sexta-feira, 17 de julho de 2015

ILC "Pelo Direito a Nascer": Um Primeiro (Grande) Passo




Foi hoje entregue no Parlamento, pelo PSD e pelo CDS, uma proposta de alteração à Iniciativa Legislativa de Cidadãos "Pelo Direito a Nascer". O texto contém três medidas importantes: o fim da isenção de Taxas Moderadoras ao aborto; o fim da discriminação dos profissionais de saúde objectores de consciência no acompanhamento às grávidas em risco de aborto; a obrigatoriedade de uma consulta de aconselhamento prévio ao aborto.

O fim da isenção das Taxas Moderadoras é um acto de justiça. Se esta proposta for aprovada, o aborto deixará de ter um regime de excepção, que não é compreensível, nem aceitável.
Ao pagar Taxas Moderadoras, o aborto é tratado como qualquer outro acto do Sistema Nacional de Saúde. Nem mais, nem menos.
Não existe, de facto, razão alguma para que a isenção aplicada à saúde materna seja extensível também ao aborto.

A possibilidade dos profissionais de saúde objectores de consciência poderem acompanhar as suas pacientes quando estas decidem abortar, levanta a anátema que a actual legislação lança sobre os profissionais de saúde que não praticam este acto. Como se estes não soubessem separar as suas convicções pessoais do seus deveres profissionais.
De facto, esta proibição de os objectores de consciência participarem no processo de decisão do aborto, representava uma clara discriminação destes profissionais de saúde assente unicamente na desconfiança diante das suas opiniões.

Por fim, a obrigatoriedade de consulta prévia constitui provavelmente o passo mais importante desta proposta.
Todas as associações que trabalham no terreno são unânimes ao testemunhar que a maior parte das mulheres que recorre ao aborto o faz por falta de opções.
A maior parte das mulheres não aborta por opção, mas precisamente pela falta de opções.
Não é aceitável que no século XXI uma mulher se veja forçada a abortar por falta de meios, por pressão do companheiro, por ameaças do patrão.
A consulta prévia de aconselhamento irá permitir às mulheres, não só denunciar os casos em que estão a ser coagidas por terceiros, mas também receberem informação sobre todos os apoios que têm à disposição para continuar com a gravidez.
Esta consulta é por isso uma oportunidade para que nenhuma mulher aborte por não ter quem a apoie.

Serão esta medidas suficientes? Não. Mas é um primeiro passo. Um enormíssimo primeiro passo, num novo caminho que não é fácil de percorrer.
O que esta Iniciativa deseja não é voltar a abrir a eterna guerra sobre o aborto, com dois lados entrincheirados, sem diálogo ou comunicação.
O nosso desejo é procurar soluções para que todas as mulheres que esperam um bebé, para que todas as famílias que desejem ter um filho, recebam da parte do Estado e da sociedade o apoio necessário para levarem até ao fim essa aventura.

Este caminho não é fácil. E não o poderia ser. Durante muitos anos o aborto foi um tema que gerou paixões e ódios. Não podemos por isso pedir que desconfianças alimentadas por anos de discórdia sejam agora enterradas em pouco meses.
Mas o projecto apresentado pela maioria, a partir da Iniciativa Legislativa de Cidadãos, é um passo seguro na boa direcção. Não é a vitória deste ou daquele, dos do "sim" ou dos do "não". É a vitória de todos os que acreditam que é possível, com paciência e prudência, caminhar para uma sociedade onde nenhuma mulher deixe de ser mãe por não ter quem a apoie e onde a nenhuma família falte a solidariedade social nas horas mais difíceis.

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Referendo na Grécia: Uma Hipótese Para Recomeçar?




O maior efeito da vitória do Não no referendo de ontem na Grécia foi a expectativa. A verdade é que ninguém sabe o que vai acontecer de seguida. A Europa aparenta estar a um passo do fim e não parece existir nenhum caminho possível para resolver este problema.

Qualquer ilusão de que o resultado de ontem seja a recuperação da soberania da Grécia é pura ilusão. Nenhum país que não possa pagar o que deve e que ao mesmo tempo precisa de mais empréstimos dos seus credores para sobreviver é soberano. Por isso o resultado de ontem não traz nada de novo, só o agravar o problema. 

