sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

O Governo Tem Três Pais.




O Bloco de Esquerda decidiu lançar uma campanha para celebrar a promulgação da adopção por pares do mesmo sexo. Para além dos cartazes com os habituais lugares comuns, o Bloco decidiu também produzir um cartaz de mau gosto, provocador e blasfemo com a imagem de Jesus.

Evidentemente o cartaz em questão tem provocado, muito justamente, a indignação de muita gente. Não é preciso ser cristão para perceber que o cartaz é um ataque gratuito, com o qual o Bloco procura apenas ofender. Por isso podemos e devemos denunciar estes cartazes, podemos e devemos fazer uma petição a pedir ao Bloco que os retire (já assinei a do Citizengo e aconselho todos a fazerem o mesmo), podemos e devemos rezar em desagravo pela ofensa a Jesus, podemos e devemos enviar cartas e emails ao Bloco de Esquerda (bloco.esquerda@bloco.org, Rua da Palma, 268, 1100-394 Lisboa) a manifestar o nosso descontentamento, e não me escandalizaria se alguém se limitasse a arrancá-los (embora não o possa aconselhar).

Contudo, também devemos não fazer o jogo do Bloco. Estes cartazes não têm como objectivo festejar a adopção entre pessoas do mesmo sexo ou atacar a Igreja. Claro que o fazem, mas não é esse o objectivo.

O objectivo do Bloco é claro: fazem uma campanha infame, nós respondemos, eles tocam a rebate a dizer que estão a ser atacados pelos conservadores e voltam a ser o partido da esquerda revolucionária, sem medo de atacar o poder instalado. E assim, como por magia, deixam de ser um dos partidos que suporta o Governo e tentam voltar a ser o partido anti-sistema.

Por isso a resposta mais inteligente a estes cartazes é relembrar que o Bloco apoia um governo que vendeu ao preço da chuva a parte boa do BANIF e que deixou para os contribuintes a parte má.

É relembrar que o Bloco prometeu bater o pé a Bruxelas e à grande finança, mas apoia um governo que corrigiu o orçamento até este ser aprovado pela Europa e pelas agências de rating.

É relembrar que o Bloco prometeu renegociar a dívida e contentou-se com uma vaga promessa de um grupo especial que haverá de discutir o assunto nas calendas gregas.

É relembrar que o Bloco prometeu aumentar os rendimentos das famílias para depois aprovar o fim do coeficiente familiar a troco de uma dedução por filho, que de facto aumenta o IRS das famílias.

É relembrar que o Bloco prometeu baixar o IVA da restauração e que aplaudiu uma diminuição só sobre alguns produtos e que só irá vigorar a partir do meio do ano.

É relembrar que o Bloco exigiu o aumento real das pensões mais baixas, para depois concordar com o aumento real apenas das mais altas.

É relembrar que o Bloco prometeu mais impostos para os mais ricos, para depois aumentar os impostos sobre os combustíveis, aumento que irá custar bastante mais ao pequeno agricultor que lavra a terra com o seu tractor antigo do que ao CEO que quer abastecer o seu Mercedes.

É relembrar que o Bloco é um dos pais deste Governo que se ajoelhou perante a banca, se ajoelhou perante a Europa e se ajoelhou perante as agências de rating.

Esta campanha do Bloco tem como objectivo atirar areia para os olhos. A ofensa aos cristãos serve apenas para inflamar a franja de radicais que habitualmente os apoia. Assim, tentam disfarçar o facto de que o Bloco de Esquerda deixou de ser o partido revolucionário e anti-sistema, para ser um partido burguês que vive hoje maravilhado com o poder.

Por isso, a melhor resposta pública para a campanha do Bloco é simplesmente perguntar: e este governo, quantos pais tem?


quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Eutanásia: Um Regresso ao Passado.




