quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Os Erros de Obama.




O presidente dos Estados Unidos tem-se demonstrado incapaz de lidar com a ameaça do Estado Islâmico desde o seu aparecimento. O tempo vai passando e, apesar da retórica de Barack Obama, o poder e a ameaça do EI continua a alastrar.

O problema mais grave é que a incapacidade de Obama lidar com esta ameaça não é fruto de um inimigo especial subtil ou capaz, mas sim dos seus próprios erros em relação a este assunto.

Muito haveria para dizer sobre este assunto, mas limito-me a apresentar aqueles que me parecem três dos erros mais graves de Obama.

1. Fingir que os Estados Unidos não têm responsabilidade no assunto.

Até agora o presidente Obama tem tratado este assunto como se os Estado Unidos não tivessem nenhuma responsabilidade sobre ele. O Estado Islâmico e a sua tomada de poder no Iraque, nas palavras do presidente americano, aparenta ser apenas mais uma ameaça à ordem púbica internacional à qual a América reage como protectora dessa mesma ordem.

O problema é que isto é mentira. A ameaça do EI é directamente fruto da politica externa americana e, especificamente, da politica de Obama.

Após derrubar Sadam Hussein, os Estado Unidos tentaram criar um estado democrático no Iraque. Este esforço foi dando frutos, mas muito frágeis. Não é possível construir em pouco tempo uma democracia saudável num país que só conheceu ditaduras mais ou menos brandas.

Por isso o governo legítimo do Iraque dependeu sempre das armas americanas para garantir a segurança do país. A retirada americana, ordenada por Obama contra o parecer dos oficiais no terreno e do governo iraquiano, criou um vazio de poder que permitiu ao Estado Islâmico começar a sua caminhada para o poder.

Para além da sua desastrosa intervenção no Iraque, também o papel do Estados Unidos na crise Síria foi importante para o aparecimento do EI.

De facto, foi o apoio, aqui não apenas dos americanos, mas do ocidente em geral, aos revoltosos sírios que lhes permitiu manter uma guerra contra o regime. Essa guerra criou o caos na Síria e permitiu aos sunitas iraquianos ganhar uma base territorial, assim como acesso a armas e homens. Foi a partir da fronteira da Síria que o Estado Islâmico lançou a sua ofensiva contra o Iraque.

O drama humanitário que hoje se vive no Iraque, onde milhares de pessoas vivem e morrem violentamente debaixo da tirania de extremistas islâmicos, é directamente fruto da política externa americana.

Por isso Obama não pode dizer que cabe ao governo do Iraque, ou às forças da região resolver o problema. Foi ele que o criou, tem que ser ele a resolver. A vergonhosa retirada dos americanos e a miserável demora em agir parece confirmar o adágio de que os cemitérios de todo o mundo estão cheios de amigos dos americanos.

2. Afirmar que o Estado Islâmico e o terrorismo islâmico não são islâmicos.

Outro dos graves erros de Obama tem sido tentar separar os actos do Estado Islâmico e de outros grupo de extremistas islâmicos do Islão.

Antes de mais isto demonstra uma arrogância extraordinária. Ver alguém que não é islâmico, nem tem especial conhecimento sobre o Islão, afirmar que movimentos que se dizem islâmicos, que são apoiados por milhares de islâmicos e têm a simpatia de grande parte do mundo islâmico não tem nada a ver com o Islão, é simplesmente absurdo.

Mas o erro é mais grave do que isso. Estes movimentos que violentamente têm espalhado o terror no Próximo Oriente e em África não são um fenómeno único e excepcional. De facto a expansão islâmica foi feita assim.

Isso deve-se ao facto de que, no Islão, não há uma separação entre o poder político e a religião. Por isso, para os islâmicos mais puristas, o único poder legitimo é o poder islâmico. A guerra santa, “jihad”, é um dever prescrito a todos os crentes.

É evidente que sobre isto existem muitas interpretações e que existem muitas correntes no islão que olham a guerra santa como um dever meramente espiritual. Basta olharmos para Portugal para vermos uma comunidade islâmica que vive a sua fé em paz, sem causar incómodo ou violência na sociedade.

Mas isto não retira o facto de que também existe uma grande corrente no Islão que defende a violência contra os infiéis. E de que movimentos como o Estado Islâmico e o Boko Haram são frutos do Islão.

