terça-feira, 29 de novembro de 2016

Homícidio a pedido da vítima: à espera do debate - Público, 29/11/16

 Só existem dois países do mundo onde a Eutanásia é legal: a Bélgica e a Holanda. Em ambos os países esta prática é definida como a morte de alguém que o tenha pedido e que seja executada por um terceiro. Ou seja, aquilo que neste dois países é legalmente definido como Eutanásia é, na lei portuguesa, definido como homicídio a pedido da vítima (cfr Código Penal, artº 134º.).

Em ambos os países o homicídio a pedido da vítima só é permitido em casos de grande sofrimento, onde não haja esperança de melhoria. Em ambos os países é preciso que a eutanásia seja autorizada pelo médico. Em ambos os casos é o médico que executa a eutanásia.

Evidentemente que os modelos belga e holandês não são os únicos possíveis. É evidente que poderá haver uma lei que legaliza o homicídio a pedido da vítima mais restritiva ou mais liberal do que estas. Parece-me é que dificilmente haverá quem defenda uma lei onde qualquer pessoa que expresse a sua vontade em morrer tenha o direito a ser executada pelo Estado.

Ora, como já anteriormente afirmei, não me parece que o movimento Pelo Direito a Morrer com Dignidade defenda um quadro legal muito diferente do que aquele que hoje existe nos dois países que referi. Ou seja: a morte a pedido da vítima ser possível nas circunstâncias que a lei previr; ser necessário um agente nomeado pela lei para aferir se no caso em concreto se aplica a lei; a morte ser executada por um profissional de saúde autorizado pela lei.

É neste contexto que tenho defendido que aquilo que estamos a debater neste momento em Portugal não é a autonomia pessoal, mas sim saber se há condições em que o Estado pode permitir e promover o homicídio a pedido da vítima.

Por isso peço desculpa ao Professor Rosalvo Almeida, mas perguntar se o Estado pode decidir se há vidas menos dignas não é uma pergunta capciosa, como afirmou no seu artigo de 5 de Setembro, mas uma pergunta que se impõe diante da proposta que o Estado autorize e promova a morte de um cidadão em casos de sofrimento e doença. Mais ainda, relembro que aquilo que se está a discutir, aquilo que é pedido na petição a favor da eutanásia que se encontra agora no Parlamento, não é a mera despenalização da eutanásia, mas sim a sua legalização. Seria bom que o senhor professor, tão lesto em acusar os outros de usarem falácias, não as utilizasse só para "ganhar" o debate

Peço também desculpa à Professora Laura Ferreira dos Santos pela minha insistência, ou perseguição como afirma no seu artigo de dia 1 de Novembro,  em debater este assunto. Eu bem sei que seria bastante mais cómodo que o debate se limitasse aos apoiantes da eutanásia. Bem sei que se me limitasse a aceitar a autoridade do Professor Rosalvo Almeida que garante que a minha argumentação é uma falácia (mas sem nunca a refutar) a vida seria mais agradável. Infelizmente um debate público inclui o contraditório, até de quem não possui a autoridade sapiencial dos professores acima citados.

Por isso continuarei à espera de quem aceite debater realmente o problema da legalização do homicídio a pedido da vítima. Infelizmente, já percebi que o Professor Rosalvo Almeida e a Professora Laura Ferreira dos Santos só estão disponíveis para sermões.

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Aleppo: Que Deus nos Perdoe.





Estive ontem na Igreja da Encarnação ao Chiado a ouvir o testemunho da Irmã Guadalupe. Esta freira é missionária e esteve em Aleppo nos últimos anos. Nos últimos tempos tem percorrido o mundo a alertar para a situação que se vive naquela cidade.

É impressionante ouvir o testemunho da irmã e perceber a gravidade da campanha de desinformação de que temos sido alvos no Ocidente. Todos os políticos e media ocidentais vendem a guerra Síria como uma luta dos rebeldes pela liberdade contra o tirânico governo de Assad.

A verdade é que Assad é dos poucos líderes laicos daquela região. A Síria é dos poucos países com liberdade religiosa, onde as mulheres tinham direitos (incluindo a andar de cabeça de descoberta!!) e com total estabilidade.

Os "rebeldes" não lutam por uma maior democracia, mas por uma teocracia, um estado islâmico, onde só o Corão é lei. Os "rebeldes", que na sua maioria nem sírios são, pertencem a grupos extremistas islâmicos, como a Al-Nursa (o braço da Al-Queida na Síria e berço do Estado Islâmico) e a Irmandade Muçulmana.

Ouvir a irmã Guadalupe força-nos a tomar consciência do sangue que está nas mãos do Ocidente quando decidiu ignorar, não apenas as consequências de uma guerra travada por bárbaros, mas a perseguição sistemática aos cristãos na Síria levada a cabo por grupos armados e financiados pelos países "democráticos".

