O
especial publicado pelo Observador esta semana, sobre o abuso sexual de menores
por sacerdotes, não pode, antes de qualquer outra consideração, deixar de
causar dor e repulsa. Dor por aquelas crianças cuja infância foi violentada por
um adulto. E por um adulto que era sacerdote, que devia ser como um pai, que
devia ser a imagem de Jesus nas suas vidas. Pensar naquilo pelo qual aquelas
crianças passaram às mãos de um padre só nos pode fazer chorar de vergonha. E
repulsa, repulsa por um adulto que abusa assim de um menor, por um cristão que
se entrega de tal modo à luxúria que é capaz de usar uma criança, repulsa por um sacerdote que trai desta maneira as suas promessas e a
sua vocação. Um sacerdote que tem como vocação servir a Cristo, mas que faz a
obra do diabo.
E
nenhum número, nenhuma estatística atenua ou apaga a vergonha e a dor destes
abusos. Porque cada caso significa uma criança cuja vida foi ferida em duas das
dimensões mais intimas do homem: a sexualidade e a fé. Pior, o abusador usa a fé
daquela criança para o abusar! Um caso já seria demais.
Dito
isto, é inaceitável aquilo que o Observador fez. Anunciou uma grande
investigação sobre abusos sexuais a menores por sacerdotes, esteve uma
semana a pedir denúncias no fim de todas as páginas do site, insinuou que havia
muitos casos por contar, comparou-se ao Boston Globe e aos jornalistas que
denunciaram grandes casos de abusos em vários países, para depois de facto
publicar quatro casos que já eram públicos e que já tinham sido todos
noticiados!
Ou
seja, o resumo de quatro meses e meio de investigação dos jornalistas do
Observador é contar casos que já eram públicos. Mas o pior foi que, não tendo
sido capaz de facto de encontrar nenhum caso para além deste os jornalistas,
decidem então declarar:
“A estes dados juntar-se-ão ainda
casos que acabaram arquivados sem provas. E os outros números que nunca serão
totalmente conhecidos: os daquelas vítimas que não ousaram partilhar com alguém
aquilo que sofreram, ou que partilharam e viram os seus casos encobertos, sendo
aconselhadas a manterem-se em silêncio.”
Ou
seja, não há factos, mas o jornalista tem a convicção que há mais casos e por
isso afirma-o, sem qualquer problema em lançar a calúnia (uma vez que não
apresenta nada que substancie tal afirmação) que há casos de encobrimento de
abuso de menores!!
Ficamos
por isso a saber que o Observador dedicou quatro meses a uma investigação, que
só conseguiu descobrir o que era público, mas mesmo assim afirma que há mais
casos. Sem qualquer necessidade de provar tão graves alegações.
É
preciso não confundir. O Boston Globe, quando denunciou os casos de abusos de
menores nos EUA trouxe à luz uma teia de padres abusadores que foram protegidos
pelos seus bispos. Foi doloroso para a Igreja, mas a culpa não é dos
jornalistas, mas dos padres e bispos que traíram os seus votos. O Boston Globe
prestou um serviço à Igreja, ao trazer tal porcaria para a luz, permitindo
assim que a Igreja americana se purificasse.
Comparar
isto a quatro histórias requentadas, maquilhadas com grafismo inovador, seguido
de insinuações e calúnias é uma ofensa ao jornalismo. Mas é sobretudo uma
ofensa às vítimas dos abusos que vêm assim as suas histórias novamente nos
jornais sem nenhum outro fim que não seja o de ganhar audiências.
Se
o Observador conhece casos de abusos de menores por parte de sacerdotes que não
sejam públicos tem a obrigação de os revelar. Se o Observador conhece casos onde a
hierarquia da Igreja tentou encobrir abusos de menores tem a obrigação de os
revelar. Agora, se ao fim de quatro meses de investigação não encontrou nenhum
caso para além daqueles que são públicos, então também tem a obrigação de
reconhecer que tudo indica que em Portugal não é sistémico o abuso de menores
por sacerdotes nem há uma conspiração da hierarquia para abafar tais casos.
Infelizmente
o especial do Observador pareceu ser imune aos factos que relata. Aparentemente
o drama daquelas nove crianças serviu apenas como pano de fundo para poder lançar
insinuações e calúnias. Por muito grafismo bonito, por muitas cronologias, por
muitos mapas que o Observador use, a verdade é que tudo espremido o grande especial
do jornal limita-se a juntar histórias públicas de abusos de menores com
insinuações numa tentativa de fabricar uma polémica viral. O estratagema até
pode funcionar a curto prazo. A longo prazo, significa apenas mais um prego no
caixão do jornalismo de referência.