O que vai acontecer agora ninguém sabe. Seguramente haverá reuniões, cimeiras, telefonemas. As opiniões e as soluções dos comentadores irão chover. Sobretudo, iremos assistir a um desfiar de culpas. Culpa dos gregos que são malandros, caloteiros e não trabalham, culpa dos alemães que querem dominar a Europa, culpa do capitalismo selvagem que explora os povos, culpa da União Europeia que não é solidária, culpa do Siryza que não é honesto a negociar. 

A única certeza é que, aconteça o que acontecer, a situação vai piorar. Na melhor das hipóteses a Grécia fica na Europa e paga o que deve. Mas mesmo esta hipótese terá um preço elevadíssimo, que será pago pelos gregos.

O desafio que a União Europeia enfrenta, com a possibilidade de um dos estados membros abandonar a União devia, antes de mais,  ser um momento para uma reflexão profunda sobre a Europa. Como foi que chegamos aqui?

A União Europeia começou de uma maneira simples. A França e a Alemanha, após 80 anos onde se tinham guerreado 3 vezes, onde a França por três vezes tinha sido invadida pelos alemães, onde Paris tinha sido conquistada duas vezes, onde a Alemanha tinha sido por duas vezes totalmente arrasada, onde milhões de jovens europeus tinham tingidos de sangue o centro da Europa, decidiram procurar a paz entre os seus países. Tomando consciência que a paz na Europa dependia da paz entre a França e a Alemanha, Schuman e Adenauer fizeram algo de inédito: um tratado onde, em vez de procurar apenas um equilíbrio ditado pelo poder e pela razão de estado, procuravam simplesmente a paz. Para isso começaram com um pequenos passo: pôr em comum as duas industrias que tinham alimentado a máquina de guerra, o carvão e o aço.

Foi assim que começou a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço com a França, a Bélgica, o Luxemburgo, a Holanda, a Alemanha Ocidental e a Itália. 

A ideia que presidiu à fundação da Europa unida foi a da paz. O mercado comum, a livre circulação de pessoas, a integração política e económica eram meios para este objectivo. 

Contudo, a certo ponto da construção da Europa, a integração política e económica deixaram de ser meios e passaram a ser os fins. Muitas vezes contra o desejo dos próprios europeus, a União Europeia (nas suas várias fases) deixou de ser apenas o garante da paz entre as nações europeias, mas transformou-se num bloco económico que sonha concorrer com os Estados Unidos, a China e as potências económicas emergentes.

A integração política passou então ser uma necessidade, imposta aos europeus, para assegurar que a Europa é capaz de se impor ao resto do mundo.

Por isso neste momento a Europa está a ser construída contra os europeus, contra as nações europeias, em nome da ideologia de uma Europa unida (Federada?) que concorra com as outras grandes potências.

O problema é que numa Europa assim não há lugar para a Grécia. Nem para Portugal, nem para a Espanha, nem para a Irlanda, nem para qualquer país pobre. Transformar a Europa num projecto onde a integração política serve apenas a economia, implica deixar para trás aqueles que não são capazes de contribuir para esse objectivo.

A única hipótese de a Europa sobreviver é voltar à sua origem, ao desejo de Schuman e de Adenauer de uma Europa solidária e unida que não volte a permitir a guerra no seu solo. Desistir da Grécia, mesmo que ela mereça, é desistir do projecto europeu. 

A confusão que o Syriza provocou, de maneira irresponsável e desonesta, pode ser um momento para acertar contas e livrarmo-nos dos mais fracos, que a fim levará ao desintegrar-se da União Europeia. Mas pode também ser um momento de recomeço, para a Grécia e para a Europa.

quarta-feira, 1 de julho de 2015

ILC "Pelo Direito a Nascer" Um Novo Caminho. - Publico, 01/07/2015



Já se passaram 8 anos desde o referendo ao aborto por opção da mulher. O tema do aborto livre dividiu durante anos a sociedade portuguesa, levando muitas vezes a posições apaixonadas e extremas. De ambos os lados.

As discussões sobre o aborto, sobretudo as mais extremadas, acabaram por, de alguma maneira, exasperar grande parte da população. De tal modo que, findo o referendo, ninguém quis ouvir falar mais do assunto.

