Fotografia do site da Associação Moinho da Juventude
1. Li há poucos dias uma reportagem (que deixarei nos comentários)
sobre as Amas da Cova da Moura. A reportagem é muito interessante e vale a pena
ler. Sobretudo, vale a pena darmo-nos conta da realidade que está subjacente,
que é a da Cova da Moura, mas podia ser, com uma ou outra diferença, a da Zona
J, do Casalinho da Ajuda, do Bairro 6 de Maio e de tantos outros bairros em
Lisboa e das suas periferias. A realidade de dezenas de milhares de pessoas.
A reportagem mostra-nos de maneira crua não apenas a pobreza
de quem vive na Cova da Moura, mas também os obstáculos que as crianças e os
jovens desses bairros têm de ultrapassar para a superar.
E se essa realidade começa logo quando nascem, em bairros
sem creches, onde os pais têm de escolher entre pagar uma propina cara numa
creche longe de casa ou não trabalhar, como conta a reportagem, não fica por
aí. Porque ultrapassado esse primeiro problema vêm todos os outros: as escolas
a cair, com projetos educativos formatados na 24 de Julho e desadequados àquela
realidade e a ausência de professores. Pais que saem de madrugada e voltam
depois do pôr do sol, com um ordenado de miséria, que mal chega para o essencial
e sem tempo ou conhecimento para apoiar os filhos na escola. Bairros
degradados, sem jardins ou bibliotecas, com poucas ou nenhumas atividades
sociais ou desportivas. Miúdos que quando saem da escola estão abandonados à
sua sorte e que ao mesmo tempo que veem os pais a trabalhar como escravos para
viver como pobres, veem também os que vivem do crime a enriquecer sem trabalhar.
2. Estas crianças terão de competir directamente com os meus
filhos. Miúdos que não tiveram problema em arranjar uma creche, que andam numa
boa escola, que vão para a escola a horas decentes com os pais e voltam de lá
connosco. Miúdos que fazem os trabalhos de casa ou brincam à tarde com os pais,
que têm jardins ao pé de casa, têmm a possibilidade de ir a museus e uma casa
cheia de livros. Se os meus filhos têm uma dúvida na escola têm pais com formação
suficiente para os ajudar, e se a dúvida for mais profunda há sempre alguém na
família que sabe do assunto.
Aos meus filhos basta-lhes esforçarem-se para terem
oportunidade de estudar na universidade que quiserem. Terão a possibilidade de
escolher a sua profissão e até de emigrar, se assim o quiserem.
Os miúdos da Cova da Moura e de todos os outros os bairros
iguais, para terem a mesma oportunidade não lhes basta portarem-se bem.
Precisam de ser excepcionais e mesmo assim, ter sorte. A única forma que têm de
fugir à pobreza é terem jeito para o futebol ou para o crime. E esta é a
realidade de dezenas de milhares de miúdos.
É verdade que a vida não está fácil para a classe média. Mas
para quem vive na pobreza o único futuro possível parece ser permanecer lá.
3. Nas últimas semanas, começou a pré-campanha eleitoral. Temos
ouvido um conjunto gigantes de promessas, de ataques, de comentários. Mas desta
imobilidade social a que milhares de pessoas vivem condenadas ninguém fala.
Fala-se de corrupção, de comboios, de impostos, mas ninguém quer saber dos
pobres, sobretudo destes pobres que vivem nestes bairros.
E porquê? Porque não dão votos. Muitos não são portugueses e
dos que são, muitos não votam. E hoje a política reduziu-se a comunicar para os
votos. A finalidade da política há muito que deixou de ser o bem comum e passou
a ser o poder pelo poder. Por isso cada partido fala para o grupo político que
lhe pode garantir votos. Por isso os pobres, sobretudo estes pobres dos guetos,
hão-de continuar a ser pobres, sem que qualquer político se preocupe com o
assunto.
4. Preocupa-me muito o futuro dos meus filhos, mas a verdade
é que, com maior ou menor dificuldade, terão um número sem fim de
possibilidades. Se Deus quiser, e se se esforçarem, hão-de conseguir ser aquilo
que trabalharem para ser. E sei que haverá sempre partidos políticos
interessados em captar os votos da classe média, pelo que encontrarão sempre
políticos “preocupados” com o seu futuro.
Já os filhos da Cova da Moura continuarão na mesma, a limpar
os nossos escritórios, a construir as nossas casas, nas caixas dos
supermercados ou dos restaurantes de fast food, tentados pela criminalidade,
como os seus pais e os seus avós, sem um único sobressalto e sem que ninguém se
interesse por eles.