Na antiguidade não existia a noção de dignidade da vida humana. O homem tinha o valor que a sociedade ou o Estado lhe concediam. Em civilizações mais desenvolvidas, como Roma ou a Grécia, o cidadão tinha vários direitos e estava razoavelmente protegido. Contudo, esta protecção não se estendia às mulheres, às crianças, aos jovens antes de se casar, aos escravos e aos não cidadão em geral.
                                     
Em sociedades mais primárias, como por exemplo nas tribos migrantes germânicas, a vida de cada um dependia da sua capacidade de acompanhar a migração. Por isso, regra geral, os velhos eram mortos.

Nas civilizações do próximo oriente, onde os reis eram absolutos, a vida de cada pessoa estava totalmente dependente da vontade real.

Os sacrifícios humanos eram uma realidade habitual na Europa, assim como a caça de cabeças, até à conquista romana da Gália.

Em Cartago, os sacrifícios rituais de bebés pelo fogo eram também uma tradição, só extinta com o fim da cidade.

Foi o Cristianismo que introduziu na civilização ocidental a noção de que a vida humana tinha um valor inviolável objectivo. Foi a ideia de que o homem foi criado por Deus à sua imagem e semelhança, juntamente com a ideia de que Deus se tinha feito homem e morrido para que qualquer pessoa se pudesse salvar, que fez crescer o conceito de que toda a vida humana, independentemente de qualquer consideração, tinham dignidade.

Evidentemente que esta consciência não se tornou clara toda de uma vez. A expansão do cristianismo não se fez de uma forma política, mas sim através da evangelização feita de avanços e recuos. Antes de mais, a proposta cristã é uma proposta pessoal que convida à conversão pessoal.

A Igreja, sendo uma realidade divina, é constituída por homens pecadores e imperfeitos. Por isso, à proposta de Cristo muitas vezes se sobrepuseram cálculos humanos e considerações mundanas, que levaram a acções, algumas feitas em nome da fé, contrárias à proposta cristã. Mas basta comparar a Europa cristã medieval com as outras civilizações coevas, para se perceber que era um espaço de maior liberdade e respeito pelo homem do que qualquer outra.

A centralização do poder do Estado, a Reforma, a Contra-Reforma e as guerras religiosas conduziram a uma politização do cristianismo. A fé passou a ser um facto político, de uniformização nacional, garante da paz e da ordem. Este facto reduziu o cristianismo a uma conjunto de valores e rituais, independentes da fé.

Criou-se então um núcleo de valores comuns aos vários países europeus. Valores esses que se mantiveram mais ou menos constantes até ao século XIX. A Revolução Francesa marcou um inicio de uma nova era. Uma ideologia pós-cristã, onde o homem foi substituído pelo povo ou pelo Estado ou pela Nação. A evolução desta mentalidade pós-cristã foi avançando na Europa em diferentes direcções e com velocidades diferentes. Mas as consequências foram tremendas e tiveram o seu ponto mais dramático nos totalitarismos do século XX: o Comunismo, o Nazismo e o Fascismo.

Mas, ao mesmo tempo, também se desenvolveu uma outra mentalidade pós-cristã, mais subtil, mas também destruidora. Uma cultura que utiliza as palavras cristãs (liberdade, dignidade, fraternidade, autonomia) e lhes dá um novo significado. Foi esta mentalidade que triunfou fulgurosamente no pós-guerra, sobretudo após o Maio de 68.

Vivemos por isso num tempo em que, sobre o manto do progresso, voltamos à antiguidade. A um tempo em que a vida humana deixou de ser um valor objectivo, mas voltou a estar dependente do valor que a sociedade lhe atribui.

Esta mentalidade começou a instalar-se com a questão do aborto. Toda a "publicidade" pró-aborto se baseia no facto de que o embrião necessita de um conjunto de premissas para merecer protecção jurídica. Já não basta ser vida humana, tem que ter sistema nervoso central, ou que sentir dor, ou que ter batimentos cardíacos ou mesmo que interagir com os outros. Ou então, que ter um desenvolvimento perfeito. Se assim não for, então não tem valor e pode ser eliminado.

