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sexta-feira, 22 de maio de 2015

Aí dos Vencidos: José Alberto de Carvalho e o Regícidio.





Ontem José Alberto de Carvalho apresentou o jornal da TVI em directo do novo Museu dos Coches. Terminou o telejornal diante do landau onde foram mortos o Rei Dom Carlos e o Príncipe Real Dom Luís Filipe. Diante desse veículo onde foram cobardemente assassinados o Chefe de Estado de Portugal e o seu herdeiro, o jornalista teve a brilhante ideia de ler parte do testamento de Buiça, um dos regicidas, encerrando o telejornal afirmando que os valores defendidos pelo assassino eram os mesmos que os seus.

Ficamos por isso a saber que José Alberto de Carvalho, apresentador do Jornal das 8 e Director de Informação da TVI, acha que o assassínio de um Chefe de Estado legítimo é um acto heroico e que um assassino merece ser honrado. É a sua opinião e em democracia cada uma pode ter a sua. 

Mas imaginemos que hoje havia uma cerimónia oficial em Londres, onde a Rainha Isabel II, o Duque de Edimburgo, tal como os seus netos William e Harry, participavam. Imaginemos que, tendo em conta o bom tempo e para que o povo os visse, a Rainha tinha decidido fazer o caminho numa carruagem aberta. Imaginemos que ao passar por Picadilly Circus, dois atiradores disparavam sobre a Rainha e sobre o Príncipe William, ferindo-os de morte, e que só a rápida intervenção do Duque de Edimburgo salvava o Príncipe Harry.

Imaginemos que os atiradores, mortos no local pelos guardas da Rainha (agora guardas do Rei), eram republicanos irlandeses que eram a favor da Irlanda unida. Imaginemos que que um deles tinha deixado um testamento, onde dizia que ia morrer e que estava satisfeito de dar a vida pela sua causa.

Imaginemos que José Alberto de Carvalho era enviado pela TVI a Londres para cobrir o acontecimento. Imaginemos que José Alberto de Carvalho fazia uma reportagem em frente à mesma carruagem onde a Rainha e o seu neto tinham sido mortos. Imaginemos que nessa reportagem, em vez de elogiar a Rainha, que serviu o seu pais durante toda a sua vida, José Alberto de Carvalho decidia ler um trecho do testamento do assassino. Imaginemos que depois, José Alberto de Carvalho elogiava o assassino por ter dado a vida pelos seus ideais republicanos. Agora imaginemos quanto tempo levaria a TVI a despedir José Alberto de Carvalho…

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Porque Leio Um Romance, artigo publicado na revista "Communio".



Porque Leio Um Romance.

Quando começo a ler um romance não vou à procura de me edificar espiritualmente, mas sim de me entreter. O critério que uso é bastante simples: uma boa história, bem escrita, sobre um tema que me interesse e assim aproveitar algum do meu tempo livre.

Isto não significa que ignore a importância da literatura religiosa, que é uma ajuda essencial para a vida da fé. Mas esse tipo de livros tem a sua função, que é diferente da do romance. Quando leio a Sagrada Escritura, ou um documento do Magistério, ou simplesmente uma hagiografia faço-o com um objectivo concreto relacionado com o meu caminho religioso.

Um bom romance não tem essa finalidade. Aliás, um romance que em vez de entreter tenha a pretensão de edificar, habitualmente não faz nem uma coisa nem outra, limitando-se a oscilar entre a má literatura e a má teologia.

É evidente que um grande romance não se limita a entreter. Um grande livro educa-nos, faz-nos crescer. E é isso que realmente distingue um grande romancista. Contudo a finalidade de um bom romance não é essa, mas sim contar uma história que interessa ao leitor e isso naturalmente entretém.

Por isso, se é verdade que o que eu procuro num romance é entretenimento, também é verdade que o que o que torna um livro realmente interessante é o que encontro para lá do entretenimento.

