O maior efeito da vitória do Não no referendo de ontem na Grécia foi
a expectativa. A verdade é que ninguém sabe o que vai acontecer de seguida. A
Europa aparenta estar a um passo do fim e não parece existir nenhum caminho possível
para resolver este problema.
Qualquer ilusão de que o resultado de ontem
seja a recuperação da soberania da Grécia é pura ilusão. Nenhum país que não
possa pagar o que deve e que ao mesmo tempo precisa de mais empréstimos dos seus
credores para sobreviver é soberano. Por isso o resultado de ontem não traz
nada de novo, só o agravar o problema.
O que vai acontecer agora ninguém sabe.
Seguramente haverá reuniões, cimeiras, telefonemas. As opiniões e as soluções
dos comentadores irão chover. Sobretudo, iremos assistir a um desfiar de
culpas. Culpa dos gregos que são malandros, caloteiros e não trabalham, culpa
dos alemães que querem dominar a Europa, culpa do capitalismo selvagem que
explora os povos, culpa da União Europeia que não é solidária, culpa do Siryza
que não é honesto a negociar.
A única certeza é que, aconteça o que
acontecer, a situação vai piorar. Na melhor das hipóteses a Grécia fica na
Europa e paga o que deve. Mas mesmo esta hipótese terá um preço elevadíssimo,
que será pago pelos gregos.
O desafio que a União Europeia enfrenta,
com a possibilidade de um dos estados membros abandonar a União devia, antes de mais, ser um momento para uma reflexão profunda sobre a Europa. Como foi que
chegamos aqui?
A União Europeia começou de uma maneira
simples. A França e a Alemanha, após 80 anos onde se tinham guerreado 3 vezes,
onde a França por três vezes tinha sido invadida pelos alemães, onde Paris
tinha sido conquistada duas vezes, onde a Alemanha tinha sido por duas vezes totalmente
arrasada, onde milhões de jovens europeus tinham tingidos de sangue o centro da
Europa, decidiram procurar a paz entre os seus países. Tomando consciência que
a paz na Europa dependia da paz entre a França e a Alemanha, Schuman e Adenauer
fizeram algo de inédito: um tratado onde, em vez de procurar apenas um equilíbrio
ditado pelo poder e pela razão de estado, procuravam simplesmente a paz. Para
isso começaram com um pequenos passo: pôr em comum as duas industrias que
tinham alimentado a máquina de guerra, o carvão e o aço.
Foi assim que começou a Comunidade
Europeia do Carvão e do Aço com a França, a Bélgica, o Luxemburgo, a Holanda, a
Alemanha Ocidental e a Itália.
A ideia que presidiu à fundação da Europa
unida foi a da paz. O mercado comum, a livre circulação de pessoas, a
integração política e económica eram meios para este objectivo.
Contudo, a certo ponto da construção da
Europa, a integração política e económica deixaram de ser meios e passaram a
ser os fins. Muitas vezes contra o desejo dos próprios europeus, a União
Europeia (nas suas várias fases) deixou de ser apenas o garante da paz entre as
nações europeias, mas transformou-se num bloco económico que sonha concorrer
com os Estados Unidos, a China e as potências económicas emergentes.
A integração política passou então ser uma
necessidade, imposta aos europeus, para assegurar que a Europa é capaz de se
impor ao resto do mundo.
Por isso neste momento a Europa está a ser
construída contra os europeus, contra as nações europeias, em nome da ideologia
de uma Europa unida (Federada?) que concorra com as outras grandes potências.
O problema é que numa Europa assim não há
lugar para a Grécia. Nem para Portugal, nem para a Espanha, nem para a Irlanda,
nem para qualquer país pobre. Transformar a Europa num projecto onde a
integração política serve apenas a economia, implica deixar para trás aqueles
que não são capazes de contribuir para esse objectivo.
A única hipótese de a Europa sobreviver é
voltar à sua origem, ao desejo de Schuman e de Adenauer de uma Europa solidária
e unida que não volte a permitir a guerra no seu solo. Desistir da Grécia,
mesmo que ela mereça, é desistir do projecto europeu.
A confusão que o Syriza provocou, de
maneira irresponsável e desonesta, pode ser um momento para acertar contas e livrarmo-nos dos mais fracos, que a fim levará ao desintegrar-se da União
Europeia. Mas pode também ser um momento de recomeço, para a Grécia e para a
Europa.
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