Se a interpretação que fazem do Corão é certa ou errada, se de defendem o verdadeiro Islão ou uma versão deturpada do islamismo, é um assunto que não cabe ao presidente americano responder, mas ao próprio Islão.

Fingir que o extremismo islâmico nada tem a ver com o Islão é não olhar o problema de frente. É ignorar a complexidade do problema. E num mundo onde quase já não há fronteiras isso pode vir a revelar-se um perigo que ultrapassa em muito as fronteiras do Próximo Oriente.

3.  Procura uma equiparação moral entre as religiões: o mito das Cruzadas e da Inqusição.

Destes erros de Obama este último é provavelmente o que mais demonstra a sua ideologia. O presidente americano tem insistido na ideia de que todas as religiões são iguais e de que todas têm os seus erros comuns. Como exemplo escolheu as Cruzadas e a Inquisição.

O problema é que as religiões não são iguais. Isso quer dizer que os cristãos nunca fizeram erros por causa da sua fé? Não. Os cristão fizeram erros, muitos erros e muito graves.

Contudo o Cristianismo defende que todos os homens foram criados à imagem e semelhança de Deus. Esta ideia revolucionou o mundo e deu origem aos Direito Humanos baseados na dignidade de toda a vida humana.

Nunca a guerra foi considerada pelos cristãos como um bem, mas antes como um mal que devia ser usado quando era necessário para evital um mal maior. Ora esta ideia não tem paralelo com a ideia de "jihad" islâmica, que vê a guerra como um bem para a expansão do Islão.

Tal como a inquisição não tinha a pretensão de regular toda a sociedade, mas apenas os católicos. Não tinha a pretensão totalitária da sharia de regular toda a sociedade.

Claro que em ambos os casos houve muitos abusos. Em muitas ocasiões, quer as Cruzadas, quer a Inquisição, foram pervertidas e transformadas em instrumentos de opressão.

Contudo os abusos, que foram condenados na altura e pelos quais a Igreja tem vindo sempre a pedir perdão, não tornam o Cristianismo e o Islão iguais. De facto, no Islão não existe a ideia de que toda a vida tem igual dignidade. E isso é uma diferença abismal em relação ao Cristianismo.

Negar isso, é negar os próprios fundamentos do Ocidente. E assim, diante do extremismo islâmico a única coisa que o Ocidente tem a oferecer é o relativismo moral e decadente. Diante de homens dispostos a morrer e a matar por aquilo em que acreditam, a nossa sociedade só tem a apresentar o vazio.

Por isso, este erro, embora pareça o mais inofensivo é provavelmente o mais perigoso. Porque num momento crucial da história, o lider da maior potência mundial não tem nada a oferecer que não seja palavras vazias.


O presidente Obama, diante desta grande crise, tem provado mais uma vez que é um político típico dos nossos tempos: sem ideias ou ideais, apenas um conjunto de slogans ao sabor das reacções dos media.

Esperemos que o seu sucessor seja um verdadeiro Estadista, disposto a governar e a liderar. E que o Ocidente sobreviva até lá.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Pelo Direito a Nascer: O Retomar de Um Caminho




O referendo que permitiu a liberalização do aborto não foi perdido em 2007. Foi perdido muito antes. Foi perdido quando os defensores do aborto ganharam a batalha educativa e cultural.

Prova disto é que hoje em Portugal uma em cada cinco gravidezes acaba em aborto a pedido da mulher. Um número destes não é apenas fruto de uma lei permissiva, mas de uma sociedade com uma cultura que não dá valor à vida que se forma dentro da mulher.

O aborto não é uma questão política: é uma questão educativa, é uma questão cultural, é uma questão social, é uma questão humana. Só se torna num problema político quando, violando o dever de proteger a vida humana, o Estado o torna legal.

Por isso a resposta ao flagelo do aborto, antes de ser política, tem que ser educativa. Ou seja, testemunhar que a vida humana tem valor em qualquer estágio do seu desenvolvimento. Que não necessita de nada mais do que o facto de ser vida humana para ser inviolável. Sem isto não será possível tornar o aborto ilegal em Portugal.