O teste para distinguir um bom de um mau romance é simples: se o lemos uma só vez ou se nunca nos cansamos de o reler. É como quando encontramos uma pessoa. Se ela simplesmente nos faz passar um bom momento não nos voltamos a lembrar dela até a voltarmos a encontrar. Se ela passar todo o encontro a enfadar-nos com a sua doutrina a próxima vez que o virmos, fugimos. Mas se, para além de nos entreter, nos prende com as suas palavras então iremos à sua procura e não nos cansamos da sua companhia.

Para mim o grande exemplo disto é O Senhor dos Anéis de J.R.R. Tolkien. Quando o li pela primeira vez não procurava nada mais do que uma boa história de acção e de fantasia. Porém aquilo que encontrei na obra fez-me voltar a ela vezes sem conta.

Foi com este livro que ficou claro para mim como é que um romance pode verdadeiramente ser edificante. Existem muitos aspectos que podia apontar, mas resumo esta minha experiência em três pontos: a identificação com a minha vida; a abertura à realidade; o despertar do desejo.

1. A Identificação Com a Minha Vida.

O primeiro facto que me atrai em O Senhor dos Anéis é que me é possível identificar com as personagens. O que se pode considerar algo de muito estranho se considerarmos que é uma obra de ficção que se desenrola num mundo fantasioso onde existem elfos e anões, hobbits e feiticeiros.

De facto nada está mais distante do realismo literário do que a obra de Tolkien. O objectivo do professor de Oxford era escrever um conto de fadas e foi isso que fez. O livro é a história da destruição do Anel forjado por Sauron, um ser maléfico que cria dominar a Terra Média, o mundo onde se desenrola a acção. Para isso os heróis terão que enfrentar diversos perigos, em jornadas duras e batalhas épicas, até chegarem ao coração do reino de Sauron e destruírem o Anel.

Onde se vê o génio de Tolkien é no facto de, mesmo num mundo totalmente saído da sua mente, ser possível identificarmo-nos com as personagens, mesmo tratando-se de um anão.

Um dos exemplos mais claros é a relação de cada personagens com o Anel. Este objecto maligno tenta todos aqueles que dele se aproximam. E fá-lo deturpando os desejos de cada personagem. Ao nobre guerreiro mostra-lhe a vitória do seu país sobre aqueles que o ameaçam; ao humilde jardineiro hobbit promete-lhe a terra como seu jardim; à grande senhora élfica oferece-lhe o poder para derrotar Sauron. A todos tenta seduzir e atrair para o mal, manipulando-os. E todos eles reagem à tentação de diferentes maneiras: um deixa-se cair para depois se redimir com o sacrifício pessoal, outro resiste com a sua humildade, a última evita-o com a sabedoria.

É evidente que nunca encontrei um anel que me tentasse conduzir ao mal. Mas a experiência da tentação do mal está bem presente na minha vida. Sobretudo do mal que se apresenta trasvestido de bem. Também a experiência da queda, da redenção e da resistência são bem reais.

O facto de me reconhecer nos dramas e limites das personagens aproxima-me deles, cria um maior interesse. De tal maneira que vibro com as suas aventuras

2. Abertura à Realidade

A identificação com as personagens só se torna possível se a sua história tiver pontos de semelhança à minha. O que me leva a aproximar de uma personagem é poder reconhecer-me nela.

Por isso, um bom romance não nos faz fugir da realidade, mas sim voltar a olhar para ela. Porque o que me atrai na personagem, não é a ficção, mas o que ela tem de real. É poder reconhecer nela, mesmo sendo uma figura mítica, um fragmento de humanidade, com os mesmos desejos e limites que eu.

Para mim em O Senhor dos Anéis isso fica claro na seguinte passagem, tirada do segundo volume, As Duas Torres, no momento em que um grupo daqueles que tinham como missão destruir o anel se cruza com uns cavaleiro do reino de Rohan.

"- Como pode um homem decidir o que fazer em tais tempos?

