Nos últimos dias tenho visto muitas pessoas a perguntar como é
possível um médico deixar nascer uma criança sem olhos, nariz e alguns
ossos na cabeça.
Evidentemente que nesta circunstância
não podemos deixar de pensar, antes de mais, nos pais do Rodrigo. Esta
hora só pode ser dramática para eles. Eles tinham o direito a conhecer a
realidade do seu filho e a preparar-se para os desafios de um filho com
deficiências tão profundas. A indignação diante de tal erro médico é
justa, sobretudo ao saber-se que já antes o médico tinha tido vários
processos disciplinares. É natural por isso que a sociedade se indigne
em solidariedade para com os pais do Rodrigo.
Infelizmente parece que, mais do que a incapacidade do médico em
questão de detectar má formações numa ecografia, o choque é por ter
permitido que aquela criança nascesse.
Vivemos num tempo em que
uma criança deficiente é suposto não nascer. Sendo que não nascer é um
eufemismo para matar essa criança na barriga da mãe. Um tempo onde a
dignidade humana, e consequentemente a sua protecção jurídica, está
dependente da ligação emocional que é capaz de suscitar.
É esta
mentalidade, de relativização da dignidade Humana, que permite hoje
discutir a legalização da morte a pedido. Assim como um bebé deficiente
não deve nascer, um doente em fim de vida pode ser morto. Cada vez mais a
vida é digna enquanto não der trabalho ou incómodo, enquanto
emocionalmente me satisfizer. Perdeu-se a consciência de que cada Ser
Humano é único e irrepetível. Que cada Ser Humano é, pela sua própria
condição humana, digno, independente da sua circunstância.
E para quem eventualmente considerar que exagero, basta lembrar que
um dos grande vencedores das eleições de dia 6 foi o PAN, cujo líder
afirmou publicamente que “Há características mais humanas num chimpanzé
ou num cão do que numa pessoa em coma”. Ou que o bloquista Bruno Maia,
que ficou à porta do Parlamento nas últimas eleições, questionou na
televisão nacional qual a dignidade de uma pessoa acamada.
E
assim, esta mentalidade retrógrada, que considera que a Vida Humana só é
digna quando a sociedade o diz, vai-se instalando. Lentamente voltámos
aos tempos de Esparta, onde as crianças deficiente eram abandonadas à
morte. Aos tempos das migrações dos povos germânicos para o Império
Romano, onde os velhos e os doentes eram mortos para não atrapalharem.
Aos tempos de Calígula, que fez do seu cavalo Incitatus cônsul, enquanto
mandava matar qualquer pessoa de quem nãos gostava e prostituía as
irmãs no palácio imperial. A mentalidade que dita a agenda fracturante,
que se considera progressista, nada mais é do que um regresso à barbárie
de um passado distante.
Por tudo isto é cada vez mais necessário
voltar a afirmar publicamente aquilo que muitos julgávamos ser uma
evidência: que a Vida Humana é intrinsecamente digna. A deficiência, a
doença, as capacidades, a inteligência, não diminuem ou aumentam essa
dignidade. E é triste que ainda seja preciso fazê-lo.
É para
afirmar o valor da vida de todos os bebés, saudáveis ou não, de todos os
doentes e idosos, para testemunhar que a vida é sempre digna, que a
Caminhada pela Vida vai sair à rua no dia 26 de Outubro em Lisboa,
Porto, Aveiro, Braga e Viseu. A esta cultura que concebe a Vida Humana
como um valor ao dispor da sensibilidade social e do poder legislativo, é
preciso responder publicamente relembrando que a nossa sociedade está
fundada sobre o valor objectivo da Vida.
Todas as vidas são
dignas. O que não é digno é a maneira como a sociedade tantas vezes
trata os mais frágeis: os deficientes, os doentes, os idosos, os mais
pobres. Caminhar em defesa da Vida não é simplesmente ser contra o
aborto ou contra a eutanásia, é defender uma sociedade que cuida dos
seus, que cuida especialmente dos que mais precisam. É defender mais
apoio às grávidas em dificuldades, mais apoio às famílias com filhos
deficientes, é defender os que cuidam dos doentes, é defender mais
cuidados continuados, mais cuidados paliativos. Caminhar pela Vida é dar
testemunho da sociedade que desejamos, uma sociedade que não mata,
cuida.
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