O caminho continuou a ser feito com a ideologia do género que afirma que cada homem é que constrói o seu próprio género, mesmo contra a natureza, se for preciso, porque o homem (ou seja a sociedade, o Estado, o poder) tem o poder de se definir a si mesmo.

Por fim, chegámos à eutanásia. E eutanásia vem no fim porque é uma conjugação das falácias do aborto com as falácias da ideologia do género.

Do aborto, porque retoma a ideia de que a vida humana só tem dignidade quando existem um certo número de requisitos. Fora disso, a vida passa a ser um bem disponível.

Da ideologia do género, porque leva ainda mais longe a ideia da autonomia. O homem não só tem liberdade para se definir a si mesmo, como tem liberdade para decidir quando deve morrer. E esse "direito" deve ser assegurado pelo Estado.

Ora, dois mil anos de história, demonstram que estas premissas são falsas. A vida humana tem valor e dignidade pelo simples facto de ser vida; o homem não tem o direito de se violentar a si mesmo; o Estado não pode nem deve permitir ou executar violência sobre os cidadãos, mesmo que a pedido dos próprios.

Negar estes princípios é regressar ao tempo em que o homem era definido pelo poder. Conceder ao Estado o direito de matar quem sofre, é o regresso à mentalidade bárbara dos povos germânico que eliminavam os mais fracos para seu próprio bem.

Por baixo de uma retórica glicodoce, de um discurso que mistura um falso sentimentalismo com uma falsa defesa da dignidade humana, utilizando e abusando do sofrimento de milhares de pessoas, os defensores da eutanásia defendem uma sociedade onde a vida humana já não tem qualquer valor.

A questão que se coloca é: como resistir a este avanço aparentemente inexorável desta cultura pós-cristã? Como podemos lutar contra esta nova mentalidade, que nega até as verdades mais elementares?

É evidente que há uma resposta política, que pode e deve ser dada. Independentemente da hipótese de vitória ser reduzida, é um dever tentar travar as leis injustas. E por isso, em chegando o momento, iremos à batalha com todas as nossas capacidades. Mas a verdade é que os proponentes da eutanásia têm mais dinheiro, mais apoio político e mais influência na comunicação social do que nós. Por isso a derrota, agora ou daqui a uns anos, é aparentemente inevitável. E isto não nos deve desincentivar. Porque defender a verdade é um bem em si mesmo, que não depende do resultado final.

Mas a luta política não chega. Porque o problema não é político, mas sim cultural. Por isso a pergunta é como é que pudemos mudar esta cultura, que nega até as maiores evidências?

A resposta é olharmos para o modo como Cristo construiu a Igreja. No tempo de Jesus havia também enormes problemas políticos: escravatura, jogos de gladiadores, um sistema tributário injusto, poderes corruptos, etc. Porém, Jesus não perdeu tempo a pregar a revolução social. Usou o seu tempo para testemunhar a Verdade. Escolheu uns quantos e disse-lhes para O seguirem. E assim começou a maior revolução da História.

Por isso, também nós temos que voltar atrás. Olhar para os primeiros cristãos, olhar para São Bento, olhar para São Francisco de Assis e São Domingos, para São Francisco Xavier, para São Vicente de Paulo, para São João Paulo II, para a Beata Teresa de Calcutá e para tantos outros santos. Eles perceberam que antes de mudar a sociedade é preciso converter o coração do homem e para isso era preciso, antes de tudo, testemunhar Cristo, O único capaz de responder plenamente ao desejo humano.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Três Histórias Verdadeiras e Uma Inventada - PÚBLICO, 09/02/2016




Anabela tinha atingido a maioridade há pouco tempo quando ficou à espera de bebé. Vivia numa família sem problemas de dinheiro, numa cidade nos arredores de Lisboa. Os seus pais não ficaram nada contentes e pressionaram para que ela fizesse um aborto, convencidos de que aquela criança haveria de lhe estragar a vida. Dirigiram-se ao Centro de Saúde e pediram à médica de família que convencesse Anabela a abortar. A médica recusou-se e apoiou a decisão de Anabela em ter o bebé. Os pais expulsaram-na de casa e Anabela foi para o estrangeiro onde começou uma carreira de sucesso. Hoje os pais dizem que o neto foi a melhor coisa que lhes aconteceu.