Em nome de interesses políticos e de jogos diplomáticos o Ocidente ignorou o extermínio dos cristãos sírios. Crianças, mulheres grávidas, idosos torturados e mortos sem ter quem os defendesse. As cabeças expostas nas praças sírias, os corpos exibidos em cruzes, os mercados de escravos. Tudo isto foi ignorado com o único objectivo de remover Assad, qualquer que fosse o custo a pagar.

Porque não, não é apenas os Estado Islâmico que promove estes actos bárbaros, mas também grupos de rebeldes apoiados e armados pelo Ocidente (para além disso, o Estado Islâmico só existe na Síria por causa do enfraquecimento do governo, por isso também pelos seus actos o Ocidente é responsável).

Durante a campanha eleitoral americana ouvimos muitas vezes que Trump podia conduzir o mundo a uma guerra mundial. Isso não sei, esperemos que não. O que sabemos é que Clinton e a administração Obama, patrocinaram o genocídio dos cristãos sírios, assim como o martírio de todo aquele povo. Sobre isso nenhum jornalista, nenhum politólogo, nenhum comentador falou. Preferem todos atacar Vladimir Putin, que com todos os defeitos, foi quem garantiu que a Síria não ficasse entregue a terroristas islâmicos. Quando oiço comentar o perigo da aproximação entre Trump e Putin o meu primeiro pensamento é de que pode ser que finalmente os americanos deixem o povo Sírio em paz.

O sangue dos inocente de Aleppo, dos inocentes de toda a Síria, clama por justiça! Diante de uma sociedade hipnotizada pela comunicação social é urgente proclamar esta verdade: A Síria precisa de paz e a paz, neste momento, só é possível com a derrota do Estado Islâmico e dos rebeldes. Apoiar os rebeldes é continuar a apoiar a morte de inocentes, é continuar a apoiar o genocídio dos cristãos sírios.

A Irmã Guadalupe ontem pedia só duas coisas: oração e difusão. Rezemos e não cessemos de gritar ao mundo o que hoje mesmo está a acontecer aos nosso irmãos em Aleppo.

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Eleições na América: Algumas Notas.




1. A vitória de Trump é clara e em todas as frentes. Tem o maior número de grandes eleitores, ganhou o voto popular, ganhou na maioria dos Estados. Os Republicanos têm maioria no Senado e na Câmara dos Representantes. Não há dúvida nenhuma que os americanos querem os Republicanos de volta ao poder.

2. Nas últimas semanas muito se falou da hipotética recusa de Trump em aceitar uma derrota. Sobre este assunto tudo se disse. É de estranhar pois o silêncio após a recusa de Hillary em publicamente assumir a derrota. O que vem aliás comprovar que as diferenças entre um e outro não são assim tão grandes, a diferença parece ser o tratamento que a imprensa concede a cada um.

Os mesmos jornalista e comentadores que acusaram Trump de não respeitar a democracia procuram agora toda a espécie de desculpas para justificar a atitude de Clinton.

Num momento de grande divisão teria sido um importante sinal de unidade nacional e respeito democrático que Hillary reconhecesse publicamente a derrota.

3. Esta eleições demonstram o divórcio cada vez maior entre as elites e a maioria popular.

Trump é eleito contra a vontade dos media, dos opinion makers, das estrelas de Hollywood, dos apresentadores de talk shows, até contra a vontade da liderança do seu próprio partido.

É cada vez mais evidente que a população (e não apenas na América, veja-se o Brexit, o sucesso da Frente Nacional ou do Syriza) desconfia hoje do sistema. Aliás o maior trunfo de Trump sempre foi o seu passado sem experiência política e o discurso anti-politicamente correcto.

Penso que é hora de se começar a pensar o que está de errado num sistema onde as elites e o povo vivem de costas voltadas.

4. O discurso de vitória de Trump foi o contrário da sua campanha: pacífico, moderado, amistoso.

Começou por elogiar Clinton. Apelou a união de todos os americanos. Disse querer boas relações com todos os países. Falou, em tom grandioso como lhe é habitual, do sonho americano, do potencial da América e da reconstrução nacional.

É de assinalar a operação de charme que Trump lançou aos seus aliados Republicanos durante o discurso. Ao contrário do que é habitual neste género de discursos, Trump foi muito informal, chamando vários da seus apoiantes ao placo, sublinhando a sua importância na vitória, usando quase sempre a palavra "nós".

Este Trump é bastante diferente, para melhor, do Trump candidato. Agora é esperar para ver se o Presidente Trump será o conciliador do discurso de vitória ou o populista da campanha.

5. A campanha foi das mais feias da história americana. Ambos os lados construíram a sua campanha com base no insulto ao seu adversário. Se isto era expectável da parte do populista Trump, a verdade é que Clinton em nada contribuiu para subir o nível da campanha.