Esta educação faz-se de diversas maneiras. Antes de mais, nas famílias e nas comunidades. Depois através de gesto públicos onde se diga claramente que a vida é um bem. Mas também através do apoio às grávidas em dificuldades: nas associações que apoiam as mulheres que não querem abortar, que acolhem crianças, que informam diante das clínicas de aborto das alternativas, das que apoiam as mulher que já passaram por esse trauma.

Só através de uma educação se pode criar uma verdadeira cultura de defesa da vida e assim acabar com o flagelo do aborto.

A Iniciativa Legislativa de Cidadãos "Pelo Direito a Nascer", que ontem entregou à Presidente da Assembleia da República mais de 48 mil assinaturas, é mais um instrumento na construção desta educação e desta cultura.

Os grande objectivos desta Iniciativa são apoiar a maternidade e a paternidade, ajudando assim a eliminar as causas socias do aborto e criar uma cultura de defesa da vida.

Como se faz isto? Através de um projecto-lei, que irá ser votado no Parlamento, com medidas concretas. Defender a maternidade e a paternidade dando maior protecção laboral à mulher grávida, responsabilizado também o pai no processo de decisão, criando centros de apoio à vida. Ajudar a tomar consciência da dignidade da vida intra-uterina acabando com o aborto gratuito e com os subsidios pós-aborto, tornando obrigatória que a mulher assine a ecografia pré-aborto, tornando obrigatório a consulta de planeamento familiar, dignificando os objectores de consciência permitindo-lhes acompanhar as suas paciente durante o processo de decisão, fazer contar a vida por nascer como parte do agregado familiar para efeitos de IRS.

Esta são apenas algumas da medidas previstas no projecto-lei. Um projecto que ambiciona ser o primeiro passo para criar uma legislação que valorize a vida por nascer. As mais de 48 mil assinaturas que recolhemos em pouco mais de três meses demonstram que existe uma vontade popular que este caminho seja feito. Esperemos agora que os Deputado oiçam a voz deste povo.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Aborto: Um Mal Banalizado.



Cumprem-se hoje 8 anos sobre o referendo que liberalizou o aborto em Portugal. Para assinalar a data, o Observador publicou um artigo com o título <<A pergunta continua a mesma: “Estou grávida. Quero interromper. Como é que faço isso?”>>

A peça é toda ela uma obra de publicidade à Associação de Planeamento Familiar, uma instituição declaradamente pró-aborto. No artigo são produzidas várias afirmações sobre como o número de abortos não são dramáticos e de como as mulheres ficam aliviadas depois de abortar, sem que haja espaço para qualquer contraditório ou seja fornecido algo mais do que a opinião da APF e do seu presidente. O único dado objectivo fornecido no texto é o número de abortos realizados em Portugal. Mesmo este dado só é dado para sustentar a afirmação de que o aborto no nosso país está a diminuir.

Antes de mais não posso deixar de falar da falta de qualidade jornalística do artigo em questão. Nada que me espante, porque este é o nível a que o Observador nos tem vindo a habituar, provando que a capacidade dos seus jornalistas é inversamente proporcional à dos colunistas.

Há dois claros exemplos disto. O primeiro é o tratamento dado ao número de abortos. De facto, nos últimos dois anos o número total de abortos tem vindo a diminuir. Depois de um aumento constante entre 2008 e 2011, em 2012 e 2013 o número diminui. Contudo este facto, isolado, não quer dizer nada. 

O número de mulheres em idade fértil tem vindo a diminuir (envelhecimento da população). Por isso, para se saber se o aborto realmente diminuiu, é preciso saber se, no universo de mulheres grávidas, a percentagem daquelas que escolheu abortar é ou não menor. Isso é possível com três dados: o número de abortos, o número de abortos a pedido da mulher e o número de nados-vivos.

E o que de facto se constata, como refere José Ribeiro e Castro no comentário que faz a este artigo na página do Observador, é que a percentagem de mulheres grávidas que aborta tem vindo sempre a aumentar desde 2008. Ou seja o que diminuiu em Portugal foram as gravidezes. O aborto continua a aumentar.