- Como sempre decidiu - respondeu Aragorn. - O bem e o mal não mudaram do ano passado para este, e tão-pouco são uma coisa entre elfos e anões e outra entre homens. Compete ao homem saber discerni-los, tanto na Floresta Dourada, como em sua própria casa."1

Esta resposta de Aragorn é tão válida na Terra Média, como na realidade. É um conselho tão útil para a personagem que o recebeu como para mim.

Um romance para realmente ser espiritual não pode fugir da realidade. Porque não existe nada de mais espiritual do que ela.

O problema não é se há ou não um Bem na realidade, mas se eu olho para ele ou não. O que me marca num grande romance é que me coloca diante da realidade e me diz que é possível um final feliz. Que é possível que alguém tão pequeno e mísero como eu ser um herói.

E isso faz-me então desejar olhar para a realidade como aquelas personagens olham. É assim que um romance pode ser verdadeiramente espiritual, quando alarga o meu olhar sobre a realidade.

3. O Despertar do Desejo.

Num grande romance a abertura à realidade tem como consequência despertar o desejo. Claro que a realidade pode ser dura e negra. Contudo, desafia-nos constantemente a desejar mais do que ela.

E isso é o que em última instância um grande romance faz: desperta em nós o desejo do grande e do heróico, o anseio por um mundo plenamente Belo e Justo. Em última instância, faz vir ao de cima o grito pela eternidade.

Assim acontece com O Senhor dos Anéis. É impossível lê-lo e não desejar também partir numa grande demanda.

"É melhor amar primeiro aquilo que fomos destinados a amar: precisamos de começar por algum lado e ter algumas raízes, e o solo do Shire é profundo. No entanto, há coisas mais fundas e mais altas, e nenhum jardineiro podia cuidar o seu jardim em paz, como se costuma dizer, se não fossem elas, quer saiba da sua existência quer não."2

Este trecho, de O Regresso do Rei, terceiro volume do livro, exemplifica com clareza este ponto. Só é possível olhar paras as coisas grandes se começarmos por amar as coisas pequenas que estão diante de nós. Porque é o amor pelas coisas pequenas que nos leva ao desejo das coisas grandes. É o amor pela colina do campo da nossa infância que nos leva a desejar conhecer as grande montanhas.

Por isso um romance que me leva a olhar para a realidade, para a minha realidade, leva-me a desejar que seja também ela cheia de coisas grandes.

Conclusão

Os romances que mais me interessaram, aqueles que eu leio e releio sem parar, são os que me mostraram que é possível que o quotidiano se torne heróico. Como no caso daqueles pequenos hobbits, Frodo e Sam, que deixaram o seu pequeno mundo, onde tudo era sossegado e a comida, tal como a bebida, não tinham fim, e acabaram no coração do reino de Sauron.

"É uma coisa perigosa sairmos da nossa porta Frodo', costumava dizer. 'Entramos na Estrada e, se não dominamos os nossos passos, nunca se sabe para onde podemos ser arrastados. Já reparaste que este é o próprio caminho que atravessa a Floresta Tenebrosa e que, se o deixares, poderá levar-te para a Montanha Solitária ou até para lugares mais distantes e piores?' Costumava dizer isso no carreiro existente defronte da porta principal do Fundo do Saco, sobretudo depois de ter dado um longo passeio". 3IdA pg 95

E assim é também com os grande romances.


José Maria Seabra Duque

1 in O Senhor dos Anéis, II - As Duas Torres, pag. 42, TOLKIEN, J.R.R., Publicações Europa América
2 in O Senhor dos Anéis, III - O Rgresso do Rei, pag. 156, TOLKIEN, J.R.R., Publicações Europa América
3 in O Senhor dos Anéis, I - A Irmandade do Anel, pag. 95, TOLKIEN, J.R.R., Publicações Europa América


sexta-feira, 8 de maio de 2015

Eleições em Inglaterra: A Derrota do Socialismo e a Última Vitória de Margaret Thatcher.