6. Em muitas discussões que tive durante a campanha americana ouvi que o aborto era um assunto que não estava em discussão nestas eleições. A verdade é que com a vitória Republicana vai ser possível (logo veremos o que acontece) acabar com o financiamento federal ao Planned Parethood. A nomeação de juizes pró-vida para o Supremo também irá possibilitar reabrir a discussão sobre o aborto livre.

7. A América está hoje profundamente dividida. A vitória de Trump, o mesmo aconteceria com a vitória de Clinton, não vem ajudar a essa divisão. O presidente-eleito terá, entre outros grandes desafios, a missão de pacificar internamente o país.

O discurso de ontem demonstra essa vontade. Porém, as palavras valem pouco. Também Obama fez sempre o discurso da unidade do país, enquanto as suas acções ajudavam a cavar ainda mais o fosso entre americanos.

Esperemos que Trump nos surpreenda e que de facto passe das palavras à acção. Infelizmente, se assim não for, os Estados Unidos enfrentarão tempos muito difíceis.

8. Como já começa sendo hábitos, as sondagens e previsões demonstraram estar enganadas. Ao contrário de todas as previsões, não só Trump ganhou como os Republicanos mantiveram o controlo sobre o Congresso.

É evidente que existe hoje um problema com as empresas de sondagens. A população eleitoral mudou e é evidente que estas empresas ainda não conseguiram acompanhar esta mudança.

Mas também é importante começar a pensar até que ponto é que hoje as sondagens se transformar em arma de campanha. Gostemos ou não, estas influenciam os resultados. E a verdade é que hoje em dia parecem mais obedecer aos desejos das empresas que as realizam do que à realidade.

terça-feira, 8 de novembro de 2016

O Outro Como Bem: O Caminho da Democracia




A Democracia tem como base a ideia que todos os Homens são iguais em direitos e dignidade e que por isso cada um tem igual direito de contribuir para o governo da sociedade.

Por isso numa democracia verdadeira não é suficiente o sufrágio universal e eleições livres e justas. É também necessário o respeito pelos direito de cada individuo.

A Democracia só funciona quando existe respeito pelo outro. Dentro de uma democracia não pode haver inimigos, apenas adversários. Pessoas que defendem soluções diferentes da minha, mas que trabalham para o bem comum.

A Democracia acaba quando os adversários políticos passam a ser inimigos. Quando os partidos e as facções se constituem como único alternativa possível, quando o outro é um mal que tem ser evitado e destruído (ainda que apenas nas urnas), então aí a Democracia transforma-se numa ditadura da maioria, onde quem consegue o poder impõe a sua vontade, ignorando a aquela fatia da população que não votou em si.

Neste momento, um pouco por todo as democracias ocidentais, assistimos a uma polarização da política. Trump e Hillary (escrevo enquanto os americanos estão a ir às urnas) são disso exemplo claro. Das notícias e comentários que vão sendo publicados parece que ninguém vai votar nos candidatos porque gosta deles, simplesmente porque considera o adversário mau.

Mas este fenómeno não é apenas americano. Espanha precisou de dez meses e duas eleições para conseguir ter um governo (e mesmo assim, parece que só o medo de desaparecimento levou o PSOE a aprovar o governo PP). Em Portugal, o PS preferiu aliar-se à extrema esquerda do que permitir aos vencedores das eleições governar. Em França a Frente Nacional é cada vez mais a maior força política. A Grécia elegeu um governo de extrema esquerda que não teve problemas em aliar-se à extrema direita para governar. 

Em todos estes casos uma coisa é clara: a clivagem entre forças políticas é cada vez maior. Não há espaço para os moderados, só para extremos. Ou estás connosco, ou contra nós. E então nesse caso és um vendido à europa ou então um nacionalista; a favor da austeridade ou um irresponsável gastador; islamofóbico ou apoiante do terrorismo. Cada lado vive na sua trincheira, olhando com ódio para o inimigo escondido poucos metro à sua frente, esperando apenas o momento certo para o destruir.

Esta polarização da política é um perigo para a Democracia. É um perigo porque torna fácil a quem tem força suficiente para governar cair no despotismo. Se o outro é um mal, se aquilo que outro defende é completamente errado, se eu tenho poder, então não há razão alguma para não fazer tudo de acordo com a minha vontade, sem ter em conta os direitos do outro. Claro que todos os sistemas democráticos têm limites ao poder. Mas mesmo esses limites podem, em democracia, ser ultrapassados.

Podemos assim ter um sistema aparentemente democrático, com eleições livres e justas, com separação de poderes, com uma constituição, mas que no fundo é a ditadura dos que ganham. E para aí caminhamos.