O segundo exemplo da falta de seriedade do trabalho do Observador é uma perigosa afirmação feita pelo presidente da APF no fim do artigo: «Mas, “no estrangeiro, muitos estudos falam que depois da culpa da interrupção [de gravidez] surge uma sensação de alívio. Faz sentido”». Esta afirmação é perigosa porque parece ignorar os efeitos traumáticos que o aborto tem na mulher, que levam em muitos casos a depressões profundas. Este facto é confirmado não só por variadíssimos estudos como por inúmeras associações que trabalham no terreno a apoiar mulheres que já abortaram. Reproduzir esta frase sem assinalar que é controversa ou sem qualquer contraditório demonstra o desconhecimento do jornalista sobre o tema, assim como a ausência de qualquer investigação. De facto, mais do que uma notícia, o jornalista escreveu um anúncio à APF e à sua apologia do aborto.

Mas a incompetência e parcialidade do jornalista do Observador não é para mim o mais grave desta notícia. É triste e demonstra o estado do nosso jornalismo, mas não é o mais grave.

O mais grave é a forma banal como se fala do aborto. Como se fosse uma coisa boa. Como se o problema do aborto fosse criado pelo “estigma” que a sociedade lhe atribui. Como se o aborto fosse algo normal. Isto é o mais grave.

Porque se transformou o mal em algo de banal. Já não é preciso um monstro para o fazer: é fornecido pelo Serviço Nacional de Saúde de forma gratuita. E é de tal forma banal que o número total de abortos praticado desde 2007 (122.479) é apresentado como se fosse uma coisa boa. Afinal não foram assim tantos! De facto os pró-vida são uns alarmistas! Foram só cento e vinte e duas mil quatrocentas e setenta e nove crianças que foram eliminadas, gratuitamente e sem nenhuma razão, desde 2007.

É esta mentalidade que é preciso combater, é esta cultura. Porque o drama maior não é que haja uma lei que permite o aborto, mas que 21% das mulheres que engravidam em Portugal abortem.

Essa luta faz-se de muitas maneiras. Uma delas é criando leis que promovam uma cultura a favor da vida por nascer e eliminem as causas que levam ao aborto. É esse o grande objectivo da Iniciativa Legistativa: Pelo Direito a Nascer que recolheu em menos de quatro meses mais de quarenta mil assinaturas e que se prepara para dar entrada na Assembleia da República. 

Os deputados que vão ser chamados a votar esta iniciativa tem agora dois caminhos: ajudar a criar uma mentalidade que defenda a vida ou então continuar a deixar que em Portugal o mal se mantenha de tal maneira banal que permaneça um direito.

domingo, 8 de fevereiro de 2015

A Ministra da Justiça e a Liberalização das Drogas Leves


A Ministra da Justiça Paula Teixeira da Cruz defendeu ontem numa entrevista a liberalização das drogas leves, a que prefere chamar despenalização. Ainda segundo a Ministra, isto permitiria acabar com o crime associado às mesmas e assim obter receitas para o Estado através dos impostos. Para dar força aos seus argumentos, Paula Teixeira da Cruz disse que nestes assuntos a repressão e perseguição incitam ao crime.

Antes de mais, convém fazer uma correcção à senhora ministra: as drogas leves já foram despenalizadas. Só não foi o seu comércio. Para além disso, o facto de o consumo de drogas leves não ser punido penalmente não o torna lícito. Por isso, ao propor que se vendam drogas legalmente (em farmácia, segundo a ideia peregrina da senhora ministra) o que se está a propor não é uma mera despenalização, mas sim a liberalização das mesmas. Passará a ser mais fácil comprar uma ganza que um Nimed.

Para além disso, só alguém totalmente desligado da realidade pode achar que, se for possível comprar drogas numa farmácia, isso fará diminuir o tráfico. Qualquer pessoa no seu perfeito juízo sabe que a maior parte dos consumidores desse tipo de drogas não quer que se saiba que eles as consomem. É pouco realista pensar que um grupo de adolescentes ou jovens que querem fumar umas ganzas à noite vão até a uma farmácia comprar o que precisam à frente de toda a gente. Para além disso, não vão perder tempo a ir a um farmácia para adquirir algo que podem comprar facilmente e sem grande custo na rua.

Mas para mim o mais inqualificável na argumentação da senhora ministra é o facto de usar como argumento que a repressão tem pouco efeito sobre o tráfico. Ora, a falta de eficácia no combate ao crime não é um bom motivo para o legalizar. Se não também temos que liberalizar os assaltos à porta das escolas secundárias ou os maus tratos aos animais.