Benedita também ficou à espera de bebé bastante cedo. Vivia numa pequena aldeia a menos de uma hora de Lisboa e vinha de uma família com poucas posses. O medo do escândalo e a pobreza levaram-na até a uma clinica em Lisboa para abortar. Encontrou um grupo de voluntários que lhe ofereçam ajuda para ela ter o bebé. Contactaram uma pessoa que vivia perto da sua aldeia, que lhe ofereceu todo o apoio para que ela pudesse continuar a gravidez. Hoje o seu filho está no primeiro ano e é um belíssimo aluno.

Clara já era uma mulher feita quando engravidou. Vivia numa aldeia no Alentejo e trabalhava no campo. Quando ficou à espera de bebé entrou em pânico e decidiu fazer um aborto. Falando com um casal amigo estes ofereceram-lhe todo o apoio que ela precisasse para o bebé. Hoje a sua filha está na escola e no ano passado o casal que a ajudou foi padrinho de baptismo da criança.

Todas estas histórias são verdadeiras (tirando os nomes) e foram-me contadas por pessoas que nelas participaram. Todas elas têm três pontos em comum:

- As três mulheres queriam ter os seus filhos, mas estavam a ser empurradas para o aborto por diversas circunstâncias (pressão familiar, social, falta de dinheiro).

- Todas elas foram ajudadas por pessoas que não tinham nenhuma obrigação de as ajudar, mas que se interessaram por elas.

- Nenhuma recebeu qualquer informação do Estado sobre os apoios disponíveis para terem os seus filhos.

Estes três casos são apenas exemplos das centenas de mulheres que vão abortar e não o fazem porque têm a sorte de encontrar ajuda. E têm um final diferente das dezenas de milhares de histórias de mulheres que abortam porque não tiveram a sorte da Anabela, da Benedita e da Clara, de encontrarem pessoas que se interessem por elas.

A Lei de Apoio à Maternidade e Paternidade, que a esquerda tão rapidamente revogou, cuja revogação foi vetada pelo Presidente e que a esquerda se prepara para novamente votar, iria permitir que não fosse preciso sorte para que uma grávida em dificuldade encontrasse ajuda. Passaria a ser obrigatório por lei que o Estado providenciasse informação e apoio a esta mulheres.

Mas para a esquerda (e para um ou dois deputados de direita) mulheres como a Anabela, a Benedita e a Clara não lhes interessa. Só lhes interessa a bandeira do aborto livre.

A atitude da esquerda durante todo o debate destes diplomas lembra-me uma outra história, esta inventada por Guareschi no seu Pequeno Mundo. A história passa-se pouco depois da IIª Guerra Mundial e há fome em Itália. Don Camilo distribui ajuda alimentar oferecida pelos americanos. Os comunistas estão proibidos de aceitar. Há um que, diante do filho cheio de fome, desobedece. É apanhado por um comissário do partido, que lhe bate e deita a comida fora em frente ao filho. Discutindo o caso com Peppone, líder comunista local, este diz-lhe:

- Deram-te uma ordem e as ordens no partido obedecem-se sem discutir.

Ele responde:

- A fome dos filhos manda mais que o partido.

Dia 10 de Fevereiro ficaremos a saber quem manda mais nos deputados: se o partido, se o drama das mulheres, que ao contrário da Anabela, da Benedita e da Clara, não encontram quem as ajude.

José Maria Seabra Duque
Jurista
Coordenador-Geral da Caminhada Pela Vida.