A única solução é de facto começar a olhar para o outro, para aquele que discorda de nós, como uma possibilidade de bem. Perceber que em cada homem existe um desejo de justiça, de felicidade e de amor. E que mesmo quem propõe soluções erradas, busca tal como nós o Bem Comum.

Não significa isto um relativismo em relação à Verdade. Mas um olhar aberto para o outro, de maneira a ser possível fazer verdadeiramente política, ou seja, construir o bem comum, mesmo com aqueles com quem não concordamos.

É evidente que existe sempre a liberdade do outro, que pode recusar esta abertura. Que pode insistir em demonizar-nos e tratar-nos como monstros. Mas quanto a isso nada podemos fazer.

Este caminho, o de tratar o outro como um bem, é um caminho difícil e complicado. Não é fácil vencer suspeitas e ultrapassar preconceitos. Mas é o único possível para uma sociedade verdadeiramente livre.

Trump ou Clinton, os EUA vão eleger um mau presidente - Rui Ramos, Observador, 8/11/16

Não sei qual dos dois candidatos os americanos vão escolher, mas seja qual for, vão escolher um mau candidato, que será um mau presidente. Donald Trump é pior do que Hillary Clinton? Talvez, mas não nos deixemos ofuscar pelas lendas que fazem de Trump um intruso, a tentar subverter de fora o regime americano. Porque se o milionário, estrela de televisão e antigo anfitrião dos Clinton representa alguma coisa, são tendências há muito manifestas num sistema de que também ele faz parte.

Trump é quase tudo o que dizem dele. Mas não está sozinho. Trump parece excepcionalmente incivil, mas só até vermos a ousadia com que a imprensa dita “séria” se permite escrever sobre ele. Trump divide os americanos, mas Clinton faz o quê, quando, com uma velha sobranceria oligárquica, classifica as plebes que não votam nela como “deploráveis”? Trump é paranóico, mas a campanha de Clinton não hesitou em insinuar que o FBI conspirava contra ela. A indulgência com que Trump trata Putin é chocante, mas só se nos esquecermos que Obama começou com uma complacência igual. Trump é proteccionista, mas já também Clinton renega os tratados de comércio. Trump é autoritário, mas poucos presidentes abusaram tanto das “ordens executivas” como Obama. Trump não é apenas um populista: é um espelho do sistema, mais do que ele próprio ou os seus inimigos gostariam de admitir.

Na política interna, Trump e Clinton concordam em muita coisa, a começar pelas políticas sociais e pela intervenção do Estado na economia. É nos negócios estrangeiros, que Trump parece destoar, com o muro contra o México, a ameaça de guerra alfandegária com a China, e o desinteresse pela NATO. Dir-se-ia que Trump acredita que a prosperidade nacional dos EUA pode ser separada da ordem mundial que os EUA fundaram através de alianças militares e acordos de comércio. Na Europa, já se chora a perda do guarda-chuva americano, se Trump ganhar.

Acontece que, mais uma vez, Trump não está a romper com uma tradição, mas a reforçar uma tendência. Afinal, foi Barack Obama quem deixou Putin à solta na Ucrânia e na Síria, a Turquia em deriva neo-otomana, e a China a plantar bandeiras nos mares do sul. E foi também Obama quem denunciou os aliados dos EUA como “free riders”. A tentação isolacionista americana não começou com Trump. Já em 2000, Al Gore acusava George W. Bush de “isolacionismo”. O 11 de Setembro arrastou Bush para fora da América. Mas em 2008, Bush abandonou a Geórgia a Putin, apesar de a Geórgia estar a combater ao lado dos americanos no Iraque.

O problema não está só em Trump. Foi a elite americana que perdeu a sua velha crença num destino mundial. Os EUA têm uma população a envelhecer, que exige cada vez mais do Estado. A sua economia é ainda uma das mais prósperas do mundo, mas já não cresce como no passado e está carregada com uma dívida maior do que a que existia antes de 2008. Estes não são os EUA de 1960, de Kennedy e de Johnson, decididos a combater o comunismo e a pobreza no mundo.

Talvez o mundo precise de um grande presidente americano. Mas se não o teve em Obama, também não o terá desta vez. A polarização da opinião americana, conjugada com a divisão constitucional dos poderes, limitaria o alcance de qualquer presidência. O cadastro dos candidatos – e haverá mais investigações sobre a falta de transparência e o enriquecimento dos Clinton – é tão temível, que muito provavelmente o mundo não será a sua maior preocupação. Para já, ainda ninguém foi eleito, e a conversa política é já toda sobre o “impeachment” do próximo presidente, Clinton ou Trump. Nestas eleições, parece que os americanos, à direita ou à esquerda, não esperam escolher mais do que um mal menor. Mas um mal menor é ainda um mal. E mais tarde ou mais cedo, é isso que os americanos — e o mundo — vão descobrir.