O que incita ao crime é a falta de capacidade das autoridades em combatê-lo, conjuntamente com um grande número de outras circunstâncias. Dizer que só existe tráfico de drogas leves porque é proibida a sua venda demonstra uma avaliação superficial do problema que pode ter espaço nas conversas de café ou nos blogues, mas que não é aceitável numa entrevista de um membro do governo.

Mas nenhum destes factos constitui o problema mais grave das afirmações feitas ontem por Paula Teixeira da Cruz. O que é realmente dramático é que a Ministra da Justiça fala das drogas leves como se o único problema fosse o tráfico a elas associadas.

Mas isso é falso. O consumo de drogas leves é em si mesmo um problema. Embora não viciem como outras drogas e não tenham tantos efeitos dramáticos, as drogas leves abrem a porta do mundo das drogas. De facto, ninguém começa por consumir heroína ou cocaína. Todos os toxicodependentes começam pelas drogas leves.

Para além disso, o consumo de drogas leves cria sem dúvida habituação, tem efeitos sobre o cérebro e coloca o seus consumidor num estado em que não tem controlo sobre as suas acções.

Por isso o drama das drogas leves não é um problema social ou criminal, mas um problema humano. O objectivo não pode ser apenas "legalizar" o mundo das drogas leves, mas sim evitar que estas sejam consumidas, ajudar quem as consome a largar esse hábito e assim prevenir a passagem das drogas leves para as chamadas drogas duras.

A proposta da Ministra da Justiça não é apenas pouco realista, mas também pouco humana. Paula Teixeira da Cruz demonstra que se preocupa mais em ter uma sociedade organizada do que em defender a dignidade de cada homem.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

O Fim da Austeridade: da Utopia à Tragédia Grega.


A palavra "austeridade" tem-se tornado um vocábulo essencial para qualquer conversa sobre política nos últimos anos. Tanto se tem usado esta palavra que a certa altura ela ganhou uma vida própria. De facto a esquerda tem construido toda uma narrativa à volta da "austeridade" de maneira a transforma-la numa ideologia política, como se a austeridade fosse uma escolha e não uma imposição.

Esta  narrativa chegou ao seu auge com a vitória do Syriza nas eleições gregas. Para gaúdio da esquerda há finalmente um partido anti-austeridade no governo. Um partido que aliás decretou logo o fim da mesma e tomou um conjunto de medidas (subir o salário mínimo, oferecer electricidade a 300 mil famílias pobres, readmitir na função públicas todos os que foram despedidos nos últimos anos, etc.) que deram forma a essa declaração.

O problema é que a austeridade não foi nem é uma decisão mas uma imposição. Não da Troika ou da Alemanha, mas uma imposição da realidade. O facto é que quer em Portugal quer na Grécia não havia dinheiro. O país gastava muito mais do que aquilo que produzia.

A dívida não foi inventada, foi contraida para pagar os gastos para os quais não tinhamos dinheiro.

Claro que que é discutivel se as medidas tomadas foram as melhores, se não haveria outra maneira de ultrapassar a crise. Também é evidente que muitas vezes as medidas tomadas para ultrapassar a crise levaram a resultados dramáticos. Famílias sem casa, sem luz, sem comida, sem médicos.

Mas a opção não era entre a austeridade e a abundância, mas sim entre as medidas de austeridade que se deviam tomar.

Porque a austeridade não é uma política, nem sequer existe por si mesma. A austeridade é fruto da ausência de riqueza.

O problema de aumentar o salário mínimo ou de oferecer electricidade é que tudo isso tem um custo. E se é fácil criar leis que obriguem os salários a ser mais altos ou a electricidade a ser mais barata não é possível criar o dinheiro para pagar estas decisões por decreto.

Por isso ser anti-austeridade é ser anti-realidade. Querer continuar a gastar o que gastavámos e ao mesmo tempo não pagar mais por isso não é uma opção. É como eu ganhar €500 e arrendar uma casa por €600. Ao fim de três meses estou na rua e ainda mais pobre do que estava antes de arrendar a casa.

O preço da utopia grega vai ser paga pelo povo grego. E vai ser paga de maneira ainda mais dura do que tem sido. Porque o dinheiro vai acabar (e a este ritmo rapidamente) e ninguém vai querer emprestar mais a quem não paga.

E o resultado vai ser que, apesar de todas as leis anti-austeridade, esta vai regressar. Só que vai regressar a um país ainda mais pobre.