Faço
parte daqueles que pensam que o Brexit é um erro. Um erro que sairá caro ao
Reino Unido e que sairá muito caro à União Europeia. A verdade é que o projecto
europeu, apesar de seus muitos erros,
tem conseguido cumprir o seu maior objectivo: a paz. E este período de
paz, que nós tomamos como adquirido, é uma novidade na Europa desde os tempos
de Roma. Com a grande diferença que a paz actual não é fruto da atenta
vigilância de uma super potência, mas sim da boa vontade entre os países da Europa.
Esta
é a grande genialidade do projecto europeu: relações internacionais já não
baseadas no equilíbrios de poder mas sim no desejo de cada país de viver
pacificamente com os seus vizinhos.
Por
isso o projecto europeu não falhou. O seu grande objectivo continua vivo. Neste
momento existe uma grande confusão, fruto do modo como o poder da União tem
desenvolvido o projecto europeu. A integração política e económica deixaram de
ser meios para alcançar a paz, para serem fins em si mesmo. De tal maneira que
a União Europeia tem sido construído não com os povos europeus, mas apesar, e
muitas vezes contra, os seus povos.
A
saída do Reino Unido pode por isso significar o fim do projecto europeu. Quer porque a União simplesmente se
desintegre, quer porque na ânsia de se manter unida insista em reclamar para si
mais poder, acabando por desvirtuar de vez a ideia de Europa de Schuman e
Adenauer, substituindo-a por uma Super Europa, na qual os cidadão europeus não
se reconhecem e contra a qual, em última instância, se irão revoltar.
Dito
isto é impressionante ver a maturidade democrática do Reino Unido, sobretudo se
comparado com a dos restantes países europeus.
O
Reino Unido teve eleições gerais há pouco mais de um ano. Nessa eleições os
Conservadores conseguiram uma confortável maioria, suficiente para garantir a
David Cameron quatro anos de poder.
Contudo,
Cameron, pressionado por grande parte do eleitorado conservador, prometeu que
iria realizar um referendo à permanência do Reino Unido na União Europeia.
Cameron ganhou as eleições, contra todas as sondagens, e cumpriu a sua
promessa. Decidiu saber se os seus eleitores queriam ou não permanecer na Europa.
Ao contrário dele, eles não queriam. E Cameron decidiu respeitar a sua vontade. Mesmo com a tal maioria confortável, mesmo com o pedido dos
deputados Conservadores que fizeram campanha pelo "leave" para que
ficasse como Primeiro Ministro, mesmo com a escassa vitória do
"leave", admitiu a derrota e demitiu-se, para dar lugar a
quem pudesse negociar com a Europa a saída do Reino Unido, o que ele não se
sente capaz de fazer por o considerar um erro.
Comparemos
o que aconteceu no Reino Unido com o que acontece no resto da União Europeia.
Nenhum governo se atreve a consultar o povo sobre a integração europeia. Todas
as decisões sobre a Europa são tomadas em gabinetes escondidos. A Europa é
governado por uma Comissão que não é eleita pela povo e sobre a qual o povo tem
pouco ou nenhum controlo. Cada vez que algum pais ousa desafiar Bruxelas é
imediatamente ameaçado com sanções.
Basta ver as reacções ao Brexit por essa
Europa fora. A maneira como 17 milhões de cidadão britânicos têm sido reduzidos
a um bando de xenófobos ignorantes nas mãos de demagogos é absolutamente
chocante. Na União Europeia só se é democrático quando se é a favor da União.
Quem é contra é um extremista a um passo de ser um segundo Hitler.
Se
queremos um bom exemplo da diferença entre a democracia europeia e a britânica,
basta vermos o que aconteceu nas eleições espanholas. Rajoy, que à terceira
tentativa foi eleito, quebrou a sua promessa de rever a lei do aborto. Em
Dezembro passado e agora, não conseguiu maioria suficiente para governar, nada
acontece. Pedro Sanchez levou o PSOE a dois resultados vergonhosos, continua a
tentar governar. Pablo Iglesias inventa um partido com dinheiro venezuelano,
fica em terceiro lugar nas duas eleições e continua a achar que tem direito a
fazer parte do governo. E entre birras e amuos Espanha irá, aparentemente,
continuar sem governo.
Que
diferença para o Reino Unido, onde um Primeiro-Ministro com maioria absoluta no
parlamento se demite simplesmente porque o povo decidiu sair da U.E. e ele
considera não ser capaz de liderar esse processo.
Por
isto é que eu, mesmo sendo contra o Brexit, tenho inveja dos ingleses. Inveja,
porque também quero uma política onde o povo é realmente soberano. Uma
democracia sem medo, onde a legitimidade não está nos gabinetes de Bruxelas nem
nos comités centrais dos partidos, mas nas urnas. Uma democracia onde os
governante respondem diante dos eleitores e não diante do secretário-geral.
Se
tivesse que escolher entre ficar com esta União Europeia burocrática,
centralista, autoritária ou a livre Inglaterra, provavelmente, pesando todas as
consequências, ficaria do lado da União. Mas escolheria com o coração triste e
cheio de inveja daquela estranho país onde o povo é realmente soberano.