1.
Foi com tristeza e comoção que li o artigo da Laura Ferreira dos Santos (LFS) publicado
no Público de dia 7 deste mês, onde narrava a história de dois idosos, um deles
afectado por um AVC, que vivem abandonados pela família e pela sociedade. A
história, embora se passe no estrangeiro, podia perfeitamente ser a de milhares
de idosos que em Portugal vivem nessa situação ou em situações ainda piores.
Confesso
contudo que o artigo em questão me parece ter acrescentado nada ao debate sobre
legalização do homicídio a pedido da vítima. Eu percebo que um idosos doente,
que vive sozinho, sem apoio da família e da sociedade deseje a morte. Não
consigo compreender uma sociedade que diante destes factos pondere a morte deste
idoso em vez de procurar soluções para o problema.
Relembro
aliás, que um dos pedidos da petição Toda a Vida Tem Dignidade é precisamente
que se "Promova uma política mais eficaz de combate à exclusão de idosos e
incapacitados, nomeadamente através de apoios concretos às Famílias."
Legalizar
o homicídio a pedido da vítima para dar resposta ao abandono dos nossos mais
velhos e mais frágeis é simplesmente admitir o fracasso da nossa sociedade. É
promover uma cultura individualista, de desresponsabilização pelos que mais
precisam. É um acto de profundo egoísmo disfarçado de falso altruísmo:
preocupo-me tanto com o teu sofrimento que estou disposto a deixar-te morrer,
até a permitir que sejas morto de maneira higiénica e indolor, para acabar com
ele (mas não estou disposto é a fazer sacrifícios para acabar com as causas do
teu sofrimento!).
2.
Para além da tristeza e comoção houve outro sentimento que me assaltou quando
li o artigo em questão: a perplexidade. Isto porque no dia 31 de Agosto
publiquei um artigo neste jornal onde respondia a LFS e lhe colocava duas
simples questões:
"a)
O Estado pode decidir (dentro dos parâmetros acima descritos) que vidas têm ou
não dignidade?
b) O
Estado deve promover a morte dos cidadãos que queiram por termo à sua vida?"
Não
posso por isso esconder o meu espanto pela total ausência de resposta a estas
perguntas. Não sei se LFS considera que estas questões não são pertinentes, se
não tem resposta a dar-lhes, ou se prefere simplesmente não dizer publicamente
a sua opinião.
Qualquer
que seja a razão, tenho pena de não receber resposta. Isto porque me parece
essencial perceber que aquilo que estamos a debater é permitir ao Estado que
termine a vida de uma pessoa a pedido desta.
Repito
aquilo que já anteriormente afirmei: eu percebo que seja mais eficaz, para os
fins políticos de LFS e daqueles que a acompanham, centrar-se em
sentimentalismos sobre a autonomia pessoal. Contudo, os portugueses merecem um
debate sério e não apenas mais uma campanha publicitária. Continuarei por isso
à espera de uma resposta.
P.S.:
Tive conhecimento da morte de João Ribeiro Santos, com quem também travei este
debate. Embora em lados opostos da barricada, não posso deixar de me curvar,
perante a sua morte, ao homem que, num país onde o activismo cívico é tantas
vezes menorizado ou ignorado pela "política oficial", esteve disposto
a dar cara e a trabalhar por aquilo em que acreditava.
José Maria Seabra Duque
Jurista
Subscritor da Petição Toda a
Vida Tem Dignidade