quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Felizmente Houve Bom Senso.

 


Prevaleceu o bom senso. Paulo Núncio tinha tido a ideia de, num encontro sobre a defesa da vida, respondendo a uma pergunta (por acaso feita por mim) sobre o aborto, dizer que a lei actual só pode ser revertida por um referendo. Pior, teve a ideia peregrina de dizer que o aborto é uma coisa má e que deve ser limitado.

Mas felizmente o bom senso prevaleceu. Nuno Melo já veio dizer que o CDS não mudou de posição, mas nesta legislatura não se pensava em referendo (nem o Paulo Núncio disse tal coisa). Montenegro foi mais longe e prometeu que não mudaria a lei. Rui Rocha rapidamente veio assegurar que o aborto é um progresso. Ventura, não querendo ficar atrás, lá veio fazer juras de que nesta lei do aborto ninguém toca. E assim, juntamente com um balde de tinta verde, o assunto morreu.

Prevaleceu o bom senso e ninguém permitiu que a campanha ficasse refém de assuntos menores, como a dignidade da Vida Humana, as grávidas abandonadas ou a subida da taxa de aborto (1 em cada 5 gravidezes termina em aborto), e podemos continuar a discutir o que realmente importa como linhas vermelhas, cortes nos impostos ou qualquer que seja o assunto que os comentadores declaram essencial.

E como prevaleceu o bom senso, a esquerda irá continuar a discutir o alargamento dos prazos do aborto legal e o fim da objecção de consciência, enquanto a direita se preocupa com o que realmente importa, ganhar lugares em São Bento e garantir o poder que lhe escapa há nove anos.

E assim, cheia de bom senso, os líderes da direita abdicaram de qualquer tentação de liderar o debate público, de defender uma qualquer ideia, e mantêm-se firmes no propósito de continuar apenas a dizer aquilo que acham que lhe dará melhor imprensa.

A mim infelizmente falta bom senso e por isso continuarei, juntamente com os meus amigos da Federação pela Vida, a publicamente defender ideias insensatas, mas verdadeiras, como fazemos no Manifesto O Valor do Outro, que esteve na origem deste pequeno escândalo, de um político de direita dizer sem rodeios aquilo em que acredita.

Por isso, peço que me perdoem a falta de bom senso, e diga com toda a clareza: a vida começa na concepção e o seu valor não depende em nada do seu grau de desenvolvimento; o aborto não é um direito, mas a morte de um bebé e deve ser ilegal; não quero mulheres presas, pelo contrário, quero que nenhuma mulher aborte porque não encontrou quem a apoie; reverter a lei do aborto livre não é um retrocesso, mas um progresso para uma sociedade mais justa.

Fico feliz que o bom senso tenha regressado. A pobreza continuará a ser a maior causa do aborto, os patrões e os companheiros irão continuar a pressionar as mulheres a abortar, o seio da mãe irá continuar a ser o lugar onde um bebé tem menos protecção legal. Mas ao felizmente houve bom senso.


sábado, 10 de fevereiro de 2024

Nos dez anos da morte do meu irmão



Faz hoje dez anos que o morreu o meu irmão Luís. A morte do Luís apanhou-nos de surpresa, mas não foi um choque.

O Luís e eu sempre fomos diferentes, e nem sempre nos demos bem, mas estivemos sempre juntos no essencial. Também por isso partilhámos muitas coisas juntos, não apenas os factos típicos da vida familiar, mas também empenhos e responsabilidades.  Estivemos juntos na luta pela defesa da Vida, fomos ambos responsáveis dos Liceus de Comunhão e Libertação, e demos catequeses (embora nunca juntos) a jovens mais ou menos da mesma idade. Em todas estas realidades mantivemos sempre as nossas diferenças (que de vez em vez descambavam em discussão), mas unidos no essencial.

Quando o Luís ficou doente, uma doença misteriosa, aparentemente mais incomodativa que perigosa, impressionou-me a docilidade com que aceitou a doença. Ele nunca foi pessoa de resmungar ou amargurar com a vida, pelo contrário. Mas mesmo assim, diante de uma doença que muitas vezes o impedia de fazer aquilo que mais amava, a sua resposta foi sempre dócil. Conforme o tempo ia passando viamo-lo crescer em piedade verdadeira, em entrega ao Senhor.

O Luís sempre foi um bom católico, de missa frequente, sempre ao serviço no canto, catequista e educador. Mas nesses meses viamo-lo cada vez mais a viver diante do Mistério de Cristo: na adoração ao Santíssimo, na missa, na oração. O tempo ia passando, e parecia que quanto mais a doença o impedia de fazer aquilo em que sempre se tinha distinguido, mais tranquilo ele vivia. Vivia cada vez mais identificado com Cristo. E isso via-se. Por isso se a sua morte me surpreendeu, não me chocou.

No dia antes seguiu a sua rotina: adorou o Santíssimo na Igreja do Loreto, rezou o terço na Igreja da Encarnação, assistiu à missa e comungou. Foi para casa, despediu-se e acordou no Céu. Surpreendente, mas não chocante. Porque de alguma forma era a conclusão evidente de uma vida tão ardentemente oferecida ao Senhor. De alguém que foi oferecendo tudo a Cristo, até o Seu Senhor o vir buscar.

Neste dez anos tive muitas vezes saudades. E penso muitas vezes nele, sobretudo quando vejo os meus filhos a fazer qualquer coisa que sei que o ia divertir (eles têm mania dos teatros e dos musicais, e não consigo deixar de pensar que produções fariam em conjunto!). Mas a morte do meu irmão nunca me pareceu uma injustiça ou um desperdício. Pelo contrário, sempre foi para mim evidência de que o Senhor cumpre aquilo que promete: “E quando Eu tiver ido e vos tiver preparado lugar, virei novamente e hei-de levar-vos para junto de mim, a fim de que, onde Eu estou, vós estejais também”.

O Luís precedeu no Céu muitos dos que amo e que neste dez anos se foram juntar a ele. E estou certo de que no Céu acolheu cada um deles, como sempre fez aqui na terra. “E cada um que parte, torna-me o Céu mais confortável. Torna-me o Céu mais habitado” (Padre João Seabra, Missa de 7º Dia de sua mãe).