Se eu bem entendo, ao fim e ao cabo, compara-se aqui a actividade jornalística do Observador com a do Boston Globe. Não sei se são comparáveis, por exemplo, dispõem do mesmo orçamento, têm as mesmas acessibilidades em termos de investigação jornalística? Pergunto genuinamente. Por outro lado antes de o Observador ou outros grupos quaisquer encobrirem, somos todos nós que o fazemos sempre que assobiamos para o lado a pequenos indícios, seja em que forma abuso for. Para quando levantar a voz ao mínimo comentário provocativo ou cruel?
ResponderEliminarNão é uma questão de orçamento. A grande diferença é que o BG investigou e encontrou provas de casos de abusos e de encobrimento por parte da Igreja. O Observador investigou e só descobriu onque já era público. Tentarem comparar se ao BG é absurdo!
ResponderEliminarTomara que estas afirmações do observador sejam só isso mesmo calúnias e insinuações. Então investigue-se se se trata de calúnia ou não. É um grande serviço, uma obra de misericórdia, que se presta às (eventuais) vítimas, à Igreja e à humanidade. Por outro lado, tanto quanto sei, nem em direito canónico nem civil, a ausência de provas delibera a inocorrência do acto.
EliminarMas a presunção de inocência ainda se mantém, suponho? Em não havendo provas ou indícios fortes supõem se a inocência do acusado!
EliminarNão consigo encontrar, sem ser no seu texto, a comparação ao Boston Globe por parte do Observador. Mas posso ter procurado mal.
ResponderEliminarNo entanto encontrei isto (link abaixo), que com toda a certeza já deve ter lido e onde se relevam dados (somente desde 2001) e onde se encontram pérolas preciosas proferidas pelo porta-voz dos Bispos portugueses depois de reunião preparativa para a cimeira que decorre na próxima semana no Vaticano, e da tal reportagem do Observador que, no seu entender, nada de novo trouxe a lume...
https://observador.pt/2019/02/12/igreja-catolica-portuguesa-diz-que-investigou-uma-dezena-de-suspeitas-de-abuso-sexual-desde-2001/
https://observador.pt/2019/02/10/abusos-sexuais-na-igreja-em-portugal-conte-nos-a-sua-historia/
EliminarBom dia...
Eliminar"Ao longo de quase duas décadas, várias investigações, desencadeadas ou, pelo menos, fortemente impulsionadas pelas reportagens publicadas em 2002 no Boston Globe, revelaram de forma inequívoca que a hierarquia da Igreja Católica ocultou, de forma sistemática, milhares de casos de abusos sexuais cometidos por membros do clero."
É esta a parte em que o Observador se compara ao Boston Globe?
De facto a língua portuguesa é das, senão a, mais belas do mundo. Pois quando bem escrita consegue levar a que possamos, conforme o nosso desejo e objectivo, interpretar das maneiras mais diversas e díspares...
Já eu, caro Zé Maria Duque, prefiro antes este parágrafo:
"Enquanto eram tornados públicos casos na Alemanha, Suíça, Irlanda ou Austrália — ou até na própria cúpula do Vaticano —, a Igreja em Portugal manteve-se relativamente discreta. Mais: os bispos portugueses recusam mesmo, pelo menos para já, a possibilidade de investigar a verdadeira dimensão do problema no país, argumentando que tal estudo não é necessário devido ao número reduzido de casos."
E livremente, tal como o fez, deduzo então que um só caso...um só que seja, não é o suficiente para a Igreja em Portugal levar este "cancro" (reparou como uso uma metáfora medicinal para descrever numa só palavra o pesadelo da pedofilia por parte de membros da Igreja, e foi pensado... pois tal como o cancro, este mal que aflige a sociedade, se não for detectado e tratado a tempo pode evoluir) a sério.
Abraço e bom fim de semana...
PS: Gostei de descobrir este cantinho onde escreve, pois embora não concorde com todos os seus posts, são de uma leitura interessante e de uma actualidade pertinente.
Um só caso é mais que razão para levar a sério. E a Igreja portuguesa leva o assunto a sério. De tal maneira que criou um código de conduta sobre o tema. Por isso suspendeu todos os sacerdotes cuja culpa foi provada.
EliminarO que a Igreja não faz é criar repostas igual a dos países onde há evidências de que o abuso menores por sacerdotes é sistemático e de que a hierarquia os abafou. Não o faz porque isso não aconteceu em Portugal.
Obrigado pelo elogio e esteja sempre à vontade para comentar.
https://rr.sapo.pt/artigo/141191/a-pedofilia-na-igreja-portuguesa-ficar-e-limpar?fbclid=IwAR1ZIQQnsnscVs5pllDmNSn3LWuRUzhwTlMgdxuxmtEqzaR5wvwzjlXnvLA
ResponderEliminar