O resultado foi uma regulação da lei que foi muito além do resultado do referendo e que criou um “direito ao aborto”. Hoje em dia, em Portugal, é mais fácil fazer um aborto num hospital público do que receber tratamento para muitas doenças.

E o resultado está à vista. Passados oito anos já terão sido realizados 140 mil abortos a pedido da mulher. Uma em cada cinco gravidezes termina em aborto a pedido da mulher. Quase 1 em cada 3 abortos a pedido da mulher são repetições.

Mas mais grave do que os números são as histórias por detrás destes abortos. Na ausência de qualquer estudo ou avaliação da aplicação da lei, só conhecemos os testemunhos da associações que estão no terreno a apoiar as grávidas em dificuldade. E são testemunhos de horror: mulheres que abortam porque são ameaçadas pelo patrão; mulheres que abortam porque são coagidas pelo companheiro; mulheres (raparigas, pouco mais do que crianças) que abortam porque são forçadas pelos pais; mulheres que abortam porque não lhes é oferecido nenhum apoio, nenhum conforto, nenhuma esperança.

Passados oito anos sobre o referendo existem duas possibilidades. Uma é ficar cada um na sua trincheira: uns a gritar o aborto é crime e outros a gritar o aborto é um direito.

Outra é reconhecer que existe, do lado daqueles que defenderam o não e do lado daqueles que defenderam o sim, pessoas de boa vontade que procuram soluções mais justas para problemas muito complicados, como sejam aqueles que levam muitas mulheres ao aborto, e trabalhar juntos.

É evidente que não é um caminho fácil, nem isento de maus entendidos. É natural a desconfiança entre pessoas que durante muito tempo se viram como inimigas. Porém, o trabalhar juntos é a única possibilidade de encontrar soluções para o drama do aborto, que raramente é por livre vontade da mulher, mas quase sempre é fruto da coação das circunstâncias.

É este caminho que a Iniciativa Legislativa de Cidadãos (ILC) “Pelo Direito a Nascer” procura começar a percorrer. A comunicação social e os partidos tem concentrado a sua atenção em relação à ILC na questão do fim da equiparação entre o aborto e a maternidade. Embora este ponto seja importante, está longe de ser o “assunto” da ILC.

É evidente que os subscritores desta iniciativa são da opinião que o aborto deve ser tratado como qualquer outro acto do Sistema Nacional de Saúde e não ter nenhum regime de excepção. Mas a ILC vai muito mais longe do que isso.

O ponto central da ILC é criar condições às mulheres e às famílias para não recorrerem ao aborto. Através de consultas sociais onde a mulher é informada de todos os apoios que existem à maternidade e onde pode denunciar qualquer pressão de que seja alvo; através da responsabilização do pai; através da criação de uma rede de centros de apoio à vida; através do reconhecimento claro e formal de que a mulher não pode ser descriminada no trabalho por estar grávida; através da valorização da maternidade durante o tempo de estágio profissional. Por isso é que o projecto-lei que acompanha a ILC não é contra o aborto, mas sim de apoio à Maternidade e à Paternidade.

Os subscritores desta Iniciativa não têm a pretensão de terem apresentado um projecto-lei infalível, isento de erros, ou de virem a resolver todos os problemas da Maternidade e da Paternidade com esta Iniciativa.

Também sabemos que será difícil, após tanta guerrilha, sair das trincheiras do “sim” e do “não” para fazer um trabalho conjunto, sem preconceitos e sem desconfianças.

Mas as mulheres e as famílias portuguesas merecem mais do que uma discussão sobre taxas moderadoras e apoios sociais. Todas as mulheres que hoje em Portugal pensam em abortar porque não têm dinheiro, porque o patrão ameaçou com o despedimento, porque o companheiro a abandonou, porque os pais a expulsaram de casa, todas elas merecem mais do que uma discussão ideológica. Merecem o apoio de toda a sociedade, merecem o apoio do Estado. Este é o caminho que a ILC “Pelo Direito a Nascer” deseja percorrer. Confiamos que também será este o caminho escolhido pela Assembleia da República no dia 3 de Julho.