segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

Tudo que temos que decidir é o que fazer com o tempo que nos é dado


Ler Tolkien foi para mim uma enorme ajuda na forma como olho a política. O criador da Terra Média era um homem profundamente marcado pela fé. A sua obra, embora não tenha qualquer outra pretensão que não seja narrar um mito, é a obra de um cristão.

Para Tolkien os mitos era reflexos da verdade, eram aquilo que era possível compreender da Verdade sem a revelação. Por isso também o seu mito, a Terra Média, sendo inventado, é reflexo da Verdade Eterna.

Um dos temas centrais em toda a mitologia da Terra Média é a ideia do mundo caído. Ou seja, do mundo marcado pelo pecado. Na sua obra é claro que toda a obra humana, por si mesma, está destinada a ruir, por muito gloriosa que seja. É assim com Gondolin e os reinos dos Beleriand, com Númenor e depois com Anor. Mesmo Gondor em O Senhor dos Anéis é o mais poderoso dos reinos dos homens mas já em total decadência.

Em Tolkien é bastante claro que o Homem por si só é incapaz de derrotar o mal. E quanto mais se considera poderoso, quanto mais confia na sua força, quanto mais se glorifica, mais perto está da sua ruína. O grande exemplo é Númenor, cujo o rei no auge da sua força e poder, ousa atacar a terra dos Valar (o mesmo que atacar o paraíso) e reclamar para si a terra imortal. A queda é total e daquele que foi o mais poderoso reino da Terra Média fica apenas um punhado dos que se mantiveram fiéis a Eru (o deus único).

Para Tolkien é evidente o limite do homem, marcado pelo pecado original. É fácil por isso descrever o professor inglês como um pessimista, mas não é justo. Porque para Tolkien o pecado do homem não é a última palavra. A última palavra nunca é a do mal, mas a da Providência Divina que constantemente intervém para salvar o homem do mal. 

Esta relação entre a impotência do homem e a misericórdia de Deus é bastante evidente em O Senhor dos Anéis. Naquele último momento em que Frodo, conseguindo ultrapassar todos os obstáculo e vencido todas as tentações, chega ao coração de Mordor, às fornalhas do Monte da Condenação, e cede à tentação do anel. Nesse momento todo o esforço parece vão, até o mais puro dos puros foi corrompido pelo mal. É então que misteriosamente Gollum reaparece e cego pelo ódio arranca o anel a Frodo para na alegria dos festejo se desequilibrar e cair ao fogo, destruindo o anel.

Evidentemente que foi preciso todo o esforço de Frodo e Sam para ali chegar. E o sacrifício de todos aqueles que lutaram contra os exércitos de Sauron para garantir que este não era capaz de conquistar a Terra Média. Mas a salvação vem, no momento em que tudo parece perdido, daquela força superior de que Gandalf fala a Frodo quando comentam o “acaso” do anel ter sido descoberto por Bilbo.

E que tem isto tudo que ver com a política? Tudo, porque também nós vivemos num tempo onde parece que o mal triunfa. Um tempo onde todos os nossos esforços parecem ser em vão. Mas é assim que é suposto ser. O nosso mundo é o mundo da queda dos primeiros pais. Que é salvo, não pela nossa força, mas pela misericórdia de Deus. A nós só nos cabe-nos fazer aquilo que temos que fazer.

Claro que preferíamos todos viver em tempo mais felizes, mais favoráveis. Mas como ensina o velho professor de Oxford, através do mágico Gandalf: assim como todos os que viveram para ver tais tempo. Mas não nos cabe decidir. Tudo que temos que decidir é o que fazer com o tempo que nos é dado.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

É tempo de reconstruir, mas reconstruir o quê?


A grande novidade das últimas eleições legislativas foi a saída do CDS da Assembleia da República. Será esta a primeira legislatura em democracia que o CDS não terá qualquer representação no parlamento.

Com a saída do CDS do hemiciclo há um espaço político que fica órfão de representação parlamentar. Não há hoje no parlamento nenhum partido cuja a doutrina se baseie na dignidade da pessoa humana, especialmente da dos mais frágeis; na liberdade da sociedade, sobretudo da família, da Igreja e dos corpos sociais intermédios; num Estado ao serviço do Homem, que promova uma sociedade civil forte.

Evidentemente que existem vários deputados na Assembleia da República que defendem estes ideais, em vários partidos. Mas já não existe um partido que faça do personalismo cristão a sua doutrina.

Os partidos existem enquanto são úteis à sociedade. Evidentemente que a mim, que sou militante do CDS e que o tenho defendido o melhor que sei e posso, me custaria sempre ver o partido desaparecer. Mas é preciso que os militantes percebam claramente que um partido não é um fim em si mesmo.

O espaço da direita hoje em Portugal está bastante ocupado. Existe um partido de poder, onde há espaço para mais ou menos tudo o que não seja (muito) à esquerda. Existe um partido claramente liberal e um partido populista/de protesto, de cariz mais extremista. Se a tentação do CDS for, para voltar a ter força política, tentar ocupar algum destes espaços, então está condenado ao fracasso.

O único espaço que está livre é aquele em que o CDS sempre existiu, de forma mais ou menos assumida: o da democracia-cristã, baseada no personalismo. É nesse espaço que o CDS pode revelar a sua utilidade para Portugal.

Eu também acredito que é urgente reconstruir o CDS porque acredito que o espaço que o partido deixou órfão faz falta ao país. É preciso um partido na Assembleia da República que lute pela dignidade do homem, desde a concepção à morte natural. Que defenda a liberdade das famílias e a liberdade da sociedade, sobretudo na educação. Que promova a dignidade do trabalho, que se oponha ao esbulho fiscal, que esteja ao lado dos mais pobres e dos mais fracos da sociedade. É urgente um partido que acredite num Estado ao serviço do homem e da sociedade, sem ideologias.

Por este espaço político vale a pena lutar. Será um trabalho de formiga, feito na sombra, que exigirá muito esforço, mas que vale a pena.

O que não vale a pena é lutar por manter um partido de egos, de palavras redondas, preso a um passado que já não volta. Também não vale a pena lutar por um partido que procure ser a imitação barata de outros ou que troque o seu ideal por um sonhado sucesso eleitoral. Não vale a pena porque um partido assim não é útil, não vale a pena porque tal tentativa está condenada ao insucesso.

É tempo de reconstruir. E a perguntar que aqueles que querem reconstruir o CDS têm que fazer é: reconstruir o quê? E isso é mais importante do que nomes e protagonistas.