Quando Tony Blair chegou à liderança do Partido Trabalhista, os conservadores estavam no poder há 15 anos. Quando finalmente venceu as eleições em 1997, havia eleitores que nunca tinham visto outro partido no governo que não o Conservador.

O extraordinário consulado de Margaret Thatcher tinha exposto claramente todos os defeitos do socialismo. A Senhora de Grantham pegou num país com uma economia dominada pelo Estado e paralisada pelo poder dos sindicatos e em onze anos construiu uma economia mais rica e um país mais livre.

A sua política externa devolveu aos ingleses o seu orgulho perdido na crise do Suez e voltou a colocar o Reino Unido no seu lugar entre as grandes potências mundiais. A sua obstinada recusa em ceder diante dos Soviéticos, assim como a sua férrea fidelidade à aliança com a América, foram essenciais para o fim da Guerra Fria.

Ficou assim claro para os britânicos que o socialismo tinha arruinado o país e que só um Estado que defendesse as liberdades individuais dentro e fora das suas fronteiras podia permitir ao Reino Unido continuar a ocupar o seu lugar entre as grandes potências.

Tony Blair também percebeu a lição. Rapidamente retirou o socialismo da matriz ideológica do Partido Trabalhista e abraçou a Terceira Via: um encontro entre o socialismo e o capitalismo. Abandonou o pacifismo típico dos seus antecessores e mostrou-se como herdeiro da Baronesa Thatcher na política externa.

Este mudar de rumo do Partido Trabalhista não foi pacífico no partido, sendo que Blair acabou por sair da liderança do mesmo em 2007, muitíssimo contestado tanto pela sua política interna como pela sua política externa. O seu sucessor, Gordon Brown, perdeu as eleições de 2010 para os Conservadores de David Cameron, pese o facto de este ter necessitado do Partido Liberal-Democrata para conseguir formar governo.

Ainda em 2010 chegou um novo líder ao Partido Trabalhista. Ed Milliband apresentou-se como um novo messias: descreve-se como socialista, próximo dos sindicatos, crítico de Blair e da sua política externa. Embora se apresentasse como uma novidade, a verdade é que Miliband significava, no fundo, um regresso ao passado: ao Labour socialista, pacifista e progressista. Tudo aquilo que parecia ter sido destruído por Thatcher renascia na roupagem de um jovem político de 40 anos.

E a verdade é que, mesmo sem muita glória, as sondagens que foram sido feitas nos últimos meses permitiam a Ed Miliband sonhar. Apesar do surgimento do Partido Escoês, a quem todas as sondagens davam mais de cinquenta deputados, muitos à custa do Labour, tudo apontava para o empate ou mesmo uma vitória dos socialistas sobre os conservadores e para um governo de coligação entre os trabalhistas e os escoceses.

Mas, mesmo depois de morta, Margaret Thatcher teve ontem mais uma vitória sobre as sondagens. Os eleitores ingleses não só deram a vitória a David Cameron, como lhe deram ainda uma maioria absoluta, permitindo-lhe governar sozinho.

O regresso do Partido Trabalhista ao socialismo aparentemente só convenceu as empresas de sondagens, porque Ed Miliband consegui eleger menos 26 de deputados do que nas últimas eleições e ficar com menos cem deputados do que os conservadores. Entre as baixas de ontem encontram-se o seu ministro-sombra das finanças, demonstrado claramente que os ingleses não querem o socialismo.

A vitória de ontem foi obviamente de David Cameron. Tendo governado o Reino Unido em plena crise económica, o Primeiro-Ministro inglês consegue o feito, só realizado por Margaret Thatcher, de aumentar a sua maioria no parlamento.

Contudo, os resultados de ontem evidenciam também a derrota do socialismo. Demonstram que o povo inglês prefere um mercado livre, prefere as liberdades individuais, prefere defender os seus valores. E isso é devido a Margaret Thatcher. Por isso as eleições de ontem não são apenas a vitória de David Cameron, são também última vitória da Dama Ferro sobre o socialismo inglês.