo de Sousa ou arriscar provar a sua insignificância.

No estado actual das coisas não há espaço para grandes manobras nas próximas presidenciais. A maior parte das peças já estão colocadas e não sobra muito espaço no tabuleiro para grandes movimentações. Quem quiser ir a jogo vai ter que ir com as peças que há. E às vezes o mais sábio é mesmo ficar a ver.

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